Leslie Mandoki, líder
dos Mandoki Soulmates, está de volta aos discos com um novo trabalho que
promete ser um marco na sua carreira e na música prog rock. Após
quatro anos de intenso trabalho, é lançado A Memory Of Our Future, um
álbum que não só reflete a sua visão artística como também aborda temas
sócio-políticos relevantes. Com uma produção totalmente analógica, o álbum traz
uma fusão de influências globais, desde música balcânica, indiana até italiana
e sul-americana, e conta com a habitual participação de um conjunto de músicos
virtuosos. Nesta entrevista exclusiva, Lesli Mandoki partilha as suas
experiências e reflexões sobre a música e o mundo atual. Confiram!
Olá, Leslie, como tens passado desde a última vez que falámos,
em 2020? Na
altura, falámos de Living
In The Gap/Hungarian Pictures. Passaram quatro anos, estás agora na maior editora de prog rock e aqui estás tu com um grande álbum novo, A
Memory Of Our Future. Como é que viveste estes últimos quatro anos?
Com a intensidade
radical de um músico rock: levantar cedo, voltar tarde - oito dias por
semana, a tentar encontrar as respostas. De alguma forma, sinto que, mais do
que nunca, sou um neto de Woodstock - tenho todo este idealismo no meu
coração e apenas estou à procura da resposta nestes tempos difíceis para o
mundo. Estou muito grato ao meu público por me dar o privilégio de tentar criar
uma versão musical desta resposta. Estamos afundados num labirinto de crises e
a nossa bússola está perdida. Espero que o novo álbum seja uma espécie de
localizador de direção, uma tocha que ilumine o fim do túnel escuro. Há um
cisne negro simbólico na capa do álbum que estamos a tentar pintar de
branco.
Quando entraram na InsideOut Music, Living In The Gap/Hungarian Pictures foi relançado. Foi
o mesmo material que tinham lançado anteriormente ou continha alguns extras?
O relançamento
tem o título Utopia For Realists, e tem o mesmo conteúdo musical de Living
In The Gap/Hungarian Pictures. Mas em relação aos extras, muito
mesmo. Gastámos uma energia tremenda e centenas e centenas de horas incansáveis
a criar um álbum visual, em unidade e harmonia visual com a música. Eu venho da
geração dos grandes álbuns e dos grandes vídeos, por isso dei o meu melhor para
criar uma experiência muito especial para o lançamento de Utopia For
Realists em DVD e CD pela InsideOut.
Agora, para este novo álbum, A Memory Of Our Future, quais foram os teus principais objetivos?
Como sempre, tentei
criar um equilíbrio perfeito entre conteúdo e formato, e gravar e produzir
puramente no formato analógico foi um grande passo nessa direção. A ideia geral
é que a inspiração para escrever canções vem de duas fontes: o mundo à nossa
volta e o mundo à minha volta. Neste álbum,
do mundo à nossa volta, as canções seriam Devil's Encyclopedia, The
Big Quit, Blood In The Water, Enigma Of Reason e We Stay
Loud. Do mundo que me rodeia vêm Matchbox Racing, My Share Of
Your Life, I Am Because You Are. E a representar os dois mundos está A
Memory Of My Future, que termina com a letra “A memory of OUR future".
É disso que se trata - do nosso futuro.
Como um homem que, enquanto estudante, lutou pela oposição à
ditadura da censura imposta pelos soviéticos em Budapeste, podemos ver neste
título um apelo à atenção para os crescentes ataques à liberdade?
Há certamente uma
preocupação com a proteção da liberdade e da paz e com a defesa dos nossos
valores. Cresci atrás da Cortina de Ferro, quando havia censura e as pessoas da
oposição eram torturadas. Era cinzento e não tinha qualquer humanidade liberal.
Mas isso era apenas um lado: foi por causa do outro lado, um ambiente em que as
pessoas eram muito próximas umas das outras e, apesar das circunstâncias, um
grande calor humano, especialmente com o meu pai, que cresci forte. Havia um
elevado nível de força mental e, no sentido clássico europeu, quase um
sentimento romântico de amor, respeito e tolerância. A cultura e a aprendizagem
são os antídotos para tudo o que uma ditadura nos dá.
Nesse aspeto, este álbum pode ser considerado um álbum
sócio-político?
Absolutamente -
se nem sequer ouvires a música, mas apenas olhares para os títulos das faixas e
para as letras de Blood In The Water, Devil's Encyclopedia, The
Big Quit, We Stay Loud, então sabes do que se trata todo este álbum.
É absolutamente um álbum político-social contra a divisão; está a tentar
construir pontes, a tentar descobrir o que é mútuo, o que nos liga, o que nos
une, o que nos separa.
Em relação à composição, o trabalho foi centrado apenas em ti ou
foi um esforço coletivo?
Parte da escrita
surgiu-me muito naturalmente. Mas eu tive, como sempre, uma equipa incrível de
músicos criativos e virtuosos em quem me apoiar, o que tornou extremamente
libertador e alegre escrever com eles em mente. Talvez este álbum seja um pouco
mais rock, com elementos de prog rock, mas com os incríveis
solistas da banda, como Al Di Meola e Randy Brecker, Mike
Stern, Cory Henry, Bill Evans, John Helliwell, também
tem uma pequena vibração de jazz-rock. As composições são mais
conceituais do que nunca, na linha do prog rock.
O álbum anterior era extraordinariamente aventureiro. Para este,
tentaste quebrar mais barreiras e ir ainda mais longe?
Acho que se
olharmos para o catálogo de conceitos dos álbuns dos Mandoki Soulmates,
temos evoluído constantemente, mas acho que com o Utopia For Realists e
o A Memory Of Our Future atingimos um novo pico e alguns de nós acham
que este novo álbum é o nosso melhor - embora também nos tenhamos sentido assim
com o Utopia For Realists, por isso estamos a tentar melhorar sempre -
colocando o "progresso" no prog rock, se me permitem a
expressão.
Uma das coisas em que reparei é a inclusão de várias partes de world music (balcânica, sul-americana). És cada vez mais um
músico e um homem do mundo?
De facto, sempre
fui um viajante, que recolheu diferentes influências em todo o mundo e criou
uma grande consciência a partir disso. Temos algumas influências indianas
porque a minha filha Julia viajou pela Índia e trouxe para casa a maravilhosa
influência de Deoborat, na cítara, para este álbum. E temos influências
italianas e também sul-americanas, uma espécie de atitude Piazzola que vem do
Fausto neste disco. Richard Bona também traz um sentimento africano,
sensível ao mundo. Em geral, é sempre um grande caldeirão - Brooklyn, Upper
East Side, Village, mas também L.A. e West London, e, claro, Budapeste, e um
pouco de tempero de Berlim que Till Brönner traz.
Tendo tudo isto em conta, A Memory Of Our Future é muito mais do que um álbum de prog
rock, não concordas? Como é que o descreves?
Sim, eu
descreveria este álbum como tendo muito do estilo prog rock nas
composições, nos arranjos, na forma como o produzi, e liricamente, assim como
na arte e nos vídeos. Mas, como conceito geral, ele vai intencionalmente além
do prog rock.
Como é que fizeste a seleção dos músicos para este álbum?
Isso é muito natural
- ninguém deixou a banda em 31 anos, exceto, infelizmente, aqueles como Jack
Bruce, John Lord e Greg Lake, que estão a tocar com Jimi
Hendrix no céu. Agora Richard Bona está a tocar baixo e Cory
Henry está nos teclados, mantendo a chama quente para eles.
Todos os nomes que convidaste estavam disponíveis ou houve
alguém que não tenha sido possível?
Tenho muita sorte
por toda a gente que convidei ter vindo às sessões.
Como é que correu o trabalho de estúdio para este álbum? Como é
que consegues gravar e gerir tantos músicos e instrumentos?
O fluxo de
trabalho foi totalmente diferente desta vez por causa da gravação analógica.
Temos um estúdio grande, por isso temos muito espaço para o Bösendorfer
e o Hammond, os grandes kits de bateria e as pilhas de Marshalls.
É um estúdio topo de gama muito tradicional com uma coleção dos melhores
equipamentos de áudio alguma vez feitos, por isso seguimos o fluxo de trabalho
analógico de muitos dos melhores álbuns alguma vez feitos. Consegue-se ouvir o
calor na gravação.
Portanto, é verdade que este álbum teve uma produção
completamente analógica. Por que escolheram seguir esse caminho?
Tudo é
absolutamente analógico, exceto, claro, o upload para os serviços de streaming
digital. Por isso, toda a cadeia de sinal, desde a primeira nota no microfone
até ao corte do laqueado para o LP de vinil, é analógica. Na verdade, na banda
chamamos-lhe "a vingança do analógico", que é apenas a nossa forma
irónica de dizer que este é um disco analógico para um mundo digital. Foi uma
decisão muito espontânea gravar desta forma - dissemos, que tal voltar a
entregar uma carta de amor escrita à mão ao nosso público e gravar algo
absolutamente analógico? Foi uma forma muito alegre de trabalhar, é a forma
clássica em que a criatividade tem lugar enquanto estamos a gravar e não
durante a pós-produção. É uma qualidade sonora diferente e uma química
diferente de tocar quando a luz vermelha está acesa no estúdio e o Studer está
a rodar: aumenta o nível.
Haverá hipóteses de levar este projeto para um palco e tocar ao
vivo? O que é que têm programado para esse efeito?
Se forem ao nosso
canal no YouTube podem ver concertos fabulosos, incluindo a nossa
digressão de aniversário. Este verão, vamos tocar na minha cidade natal,
Munique, a 15 de agosto, e na cidade onde nasci, Budapeste, a 18 de agosto.
Vamos tocar as novas canções e estamos ansiosos por ver todas as pessoas, e
estamos muito contentes com isso.
Obrigado, Leslie, mais uma vez, foi uma honra. Queres enviar
alguma mensagem aos teus fãs e aos nossos leitores?
A minha mensagem é para defendermos um mundo melhor, mais humano. Vamos falar sobre o que nos une, vamos construir pontes e vamos respeitar as diferenças. Vamos ultrapassar toda esta divisão no mundo, vamos sair das nossas zonas de conforto e vamos ser humanos. Estou a tentar escrever uma banda sonora para um mundo livre e pacífico com a humanidade, para fazer música que seja uma força para nos unificar a todos. Este é o aspeto mais importante tanto da minha vida artística como da minha vida pessoal.
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