Com
quase duas décadas de estrada, os Miss
Lava afirmam-se como um dos nomes mais consistentes e inovadores do rock nacional. Com uma sonoridade que cruza o stoner,
o psych e o hard rock com identidade própria, a banda lisboeta
regressa com Under A Black Sun, um álbum intenso, introspetivo e
marcadamente pessoal. Lançado a 25 de abril, data simbólica para todos os
portugueses, e com uma formação renovada, este trabalho assinala uma nova fase
criativa da banda. A meio da sua tour europeia, fomos conversar com o
guitarrista K. Raffah.
Olá, Rafa,
tudo bem? Obrigado pela disponibilidade. O vosso novo álbum Under A Black Sun evoca uma imagem poderosa e
enigmática. Como surgiu este conceito e de que forma reflete o conteúdo lírico
e emocional do álbum?
Esta imagem surgiu apenas depois de termos o disco todo gravado. A ideia
era precisamente essa: tentar condensar e refletir todo o conteúdo lírico numa
única imagem poderosa. O Johnny descreve o processo de escrita como tendo sido
muito intenso — uma verdadeira viagem por lugares muito escuros, mas sempre com
a busca pela luz como guia. Este é, provavelmente, o trabalho mais pessoal que
ele já escreveu, refletindo muito o seu estado de espírito naquela fase. Ele
sentia-se a girar em torno dessa escuridão, mas percebia também que essa
escuridão era parte essencial da viagem — e que é precisamente na escuridão que
a luz brilha com mais força. De alguma forma, sinto que este processo de
escrita o ajudou a encontrar uma saída, ou pelo menos a clarear esse momento
mais sombrio.
Em 2016, Johnny Lee
tinha-nos referido que a banda estava a explorar novas direções sonoras. Nesse
sentido, de que forma Doom Machine preparou o terreno para Under
A Black Sun?
Acho que desde o Sonic Debris perdemos todas as
“amarras” criativas que tínhamos e começámos a abraçar cada vez mais a
espontaneidade criativa, tanto na sala de ensaios como no estúdio. Nesse disco,
criámos e gravámos 2 músicas em estúdio. No Doom Machine gravámos tudo live,
mudando partes e estruturas das músicas no momento. Toda essa aprendizagem
deu-nos muito à vontade para explorarmos novas coisas a toda a hora – novos
sons, novas estruturas, novas energias.
O álbum conta com
teclados de Miguel “Veg” Marques e vozes de Alexandra Quintas. Estas
colaborações criam diferenciadas texturas sonoras que podem ser enquadradas
nessa tentativa de explorar novas sonoridades?
Foram colaborações que nasceram de forma natural. No
caso do Vegeta, ele produziu o álbum. Estávamos em estúdio e, nessas músicas,
sentimos que era preciso mais alguma coisa. Começámos a trocar ideias, a
“cantarolar” algumas melodias e a experimentar diferentes sons – até com
guitarras. Mas foram os teclados que funcionaram melhor. No caso da Alexandra,
ela é uma amiga nossa desde a adolescência. Sempre acompanhou as nossas bandas,
mas, curiosamente, não sabíamos que ela cantava! Isto apesar do irmão dela ser
produtor, professor de música e cantor profissional. Num jantar com o Johnny
ela partilhou umas coisas que andava a gravar com o irmão e o Johnny lançou-lhe
logo o desafio – vais ter de participar no nosso próximo disco! E assim foi. O
resultado foi mesmo muito bom e até já referiram em críticas que devíamos
explorar mais este tipo de registo.
Por outro lado, este é
o primeiro álbum com o baterista Pedro Gonçalves e marca a transição para um
quinteto com a entrada de Hugo Jacinto nas guitarras. De que forma estas
mudanças influenciaram o som e a dinâmica criativa da banda?
A entrada do Pedro na banda trouxe um grande boost
criativo. A energia, a forma de tocar, o interesse e participação ativa em
todas as fases da composição e produção fizeram com que quiséssemos
aventurar-nos ainda mais na exploração sonora que resultou neste disco. Ele
trouxe mais experimentação, ajudando-nos a pré-produzir o disco. Devemos ter
feito umas 3 prés para este disco. Estávamos sempre a debater e a mudar as
estruturas das músicas. Foi uma dinâmica mesmo muito intensa. Em estúdio,
começaram a aparecer muitas guitarras que não eram apenas “adereços”, mas sim
elementos determinantes nas músicas. Quando acabámos de gravar, percebemos que
as músicas iam precisar de um novo elemento ao vivo. Pensámos os 4 no Hugo, que
já conhecíamos de longa data e muitos concertos com Dollar Llama. Ele
aceitou e agora todo o nosso espetro sonoro está a ganhar uma nova dimensão,
com um grande apport criativo do Hugo. Já estamos desejosos de começar a
compor um novo disco com ele!
Tendo isto em conta,
consideram este o vosso álbum mais multifacetado e completo até à data? Quais
foram os principais desafios e conquistas durante o processo de criação?
Acho que é o álbum mais coeso. Em processos
criativos nos quais estás sempre à procura do “novo”, o desconforto é
permanente. Lidar com esse desconforto, gerir as emoções em territórios “sem
rede” e principalmente acreditar no que estás a fazer é sempre o maior desafio.
Por outro lado, como o Johnny divide o tempo entre Angola e Portugal, as cenas
foram acontecendo num registo on e off. Quando ele estava cá, era
compor, compor, compor e tentar tocar ao vivo. Quando estava lá, fazíamos as
várias pré-produções, enviávamos para ele e ele devolvia com os seus
comentários. Lembro que ele teve que tirar 3 semanas de férias para se fechar
em casa durante o verão e escrever as letras todas do disco. Cada vez que
estávamos on era superintenso e desgastante. Mas todo este esforço
resulta na maior conquista de todas – quando ouves o disco e sentes orgulho no
que criaste. Ainda por cima com aquele efeito de “refrescante” porque fizeste
algo que ainda não tinhas feito!
O álbum é lançado a 25
de abril, uma data carregada de significado em Portugal. Foi uma escolha
intencional? Como relacionam este lançamento com os ideais de liberdade e
transformação associados à Revolução dos Cravos?
A escolha não foi intencional, foi a editora que
decidiu. Houve vários lançamentos internacionais nesta data. Mas para nós, não
podia haver data mais simbólica. Devemos celebrar sempre a LIBERDADE,
principalmente agora em que vemos um mundo com cada vez menos capacidade de
diálogo e respeito pelos outros. Este sentimento é ainda maior porque somos
portugueses e assistimos à surpreendente ascensão de grupos que querem pôr em
causa essa mesma liberdade. Sem 25 de abril não haveria este disco. Sem 25 de
abril não haveria estes concertos.
O lançamento está a
cargo da norte-americana Small Stone Recordings e da germânica Kozmik Artifactz.
Que impactos tem na banda e no processo criativo esta estabilidade?
A relação com a Small Stone já vem desde o Red
Supergiant, que eles reeditaram. É uma relação tranquila, mas com um oceano
pelo meio. É pena não conseguirmos promover o disco ao vivo nos USA, porque o
custo é de facto (e cada vez mais) impeditivo. Por outro lado, o suporte da
alemã Kozmik Artifactz na parte dos vinis (desde o Doom Machine)
veio ajudar bastante, porque os custos são completamente diferentes. O facto de
estarmos com estas editoras acaba por garantir uma espécie de “selo de
qualidade” no meio da cena stoner/desert/psych, o que às
vezes ajuda em termos de convites para festivais e etc. lá fora. Relativamente
ao processo, criativamente nós temos liberdade total. Sempre tivemos e isso faz
parte do nosso acordo. Estamos a falar de um universo underground, a
liberdade artística tem de ser valorizada acima de tudo.
A capa do álbum, criada
por João Filipe, é visualmente impactante. Como surgiu esta colaboração e de
que forma a arte visual complementa a música?
Vou contar-te um segredo. O Johnny Lee,
vocalista dos Miss Lava, e o João Filipe, diretor de arte e designer,
são a mesma pessoa (risos). Achámos que, até pela evolução sonora do disco,
esta era a altura certa para o João fazer a capa. A verdade é que a capa tem
sido referida várias vezes, tanto em críticas como nas entrevistas, o que
mostra o impacto do que ele criou. A sua arte tem sempre vários layers e
em todas estas camadas há uma interpretação visual sobre um tema específico do
disco. Se leres as letras, vais encontrar vários easter eggs alusivos a
diferentes músicas, desde a subversão do Olho Turco à amplificação da
personagem guerreira como símbolo maior da coragem que é preciso para
encontrarmos o caminho para a luz.
Olhando para trás,
desde os primeiros ensaios em Lisboa em 2005 até agora, quais foram os momentos
mais marcantes desta jornada de duas décadas?
Ui... essa é difícil. Há mesmo muitos desde o momento em que o Ricardo
Correia nos indicou ao Makosch e começámos uma bela relação com a Raging
Planet. Os primeiros concertos em grandes palcos foram inesquecíveis,
principalmente com o Slash no Coliseu. A viagem aos EUA na qual ainda
tocámos no Whisky a Go Go em Los Angeles, os festivais em Londres,
Espanha e Alemanha... mas acho que os momentos mais marcantes foram sempre
quando entraram novos membros e trouxeram uma nova energia à banda, alimentando
Miss Lava com mais criatividade e vontade fazer novos discos. Se não
fosse isso, não estaríamos cá para fazer uma retrospetiva. Por último, acho que
fazer 20 anos e celebrar com um novo disco que reflete uma espécie de novo
caminho será também um dos momentos mais marcantes da nossa história.
Com o lançamento de Under A Black Sun,
quais são os próximos passos para os Miss Lava? Há planos para uma tour?
Uma ida ao estrangeiro também está em mente?
Fizemos uma grande festa de lançamento a abrir para os
Graveyard no LAV. Agora temos vários concertos alinhados com
paragens em Portugal, Espanha, Bélgica e Alemanha. Vai ser um verão forte,
quase sempre na estrada. Mas também vamos ter de ir para estúdio, pois fomos
convidados para gravar uma cover para um álbum de tributo internacional
aos Kyuss! Vai ser um ano em grande.
Obrigado, Rafa. Para
terminar, que mensagem gostarias de deixar aos fãs que vos acompanham há 20
anos e aos que agora descobrem o universo dos MISS LAVA?
Só uma palavra a quem estiver a ler isto (incluindo tu
Pedro!): OBRIGADO! Apareçam nos concertos e bebam uma jola connosco!


Comentários
Enviar um comentário