Entrevista: César Cardoso

 

Depois do celebrado Dice Of Tenors, onde homenageava alguns dos maiores nomes do jazz tenor, César Cardoso regressa agora com Origins, um disco onde a sua identidade criativa ganha novo fôlego num formato mais intimista. O saxofonista e compositor volta ao formato quarteto e leva-nos numa viagem pessoal e emotiva às suas raízes, cruzando memórias, influências e uma visão muito própria da música como linguagem de conexão. Aspetos que também estiveram presentes nesta conversa com o saxofonista.

 

Olá, César, tudo bem? Obrigado, mais uma vez, pela disponibilidade. Depois do formato octeto em Dice Of Tenors, regressas agora ao quarteto. O que te motivou a essa mudança e que liberdades criativas te oferece este formato mais reduzido?

Esta mudança para quarteto surgiu na vontade de voltar a ter uma formação mais pequena em que houvesse mais espaço para improvisação e interação entre os músicos.

 

No disco anterior havia uma clara homenagem aos grandes tenores do jazz. Em Origins, sentes que há mais espaço para a tua identidade pessoal enquanto compositor e intérprete?

Eu penso que a minha identidade enquanto compositor/arranjador e intérprete se mantém do disco anterior para este, apenas há uma natural evolução enquanto músico e pessoa, por tudo aquilo que nos rodeia e influencia, mas considero que já tenho uma identidade que está presente nos últimos discos.

 

Origins leva-nos numa viagem às tuas raízes. Que importância tem para ti, hoje, revisitar esses lugares e memórias da juventude através da música?

É sempre importante não esquecer de onde somos e onde tudo começou. Estes lugares marcaram a minha infância e crescimento, e num deles foi onde comecei a aprender música. Gosto de criar uma temática para depois pensar no projeto como um todo, e por isso surgiu esta ideia de deixar um registo e homenagem às minhas origens.

 

Como surgiu a ideia de usar a expressão “Vila Forte”, de Os Lusíadas, como ponto de partida para um tema musical?

A expressão “Vila Forte” surge no nos Lusíadas no canto VIII, estância 16, onde Luís de Camões refere a vila de Porto de Mós como vila forte. Achei que podia ser interessante criar uma música tendo como base o texto de Luís de Camões também por estarmos a comemorar os seus 500 anos. Ainda não existia nenhuma música que realmente falasse de “Vila Forte” e quis deixar um registo muito pessoal para a vila de Porto de Mós.

 

E como foi o processo de colaboração com Ricardo Ribeiro nesse tema em específico?

Foi muito fácil. O Ricardo, além de incrível cantor, é uma pessoa extremamente acessível e que facilitou todo o processo de ensaios e criação final da música.

 

Essa presença é uma novidade na tua discografia. Como foi conjugar o universo do jazz com o fado, e o que procuraste alcançar com essa fusão?

Sim, é uma novidade na minha música, é a primeira vez que gravo com um cantor e que escrevo um tema com letra. Foi um grande desafio sem dúvida. A minha ideia ao convidar o Ricardo nem foi nesse sentido de fusão do jazz com o fado, queria alguém que interpretasse de uma forma natural e ao mesmo tempo profunda o texto de Luís de Camões. E apesar da complexidade a nível harmónico e melódico, o Ricardo esteve ao seu melhor nível, dando inclusive uma carga emocional na declamação do poema na segunda parte da música.

 

Consideras que há espaço para uma maior integração entre o jazz e a herança literária e musical portuguesa? Origins é um manifesto nesse sentido?

Sim, sem dúvida. Há uma enorme herança que devemos preservar e dar a conhecer de diferentes formas. Origins não tinha esse manifesto como ponto de partida, mas não excluo a possibilidade de poder haver num futuro próximo.

 

Voltaste a trabalhar com Óscar Graça e Demian Cabaud. Que papel têm estes colaboradores recorrentes na consolidação do teu som?

O Demian já me acompanha desde o primeiro disco (2010), e o Óscar gravou o último. Eles, juntamente com o Pedro Felgar, têm aquilo que eu adoro no jazz, é a interação e o diálogo constante quanto estamos a tocar. Para mim o jazz é isto, músicos que estão a dialogar e responder uns aos outros em tempo real das mais variadas formas, é o desafio constante.

 

Em termos melódicos, harmónicos e de arranjo, que novas abordagens exploraste em Origins que consideras diferentes do que fizeste anteriormente?

Neste disco procurei seguir um pouco dos recursos que já tinha utilizado no Dice Of Tenors, mas aplicando-o a um contexto mais reduzido. Nos discos anteriores em quarteto, não tive tanto arranjo nos temas, e desta vez, também fruto da evolução e influências naturais, quis criar muito mais arranjo, diferentes seções de improvisos, quebrar um pouco a lógica do tema/solos/tema, e ao mesmo tempo inserir ideias harmónicas e rítmicas novas que ainda não tinha explorado.

 

As críticas ao Dice Of Tenors destacaram a tua mestria em criar arranjos sofisticados e equilibrados. Como lidaste com essas expetativas ao criar um trabalho mais intimista como Origins?

É sempre bom ouvir as críticas do nosso trabalho, mas eu não crio um novo trabalho de acordo com aquilo que disseram sobre o trabalho anterior, nem estaria a ser eu próprio. Dou muito valor a honestidade musical, e quando crio algo é porque acredito naquilo que estou a fazer e quero apresentá-lo da melhor maneira. Obviamente que quero que as pessoas gostem do meu trabalho, mas não inverto as prioridades, a música em primeiro lugar, sempre!

 

Manténs alguma margem para a improvisação durante a gravação ou chegas ao estúdio com tudo já bem definido? Houve alguma faixa que tenha ganho vida de forma inesperada durante esse processo?

Quando escrevo procuro deixar tudo mais ou menos definido, mas nunca em relação a improvisação, deixo isso fluir com os músicos. Alguns temas por vezes eu imagino de uma maneira, mas depois no momento os músicos dão um input diferente e estou sempre recetivo a isso, quero que os músicos estejam confortáveis e que possam dar os seus inputs em prol do resultado final. Houve um tema que não era bem assim que tinha pensado que foi o Vila Forte. Não estava planeado na minha cabeça haver a declamação do poema na segunda parte da música, mas a sugestão foi tão interessante que aceitei logo.

 

Em termos de palco, o que tens planeado em termos de apresentação ao vivo deste álbum?

Fizemos o lançamento do disco no Castelo de Porto de Mós, onde tudo começou, no passado dia 24 de maio. Temos já um festival para o início de 2026 e alguns concertos por confirmar.

 

Para terminar, que mensagem gostarias de transmitir aos teus fãs e aos nossos leitores?​

Dizer apenas que ouçam música e sobretudo apoiem a música ao vivo. Sem este apoio e presença regular, as atividades tendem a desaparecer.

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