Desde
2007 a tecer narrativas onde o mito e a emoção se cruzam com o peso do metal e a subtileza do progressivo, os Living Tales
regressam com Hades, a inevitável continuação de Persephone. Mais
do que uma simples sequela, Hades aprofunda a escuridão, mergulha nas
sombras e confronta o ouvinte com as perguntas essenciais da existência,
através de personagens que, embora inspiradas na mitologia grega, vivem numa
realidade paralela criada à imagem da sensibilidade artística do grupo. Tudo
para conferir nesta conversa com o guitarrista Luís Oliveira.
Olá, Luís, tudo bem?
Obrigado pela disponibilidade. Hades, o vosso novo álbum, é descrito como
uma continuação dos eventos de Persephone. Como surgiu a ideia de
expandir a narrativa anterior? Existe uma ligação direta entre os personagens
dos dois álbuns?
Olá, Pedro, tudo bem obrigado…. A ideia de expandir a
narrativa do álbum anterior surgiu precisamente aquando da conclusão do mesmo,
isto é, quando acabamos o Persephone já estava decidido fazer a
continuação da narrativa, assim como a sonoridade do mesmo, já sabíamos que
queria que fosse mais pesado, mais obscuro, sem perder aquela linha prog
que tanto gostamos. As personagens estão ligadas entre si, são as mesmas,
embora no Persephone o Hades não aparece em termos e efetivos,
mas sempre como uma sensação, ou seja, sempre com a ideia de algo ou alguém
estava por trás da maquinação dos eventos de toda a história no Persephone.
Daí a inclusão de uma
faixa intitulada Persephone, precisamente o título do vosso trabalho
anterior?
Sim, podemos dizer que sim, embora os nomes fossem
escolhidos no fim de tudo, para serem de acordo tanto com a letra da música em
questão como com a história, pois a ideia é fazer alusão a narrativa descrita
na letra dessa música, ou então a ação que se pretende despoletar nessa música,
dai as vezes o nome ter mais a ver com a letra, outras com a ação em si da história.
Estranho é o último
tema do álbum se chamar Prologue: Kainos. Por que optaram por
encerrar o álbum com um "prólogo"? Já agora, o que significa Kainos
neste contexto e como se relaciona com a narrativa geral?
Kainos é uma palavra grega que significa novo, e podemos interpretá-la
como um novo começo, um novo amanhecer, algo fresco de início… O nome prologo
foi escolhido para o fim precisamente para transmitir a ideia desse paradoxo, e
há dois motivos para isso. Ao princípio a nossa ideia era fechar a história
aqui, e não escrever mais sobre isto, e está fechada pois tem um fim claro…
contudo, já para o fim do processo percebemos que em termos de narrativa, abre
imensas possibilidades para continuar por esse caminho e essa história se assim
o desejarmos, portanto dessa forma não fechamos a porta, mais também nos obriga
a fazer o próximo algum segundo isto não se quisermos, podendo fazer uma pausa
na história se assim o sentirmos. Por outro lado o álbum tem um andamento forte
e frenético ao longo de todo ele, sendo que a ideia do prólogo no fim, é mais
para transmitir um pouco de calma, de sossego, de motivação com a melodia de Kainos,
um pouco como acontece nos filmes de animação tanto da DC como da Marvel, em
que apesar de tudo ter terminado bem, sabemos que algo novo irá acontecer e
outra nova historia começará, assim dessa forma resfriamos um pouco as emoções
vividas ao longo do álbum, trazendo um pouco de calma e relax antes do próximo
capítulo seja ele qual for, mas que não é um fim mas sim um novo começo…
Utilizam personagens da
mitologia grega para dar profundidade à história, mas mencionam que não seguem
fielmente os mitos clássicos. Como equilibram a inspiração mitológica com a
liberdade criativa para contar uma nova história?
Bem, nesse aspeto a Ana teve muita imaginação, e
apesar de ser ela a escrever tudo, falamos sempre muito da história entre nós, comentamos
sempre coisas do género, e se isto e se aquilo outro, e isso de certa forma vai
ajudando a história ganhar forma, sendo que as personagens da mitologia grega
entram em jogo precisamente pelo que representam como personagem, com as
caraterísticas cada uma delas que tem, muitas vezes com a dicotomia que existe
no caráter de cada uma delas, seja propensão para o bem ou par ao mal, seja
egoísmo ou altruísmo, etc… O facto de não serem personagens lineares, de serem
complexas tanto nas suas ações como emoções é o que as usamos para dar
profundidade à história, e o facto de não seguirmos a narrativa clássica, no
fundo inventamos a nossa, é mais na linha do conceito do género de universos
paralelos, uma forma de dizer “e se”? tal qual como nos quadradinhos da banda
desenhada…
Hades apresenta uma sonoridade mais
sombria, pesada e até, eventualmente, progressiva em comparação com Persephone.
Quais foram as principais influências ou motivações para esta mudança estética?
Bem, em primeiro lugar, como já comentado, estava
pensado, para acompanhar a narrativa e a história que queríamos contar, em
segundo lugar, também não gostamos muito de nos repetir, para bem ou para mal,
se há algo que apreciamos dentro da banda é a diversidade e a vontade de fazer
coisas diferente e testar e experimentar outras ideias que não sempre as mesmas
e mudar a abordagem na medida que vamos evoluindo e amadurecendo como banda,
etc… e o facto de nenhum álbum nosso ser igual aos anteriores em termos de
sonoridade, isso dá-nos um certo gozo pessoal, mas isto claro é aquele prazer
interno da banda. Mas, como disse tanto para bem como para mal, sabemos que
isso acarreta alguma consequências no que toca a identidade da banda, e
portanto mesmo tentando fazer diferente temos sempre em mente manter alguns
traços caraterísticos que ao longo dos anos tem vindo a fazer parte da banda,
mudanças de tempos e andamentos para conferir aquele toque mais prog,
assim como temas longos e desenvolvidos, uma voz bastante melódica (e agora
ainda mais versátil o que nos abre ainda mais portas), o tom mais sinfónico
para tentar enaltecer as emoções e conferir um tom cinemático ou de score se
preferirmos… tudo isto funciona como linhas orientadoras para manter alguma
coerência no propósito sonoro e de identidade da banda.
Como foi o processo de
composição e produção deste álbum? Houve alguma mudança significativa na forma
como abordaram a criação deste trabalho em comparação com os anteriores?
Sim, muitas a começar pelo timing. O álbum
começou a ser composto estávamos na estrada a dar concertos com o Persephone,
inclusive houve alturas em que o Ricardo estava no estúdio a gravar baterias
enquanto ainda tínhamos concertos, que para uma banda como nós, pequena, em que
todos trabalhamos fora da música, as famílias, etc..., houve momentos difíceis
de cansaço e frenesim, mas estava decidido dar continuidade à história. Se
parássemos para compor só depois de andar na estrada iria levar muito mais
tempo, e penso que iria prejudicar o timing de ligação entre as histórias.
É como fazer um filme e fazer a sequela 5 ou 6 anos depois, não tem o mesmo
impacto, portanto todos assumimos o compromisso de fazer um esforço extra para
tentar que esta continuação saísse o mais próximo possível do álbum Persephone… por outro lado, na composição propriamente
dita, também, houve alguma diferença em relação ao Persephone, todos
participaram de forma mais ativa na composição, não necessariamente na criação
especifica de riffs, ou melodias, ou coisas assim, mas sim no que toca a
vibe do álbum, o caminho a partilha de ideias para executar, etc. Curiosamente
neste álbum das primeiras coisas a serem esboçadas foram as orquestras,
inclusive muitas vezes as alterações e arranjos de guitarra, baixo e bateria
foram feitas em função das orquestras e não o contrário, de forma que as mesmas
não fosse apenas uma adição, mas sim se tornassem parte integrante e com a
mesma preponderância que todos os outros instrumentos na sonoridade do álbum.
A vocalista Ana Isola
desempenha um papel central na interpretação das personagens. Como foi o
processo de dar voz a estas figuras mitológicas e transmitir as emoções
complexas presentes na história?
Honestamente, penso para Ana foi fácil. Se a
conhecessem perceberiam o porquê. Ela é uma pessoa extremamente imaginativa e
que tal qual nós, adora experimentar coisas novas, gosta que lhe forcem os
limites e que a obriguem ou lhe deem aquele pequeno empurrão para ir mais além
sem medo, e ela vai, simples… por natureza é uma pessoa muito expressiva, o que
de forma natural lhe confere naturalidade na interpretação do que está a
cantar, o que a mim muitas vezes me faz lembrar aquela abordagem a Druce
Dickinson, aquele tom mais teatral ao cantar… acho que provavelmente o mais
difícil foi as letras em si, em termos de montagem propriamente dita e não de
conteúdo, pois as ideias eram tantas que era fácil perder-se pelo caminho… Em
termos melódicos no estúdio, ela é senhora e soberana no que faz, não
precisamos de debater muito as vozes apenas quando ela precisa de alguma
opinião falamos, e sugerimos, mas não grande interferência no que refere a voz
principal, a participação dos restantes elementos da banda está mais associada
as segundas vozes na altura da produção… é quando fazemos o nosso bullying…
(gargalhadas) e gravamos as coisas mais loucas, um dia pode ser que saiam os bloopers
disso, quem sabe… (mais gargalhadas).
Após terem lançado Persephone pelo selo
Ethereal Sound Works, decidiram lançar Hades de forma independente. O
que motivou esta decisão e como tem sido a experiência de gerir o lançamento
por conta própria?
Bem, na verdade nada de especial e tudo ao mesmo
tempo, A Ethereal e o Gonçalo foram espetaculares connosco no Persephone,
não há mesmo nada que possamos dizer que tenha corrido mal que nos fizesse não
repetir. Digamos que foi mais uma questão de testar fazer as coisas de forma
diferente, a ver qual seria o resultado, sermos nos a preparar o marketing,
controlar todas as plataformas, os timings, e experimentar outra forma
de o fazer como trabalhar com uma RP diretamente na promoção, principalmente
por que apesar de ter o selo da editora o nosso maior objetivo é que a música
em si chegue o mais longe possível, não por questões de fama ou de status,
quando falamos em chegar mais longe, é chegar às pessoas em diferente partes do
globo… e no fundo também é uma forma de aprender melhor como as coisas
funcionam por nos mesmos, para assim entender qual realmente o melhor caminho a
seguir no futuro.
Com Hades a servir como
continuação de Persephone, existe a intenção de continuar esta narrativa
em futuros trabalhos? O que podem partilhar sobre os vossos planos para o
próximo capítulo da história de Living Tales?
Pode ser que sim, pode ser que não, está tudo em
aberto conforme dissemos, o facto do prólogo existir no fim do álbum é
precisamente para deixar tudo em aberto, é uma decisão futura e que pode ser
executado de muitas formas diferentes, mas de momento não estamos a pensar
nisso, agora estamos numa pausa de composições e de ideias para o álbum
seguinte, é importante para nós fazer isso e focar-nos noutras coisas de
momento para não nos repetirmos em termos criativos e refletir bem o que sequer
fazer e como, conforme o andamento.
Os Living Tales existem
desde 2007, o que vos coloca como uma das bandas nacionais mais resilientes
dentro do universo do metal sinfónico e progressivo. O que
consideram ter sido essencial para manter a chama acesa ao longo destes anos,
apesar das mudanças de formação e dos desafios naturais de um projeto
independente?
Vontade, gosto e as pessoas que abraçam o projeto com
carinho… tanto quem já passou na banda como quem está agora, isso foi e é
fulcral pois é sempre o mais importante, as pessoas, que todos estejam bem
dentro da banda, independentemente dos problemas, pois esses surgem sempre, é
como as famílias, nunca é perfeito, mas quando se ultrapassam as dificuldades
juntos, quando há comunicação, compromisso, compreensão e empatia entre os
elementos da banda é mais de 50% do caminho para durar. Isso aliado a vontade
de fazer algo, deixar um legado, por muito pequeno que seja, mas deixar algo
que talvez quando já cá não estivermos outros possam ter um registo da nossa
passagem e pensar que pode tocar ainda nas pessoas, ouvir e desfrutar disso. Bem,
não é preciso muito mais do que isso para continuar, é apenas continuar a fazer
o que fazemos com gosto, boa disposição, muitas gargalhadas e cabeçadas também
(gargalhadas).
Depois de um disco tão
elaborado como Hades, como é a transição para o palco? O que têm
preparado para os concertos e como pensam transportar a densidade conceptual e
musical do álbum para o ambiente ao vivo?
O mais difícil é mesmo a resistência, eu já estou
velhinho e outros para la caminham (risos)… mas sem brincadeira, a resistência
é o mais difícil, o disco é bastante energético, fizemos um pequeno ensaio
aberto na nossa sala para alguns convidados em que tocamos todo o álbum de uma
ponta a outra, e tecnicamente não é mais ou menos difícil que outros, tem os
seus desafios técnicos, uma outra música que exige um pouco mais de foco como é
espectável, mas em termos capacidade de resistência, estamina por assim dizer,
ai sim são outros 500, já exige muito mais de nós, mas tal como falamos muitas
vezes na banda, os concertos irão trazer essa capacidade de aguentar, para já é
como um desporto é treinar e preparar, depois na medida em que os espetáculos
começam a acontecer a máquina vai melhorando e aumentando a sua capacidade e
resistência… e depois as coisas saíram naturalmente, como sempre saíram.
Finalmente, queres
deixar alguma mensagem para os vossos fãs ou para os nossos leitores?
Um grande obrigado por todo o apoio, ouçam o álbum,
desfrutem, estejam atentos nas redes sociais para saber onde Hades vai
passar na estrada para irem ver-nos, gostamos muito de interagir com as pessoas
nos concertos, antes, durante e depois, e beber uns copos e dar umas
gargalhadas connosco… e acima de tudo sejam felizes e façam alguém feliz…





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