Irreverente,
autêntico e absolutamente inclassificável — Victor Torpedo é um dos nomes mais
singulares e incontornáveis do rock
nacional. Com um percurso que atravessa décadas e projetos marcantes como Tédio
Boys, Parkinsons ou Tiguana Bibles, o músico e artista plástico regressa agora
com Fuck The World, um grito cru e direto, fiel ao espírito punk
que sempre o acompanhou. Ao seu lado, os Pop Kids, agora oficialmente
integrados na criação em estúdio, e com a adição de um saxofonista de eleição,
conferem músculo e dinâmica a esta nova fase. Preparem-se para uma viagem à
mente de um criador compulsivo nesta conversa sem filtros, mas muito
interessante com o lendário músico conimbricense.
Olá, Victor, como
estás? Obrigado por esta oportunidade. Fuck The World, é o
teu novo registo e traz um título bastante direto. Que mensagem queres passar
com este manifesto?
Obrigado,
eu! Fuck The World é um manifesto, um grito! Um título sem regras,
direto, que reflete a minha visão e da banda perante a realidade “surreal “e
dura em que vivemos. É uma ideia de luta, de insubmissão perante um mundo que
funciona ao contrário.
Suponho que as nove
faixas do disco reflitam uma crítica ao estado atual do mundo. Como é que
transformas essa revolta em música?
Essa
é a beleza da música e da Arte em geral, a arte necessita desta ativação. As
grandes revelações artísticas sempre tiveram lugar em tempos de grandes crises
e lutas. E, sem dúvida, que vivemos no ecossistema perfeito para essa
criação. É perfeito, este ambiente doentio em que vivemos, onde o
dinheiro compra tudo, onde o ódio impera, a demonização constante do outro, a
descrença pelos valores democráticos e pelo direito de ser livre são motivos de
gozo. E isto tudo sem falar das guerras, um assunto que já não consigo falar
por me sentir mais uma vítima neste universo de impotência. Esta impotência
realmente magoa. O punk rock, o hip hop, o Dadaísmo, o rock´n´roll
e quase todos os movimentos importantes da história da revolução artística
brotaram desta necessidade de abanar ou mesmo destruir o sistema inerente da
altura. Mais que nunca temos de dar voz á nossa luta.
Neste álbum há uma
clara inspiração nos anos 80, mas com uma abordagem moderna. Como trabalhaste
esse equilíbrio entre passado e presente?
Essa
é uma parte em que não reflito muito, nem consigo distinguir muito. Os
meus tempos de teenager foram maioritariamente passados nos anos 80, por
isso esse cordão de continuidade nunca foi cortado. Esta é uma linguagem que
não pode ser criada ao acaso, brota dos meus códigos e das condutas musicais
dos membros da banda. Não criamos, simplesmente já temos esta linhagem
reproduzida no nosso ADN. E é realmente essa parte que eu adoro, pois reconheço
que somos bem diferentes das outras bandas. Se calhar essa diferença está no facto
de compreender a composição musical como algo simples, assumindo o romantismo e
o esqueleto de uma estrutura clássica popular (no bom sentido da pop).
Originalmente os Pop
Kids foram criados para te acompanhar ao vivo. O que te levou a integrá-los
também nas gravações de estúdio?
Acho que foi o processo racional de progressão com a
banda...e acho que era uma etapa importante a completar. Mais que tudo, queria
encarar este desafio pois sabia que o resultado iria ser bem diferente dos
trabalhos que faço em casa e que vivem mais na urgência e no impulso de gravar
algo que está a surgir. Este trabalho com banda REQUERE mais estudo e
trabalho... e foi bom pois obrigaram-me a voltar à sala de ensaios, a voltar a
rotina de tocar em conjunto.
Assim, como foi o
processo criativo e de gravação deste primeiro álbum com eles em estúdio?
Em
estúdio, como ao vivo, os truques ficam de lado. Só temos o compromisso com a
música. O processo é relativamente fácil e rápido em estúdio. Acredito
na urgência e na coesão dos músicos da banda. E em qualquer disco, o segredo
está na bateria. Eu sei que temos álbum, se a bateria estiver no sítio e se o
som dela tiver a cola certa para todo o resto dos instrumentos... é este o
segredo de um bom disco.
E neste departamento, o Miguel Benedito é o homem
para o serviço.
Como descreverias a
química entre ti e os restantes membros da banda nesta nova fase?
Finalmente… acho que arranjei o gang certo. O Miguel
Benedito e o Pedro Calhau, são o duo dinâmico que fazem a faísca no
ritmo. E o novo elemento no sax – Filipe Fidalgo – é a cereja no topo do
bolo.
Esse mesmo saxofone do
Filipe Fidalgo que traz texturas únicas ao disco. Ele é membro efetivo dos Pop
Kids ou apenas um músico convidado?
O
Fidalgo é um POP KID. Andava há anos á procura de um saxofonista (instrumento
que eu adoro), finalmente consegui encontrar a pessoa certa. Um músico
excecional, ele é a cola perfeita que faltava ao som dos POP KIDS. Ele
cria a cama perfeita para a minha guitarra e principalmente para a minha voz. Tudo se tornou mais fácil com a vinda do
Filipe, e a sua energia e atitude em palco veio dar uma segunda vida à banda.
O single Society foi lançado
no dia do teu aniversário. Foi coincidência ou simbolismo?
Eu
lanço todos os meus discos no dia do meu aniversário. Eu sou um rapaz um bocado
afastado do mundo do marketing promocional, o rapaz que vive na casa ao
lado (fora das regras), o rapaz que têm medo da tecnologia. Esta
ideia de lançar o disco nos meus anos têm esse intuito, o de ser notado nessa
data. As pessoas dão-me os parabéns e apercebem se que tenho um
álbum no forno (e assim consigo ter alguma visibilidade do meu trabalho nesse
dia) (risos). Há que aproveitar.
Em 2023 lançaste 12
álbuns – um por mês. De onde surgiu essa urgência criativa quase obsessiva?
Como
disse mais atras, eu vivo e preciso dessa urgência para trabalhar. O
mesmo acontece quando pinto, não sei o que acontece, mas há alturas em que tudo
aparece. Essa é a beleza da música, pelo menos na maneira como eu a
vivo. Só me sinto realmente livre a fazer música e arte. O
tempo para, e as regras do jogo artístico vivem em liberdade.
És também artista
plástico e publicaste recentemente um livro de fotografia. Como é que a imagem
e a música se cruzam na tua expressão artística?
Eu
sempre me senti algo mais de que um músico. Para mim a música é mais uma
doença. Todos os outros universos artísticos em que eu flutuo, são
universos terapêuticos. O livro de fotografia Now Here, Nowhere, é mais uma
dessas viagens. Uma viagem dupla, uma viagem pessoal e da banda Tédio Boys. É mais
um livro de psicanálise em frames de 38 mm, uma juventude revisitada,
histórias de vida cruzadas e armazenadas na minha retina. Uma dádiva
do passado. Um documento muito especial.
Como foi revisitar a tour dos Tédio Boys
nos Estados Unidos através da fotografia e da exposição?
Tenho
uma relação muito saudável com o passado. Revisitar este mundo, o mundo
maravilhoso dos Tédio Boys (97 – USA) é algo fantástico. O facto de ter
tido a sorte e a astúcia artística de conseguir congelar alguns destes
momentos, é algo que me deixa muito feliz. É revisitar, talvez os momentos mais
belos, puros e cristalinos da minha existência.
Coimbra, a tua cidade,
continua a ser o teu centro criativo. Que papel desempenha no teu trabalho e
identidade artística?
Coimbra
é simplesmente casa e é em casa que o teu coração habita. Coimbra é um lugar
especial, mas não é a força motriz do meu trabalho. Sou um
rapaz ansioso e com bastante energia para dispersar, e nesse aspeto a cidade
por vezes compromete esse escape. Sou muito Variações nesse aspeto, quero
estar em todo o lado, quero viver tudo, conhecer tudo. Essa é a minha luta,
demorei anos a aceitar a cidade de Coimbra como o meu espaço.
O que te move
atualmente como músico e artista, depois de tantos anos e projetos?
A
verdade, a verdade da ARTE. Pois essa é a única e pura verdade. A arte liberta. Eu
vivo e sobrevivo na realidade, não tento fugir dela. Por vezes é dura, por
vezes trata-te bem...e é nesse círculo que eu vivo. E para
viver neste círculo é preciso criar… quase uma forma de sobrevivência.
O que podemos esperar
dos concertos ao vivo com este novo disco? Há alguma data ou plano especial que
possas já revelar?
Se
calhar essa parte, é mais fácil de explicar pela parte do espetador. O ritual
do concerto é muito estranho, e essa comunhão com o público é pouco previsível. Como
nunca trabalhamos nenhum concerto de maneira especial, esta é uma pergunta
quase sempre difícil para mim. É-me difícil distinguir o prazer de estar em
palco e a ideia de estar a trabalhar. Sinto sempre que estou a roubar alguém
por estar a ter tanto prazer. Concertos, como o último que demos em França no Cosmic
Trip é um bom exemplo disso, eu quase que pagaria para voltar a sentir e
repetir as emoções que passei naquele palco com os meus camaradas. Sou um
privilegiado. Mas uma coisa é certa, todos os nossos concertos são momentos de
combate e de total entrega… esse é o nosso compromisso com o público.
Para terminar, que mensagem gostariam de transmitir aos teus fãs e aos nossos leitores?
STAY GOLD



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