Entrevista: Benji's Toolbox

 

Explorar o som como se explorasse um mundo novo. Talvez seja esta a melhor forma de descrever Benji’s Toolbox, projeto idealizado pelo guitarrista e compositor madeirense Bruno Ponte. Com uma formação sólida e um percurso que passa por nomes como Mano a Mano, Max ou António Zambujo, Bruno abre agora a caixa de ferramentas para nos revelar um projeto que nasce da vontade de criar um espaço de liberdade total, onde o jazz se funde naturalmente com a música tradicional, o rock, o metal, o blues ou o progressivo. Fomos conversar com o músico sobre este disco de estreia Making A Toolbox, e todo o conceito por detrás da personagem Benjamin.

 

Olá, Bruno, tudo bem? Obrigado pela disponibilidade. Para começar, podes começar por apresentar este coletivo Benji’s Toolbox? De que forma nasce este projeto e que artistas ou bandas consideram influências diretas no teu som?

Alô! Tudo ótimo! Claro que sim, Benji’s Toolbox é o meu projeto. É um sítio onde posso compôr com a toda a liberdade possível. Neste momento é um sexteto composto por mim (na guitarra elétrica), a Maria Luísa na voz, o Luís Lélis no piano, o Francisco Aguilar no saxofone tenor, o Ricardo Oliveira na bateria e o Diogo Alexis no baixo. Não sei se te referes a som de banda ou som individual, mas deixo as duas respostas. Creio que bandas semelhantes àquilo que procurei fazer com este disco são: a Seasons Band do Ben Wendel, a banda dos últimos álbuns do Taylor Eigsti, Snarky Puppy, os últimos projetos do Tigran Hamsyan, entre outras. E quanto ao meu som de guitarra diria que Gilad Hekselman, Lage Lund, Charles Altura e Ariel Posen foram fortes influências.

 

O projeto Benji’s Toolbox parte de uma ideia conceptual e narrativa. Como surgiu exatamente a personagem fictícia Benjamin e de que forma esta figura molda o conteúdo e o formato da música que crias?

O personagem surgiu como algo agregado ao projeto. No Hot Clube sentia que tanto os meus colegas, como a comunidade, encaminhavam para uma certa forma de tocar, com um certo vocabulário, proveniente de um estilo específico de jazz que eu adoro é a minha maior inspiração. No entanto, eu ouvia muita coisa e aquilo que me fez pegar na guitarra foi, entre outras coisas, o Guitar Hero III: Legends of Rock que, para quem não sabe, é um jogo que compilava muita da boa música feita antes de 2007, como por exemplo: Beatles, Metallica, Megadeth, Iron Maiden, Slipknot, Scorpions, Black Sabbath, Van Halen. Depois de me fartar de jogar, pedi à minha mãe que me comprasse um begginer pack de guitarra e pus-me a aprender a Cliffs Of Dover do Eric Johnson. Uns anos depois, juntamente com o meu amor pelo jazz, levava também comigo estas e tantas outras referências, que exigiam vocabulários e formas de tocar o instrumento próprias. Portanto, sentia que precisava de criar o meu espaço onde pudesse explorar e desenvolver este lado. Para isso, óbvio que tudo isto por ingenuidade, falta de maturidade e confiança, sentia que tinha de justificar à comunidade esta ramificação para outros estilos e então a necessidade de criar um universo, um personagem, narrativas, que justificassem esta diversidade estilística. Hoje em dia é-me óbvio que não preciso de justificar as minhas escolhas profissionais a ninguém, mas facto é que o conceito tinha imenso potencial, versatilidade e ficou extremamente claro na minha mente.

 

Tens uma formação sólida em jazz e um historial em projetos tão distintos como Mano a Mano, o tributo a Max ou o trabalho com António Zambujo. Que parte desse percurso se reflete mais diretamente em Making A Toolbox?

Todo esse lado mais ligado à música folclórica, seja ela música tradicional madeirense, fado, tango ou jazz mais lírico, exige, entre muitas outras coisas, um nível interpretativo muito forte, com ornamentação, escolhas de notas e estruturas bastante intencionais. Diz-se que fazer uma canção é uma arte por si só e é nesse lado onde talvez seja mais evidente a reflexão da minha influência que a participação nesses projetos teve em mim. No álbum, a Wodden Strings e a Y a Luz são onde explorei esse lado.

 

A mistura entre música tradicional madeirense, jazz, blues e metal pode parecer improvável para muitos. Como geres essa fusão para que soe coesa e não apenas uma justaposição de estilos?

Nada do que eu estou a fazer é novidade e há imensos sítios onde posso ir buscar resultados com muito bom gosto de misturas estilísticas. É claro que eu tenho de filtrar a informação pelos meus critérios musicais e a tal questão de como faço a mistura será resultado desse processo. Tento ser q/b analítico para que possa haver progresso e replicabilidade e há muitos factos que constato quando componho de coisas que funcionam e de outras que não. Que se não funcionam pode ser porque são mais exigentes e necessitam que caraterística x esteja presente na música, mas talvez essa caraterística está distante da identidade da peça, etc, etc... Algo que pode auxiliar nestas conexões é o facto de sempre ter gostado de música progressiva, seja Steely Dan, Led Zeppelin, Marillion, Dream Theather, Tesseract, Gojira ou muitas outras dentro do mundo do jazz. Se calhar é por isso que tenho tanto interesse em criar transições naturais para ambientes contrastantes.

 

No álbum há uma clara valorização da identidade madeirense. Que elementos da cultura musical da Madeira sentiste necessidade de preservar ou reinterpretar?

A ornamentação e as melodias eram pontos importantes de manter, são talvez os mais identitários. A harmonia sinto que é mais moldável, desde que não caia para sítios demasiado contrastantes com o tonalismo da música. Como disse acima, o Wooden Strings e o Y a Luz são os mais fiéis a este aspeto. Acho que dá para perceber os sítios onde explorei um bocadinho.

 

Referes que algumas peças nasceram numa fase mais inocente da tua vida. Em que medida a maturidade atual influenciou a reconstrução dessas ideias originais?

Eu sou crente de que uma identidade musical é feita de muito conhecimento, mas igualmente de muito desconhecimento. A capacidade de nos podermos fechar numa bolha e aprimorar um nicho não acontece quando estamos em constante procura. Creio que foi este o cenário quando estava nessa fase e o resultado foram coisas que se calhar hoje em dia nunca me sairiam. Por outro lado, com mais conhecimento consigo mais facilmente arranjar soluções para dar continuidade a um tema sem o descaraterizar. Acontece também, como foi o caso da Boss Battle, que se calhar aquilo que tinha, de acordo com a minha visão atual, estava simplesmente mal feito ou errado. Surgem novos resultados também por aí.

 

O teu papel enquanto guitarrista é apenas uma parte do todo em Benji’s Toolbox. Como foi trabalhar com músicos tão distintos como Maria Luísa, Diogo Alexis ou Ricardo Oliveira? O que procuraste em cada um para servir esta narrativa?

Não diria que são muito distintos, até diria o contrário, que a forma de ver a música é extremamente inclusiva e que se interessam por/conseguem encontrar em qualquer estilo uma caraterística que os entusiasme, o que é um especial requisito deste projeto. Os três que mencionaste, por exemplo, gostam de metal e participam em grupos estilisticamente diversos, como eu. Todos temos formação em jazz no mesmo sítio e um interesse em procurar e aprimorar uma voz própria no instrumento, procurando inspiração em todos os cantos do universo musical, entre outras coisas. Podia ser mais difícil trabalhar com eles, diria eu.

 

Making A Toolbox conta com o apoio de várias entidades culturais, desde a DGArtes à RTP Madeira. Como foi esse processo de articulação institucional? E sentes que há, finalmente, uma maior abertura para projetos musicais experimentais ou híbridos?

Não é um processo fácil, não é imediato, nem muito amigável a iniciantes ou até profissionais. Como em tudo na música em Portugal, não há uma norma, não há uma forma de fazer as coisas, nem um sistema ou uma plataforma que englobe tudo, uma grande parte ou sequer alguma coisa. Basta olhar para a forma como diferentes municípios operam, óbvio que todos têm as suas peculiaridades e diferentes necessidades, mas por vezes nem há um departamento da cultura e não se sabe onde é que o mesmo se insere, os contactos na ANMP estão desatualizados e só listam o mail geral, dentro dos sites das diferentes câmaras os contactos estão em sítios remotos da página por trás de uma dúzia de cliques, entre muitas, mas muitas outras coisas. No entanto, muitos dos apoios que tive foram por contactos que já tinha ou relativamente diretos e a interação foi fácil. No caso da RTP Madeira, já que foi falado, ajudaram-me muito na comunicação e tiveram muito interesse em incluir-me na programação. Se há mais abertura para projetos experimentais, não sei, acho que não, mas dentro da cultura há áreas ainda mais precárias do que aquela onde me insiro e não são de todo tão nicho, por isso, podia sempre estar numa posição pior. Atenção que isto não justifica conformidade.

 

Uma curiosidade inevitável: no alinhamento de Making A Toolbox há uma numeração algo críptica e vários títulos em que letras são substituídas por números. Que intenção está por detrás desta escolha gráfica? Tem algum significado oculto ou faz parte da construção simbólica do universo de Benjamin?

É isso (risos). Há dois erros na capa que me fervem, porque ambos foram notados, mas que serão corrigidos numa segunda edição dos discos, a enumeração é um deles. Para criar um universo, se eu tivesse o triplo do budget e 5 anos para trabalhar em materializar um universo e uma narrativa, com animações, múltiplas ilustrações e formas de conteúdo mediático, sem outra preocupação, então seria esse o caminho, mas como não tenho esse luxo terá de ser aos poucos. Neste primeiro álbum ainda estou a atirar coisas para a fogueira, para ver o que se pode materializar em mais. Essa da enumeração e dos números nos nomes das músicas é de facto uma tentativa de worldbuilding ou de criar uma temática. Se não tivesse os pontos depois dos zeros era binário para 1,2,3,4,5,6,7.

 

Como tens sentido o feedback do público e da crítica? Há alguma reação que te tenha surpreendido particularmente?

Tem sido muito positivo! Há muita gente a mostrar interesse, a gostar da música e das performances ao vivo. Uma reação que me deixou genuinamente contente foi a tua, disseste-me logo que sim para review, divulgação, playlist e quiseste o disco! Fico sempre surpreso quando apreciadores de música ficam entusiasmados com o meu trabalho.

 

Com uma sonoridade tão rica e com tantas camadas, como têm sido os desafios de transportar este universo para o palco ao vivo?

Quero tornar isto num espetáculo multidisciplinar. Por enquanto só consigo garantir em palco o lado da música, que depois de tantos ensaios e gravações e alguns concertos, faz-se relativamente bem. A questão do storytelling que gostava de incluir ainda não aconteceu, mas há de chegar lá.

 

Há planos para um segundo capítulo na vida de Benjamin? Ou poderemos esperar um novo “conteúdo da caixa de ferramentas” com outras personagens ou abordagens?

Há muitos planos, sim! Eu criei tudo isto para ter imensa continuidade, nem que seja no lado musical. Sinto-me bastante aliviado quando trabalho nisto, as decisões não têm de passar por n filtros até a sua conclusão, o que por outro lado exige imensa responsabilidade para garantir qualidade em todos os aspetos. Sim, mais personagens, uma história, uma animação, mais ilustração e outra formação, é o que estou a pensar para o próximo álbum.

 

Para terminar, que mensagem gostariam de transmitir aos vossos fãs e aos nossos leitores?

Obrigado por ouvirem a música, aparecerem nos concertos, comprarem o disco e lerem esta entrevista. É assim que percebo se isto tem ou não pés para continuar. 

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