Entrevista: Contraluz

 

Depois de um percurso conjunto que soma já mais de 15 anos de cumplicidade musical, os Contraluz assumiram em 2020 a vontade de dar voz própria a uma linguagem que vinha a ser construída em diferentes projetos e contextos. Com Onze, a estreia discográfica, afirmaram um registo entre o alternativo e o emocional, deixando antever uma identidade marcada pela dualidade. Agora, com Batequebrafura, a banda regressa mais madura e consciente, explorando novos contrastes. Um trabalho que reflete a sua essência paradoxal como nos conta o coletivo.

 

Olá, pessoal, tudo bem? Obrigado pela disponibilidade. Para começar, podem começar por apresentar este coletivo Contraluz - como surgiu a ideia de formar a banda e que artistas ou bandas consideram influências diretas no vosso som?

Olá, Muito obrigado pelo convite, é um prazer poder partilhar um pouco do nosso percurso convosco. Os Contraluz nasceram da vontade de dar corpo a uma cumplicidade musical que já existia há bastante tempo entre nós. Tocamos juntos há mais de 15 anos, em diferentes contextos e projetos, e em 2020 sentimos que era o momento certo para materializar essa ligação num projeto com identidade própria. Em relação às influências, gostamos de pensar que o nosso som vive num espaço entre o alternativo e o emocional, com uma gama muito eclética de influências. Num plano nacional, influências consistentes ao longo do tempo incluem Ornatos Violeta e todo o trabalho do Manuel Cruz fora dos Ornatos (em particular Pluto) e os incontornáveis Linda Martini, bem como projetos mais clássicos como GNR e tendências mais recentes tais como os Capitão Fausto; no plano internacional, contamos com influências tão distintas como Queens Of The Stone Age, Arctic Monkeys, Jeff Buckley ou Alice In Chains.

 

Comparando com o vosso álbum de estreia Onze, sentimos neste novo trabalho um amadurecimento claro. Que mudanças conscientes aconteceram no processo de composição e produção deste novo disco?

Sim, sentimos também que este segundo trabalho reflete uma maior clareza sobre quem somos enquanto banda. Em Batequebrafura, o processo foi mais coletivo, mais orgânico, tendo havido uma escuta mais atenta entre todos e uma vontade de explorar os contrastes de forma mais assumida. Além disso, entrámos em estúdio com mais ferramentas, exemplo disso a introdução do teclista Vasco Guerlixa, que acabou por moldar o nosso som para uma forma distinta, transformando o teclado num instrumento lead e não num mero acessório, ao mesmo tempo mantendo e complementando a nossa identidade original.

 

Batequebrafura é um título poderoso e poético. Como surgiu esta palavra e o que representa para vocês enquanto metáfora para o disco? 

Foi um processo muito orgânico que teve origem na primeira faixa, Pedra Mole em Água Dura, cuja letra refere, inverte e brinca com o ditado popular “água mole em pedra dura/tanto bate até que fura”. Daí, num processo quase onomatopeico, chegámos a Batequebrafura, que achámos que não só alinhava com o tema da faixa, radicada num certo cinismo e desânimo com o estado do mundo (alinhado com o Zeitgeist presente) presente em várias faixas do disco, mas também com a ênfase renovada no ritmo, seja nas faixas mais pesadas ou nas mais etéreas.

 

Há neste disco uma fusão muito orgânica entre o rock, o indie e até alguns toques funk. Como se deu essa evolução estilística e que influências externas foram determinantes neste novo som?

Essa fusão aconteceu de forma bastante natural. Nunca nos preocupámos muito em encaixar num género específico e preferimos deixar que as canções nos guiem. Todos ouvimos muita coisa diferente, desde o rock nas suas várias expressões (indie, grunge ou punk), algum pop mais indie, funk clássico, synthpop, afrobeat e música popular brasileira e gostamos de explorar os limites do que pode ser “o nosso som”. Neste disco, deixámos entrar mais groove, mais textura, talvez mais corpo. Isso vem tanto de escutas mais recentes como de um maior à-vontade coletivo para experimentar e correr riscos.

 

O disco é descrito como uma proposta “mordaz”, mas também “esperançosa”. Como equilibraram essa visão crítica do mundo com uma nota de luz e transformação?

Vivemos tempos desafiantes, em que é difícil não olhar o mundo com alguma inquietação e angústia. Mas, ao mesmo tempo, acreditamos na força da arte como ferramenta de transformação. Não querendo cair num niilismo absoluto, procurámos escrever canções que, mesmo pondo ênfase na angústia e no desconforto, abrissem espaço para a esperança.

 

Referem-se a Batequebrafura como uma obra que vive do paradoxo, entre luz e sombra, entre o absurdo e a esperança. Sentem que essa dualidade é também o reflexo da própria identidade dos Contraluz?

Sem dúvida. O próprio nome da banda já sugere esse jogo entre claro e escuro. Interessa-nos essa zona de tensão, onde as coisas não são óbvias. Vivemos num tempo em que tudo parece ter de ser muito polarizado, mas a arte, para nós, é precisamente o lugar onde o paradoxo pode respirar. A dualidade faz parte da nossa escrita, da nossa sonoridade e, acima de tudo, da forma como sentimos o mundo.

 

A vossa cumplicidade musical tem mais de 15 anos, mas só em 2020 formalizaram o projeto. O que mudou nesse momento? E como essa longa ligação entre vós se traduz na química sonora da banda?

A verdade é que essa ligação foi-se construindo ao longo dos anos com muita amizade, conversas e outros projetos partilhados. Em 2020, talvez por força da introspeção imposta pelas circunstâncias, sentimos que era o momento de assumir uma linguagem própria, com tudo o que tínhamos acumulado até então. Essa história partilhada dá-nos uma base de confiança que é essencial para criar. Criações genuínas requerem que saibamos ouvir-nos, quando puxar e quando ceder. E isso, acreditamos, transparece na música.

 

Têm já apresentações ao vivo planeadas para apresentar Batequebrafura? O que pode esperar quem vos for ver em palco?

Para quem vier assistir, prometemos uma experiência intensa e genuína, onde cada música ganha uma nova dimensão ao vivo. Gostamos que os nossos concertos sejam momentos de conexão verdadeira, onde o público e a banda se encontram num espaço de troca e emoção. Esperem energia, sinceridade e uma viagem sonora que reflete o coração do disco.

 

Para terminar, que mensagem gostariam de deixar a quem está agora a descobrir a vossa música?

Entrem como quem chega a uma casa com as luzes apagadas. Aos poucos, o conteúdo revela-se. Escutem com tempo, com espaço, em qualquer situação da vida quotidiana ou em momentos mais emocionais, pois haverá sempre camadas por descobrir. E, sobretudo, obrigado por estarem aí. A música é uma two-way street – precisa dos criadores e dos ouvintes. 

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