Entrevista: UHF

 

Falar dos UHF é falar da fundação do rock em português. Desde que Cavalos de Corrida abalou o panorama musical nacional em finais da década de 70/inícios da década de 80, António Manuel Ribeiro e companhia têm sido um pilar da resistência criativa, da integridade artística e de uma identidade sonora inconfundível. A comemorar quase meio século de existência, a banda regressa com O Lugar do Rock, um disco inesperado, mas profundamente simbólico, pensado como o motor da digressão Cromados & Limalha. Para percebermos a génese deste novo registo voltamos a conversar com o eterno frontman António Manuel Ribeiro.

 

Olá, António, tudo bem? Como tens passado? O Lugar do Rock é o vosso novo registo, que surge assim um pouco de forma inesperada. Qual foi o momento ou impulso que vos fez decidir gravá-lo?

A meio de fevereiro, em plena gravação de um disco que terá o formato duplo, parei a gravação e disse ao grupo: vamos gravar outro disco que promova a digressão deste ano. São os 45 anos da edição dos Cavalos de Corrida, a pedra basilar do rock em Portugal. E assim nasceu o disco O Lugar do Rock para promover a digressão Cromados & Limalha, que também é uma das canções agora gravadas. O outo disco será retomado em setembro.

 

Como definirias O Lugar do Rock em termos conceptuais e musicais? Há alguma mensagem ou identidade sonora clara que seja aqui transmitida?

É a nossa assinatura para o movimento que se designou ‘rock português’ e mudou a face da música portuguesa, no início da década de 1980. Um som poderoso, cru e directo.

 

Este álbum foi pensado para encaixar num vinil lado A/lado B em oposição ao formato standard de CD atual. Porque tomaram essa opção?

É o que está a acontecer na cena internacional, deixar o conceito de gravar um CD com 12, 14 ou 16 canções e depois não o conseguirmos empacotar no espaço disponível no LP de vinil, vinil que está de volta e já é muito importante. Voltámos ao princípio, do LP para o CD e não o inverso.

 

Outra opção foi a de incluir três temas clássicos vossos. Em primeiro lugar, porque a sua inclusão e porque estes três, em particular?

O único clássico é a regravação da canção icónica Sonhos na Estrada de Sintra, os fãs mereciam a qualidade do som que agora temos à disposição. Levou uma secção de violinos, e foi assim celebrada. A canção Tu Queres não é um clássico, apenas uma música que ficou lá atrás na gravação do LP Ao Vivo em Almada (no Jogo da Noite) – merecia ter uma versão estúdio. Do Cromados & Limalha já falei, aponta para o trajeto de uma banda que viu o mundo transformar-se, e nem sempre para o melhor caminho.

 

Em segundo lugar, que tipo de rearranjos tiveram?

Só o Sonhos… é que mereceu um tratamento mais sinfónico. Em 1988, quando saiu no LP Noites Negras de Azul, nunca imaginei que viesse a ser tão importante, é quase uma ‘imposição’ dos fãs.

 

Neste trabalho surgem dois títulos muito curiosos: Cascais ’79 e Pró Esquerdo e Pró Direito. Podes falar do que fala cada um?

Cascais ‘79 é a memória de como tudo isto começou e da força de vontade que nos moveu para ultrapassar qualquer barreia, e, acredita, eram muitas. Pró Esquerdo e Pró Direito é uma ironia entre a vida diária de tanta gente e o circo do futebol no estádio, onde todos, mas todos, são catedráticos.

 

De facto, estas e outras, são canções que refletem a vossa história e origem. Como foi revisitar o passado em termos poéticos e musicais durante este álbum? 

É um discurso simples, quando se tem memória e não há receio, ou vergonha, de revelar como humildemente nos afirmámos, passo a passo, sem desistir perante as dificuldades. 

 

Alguma destas canções chegou a ser tocada ao vivo antes de serem gravadas? Como foi essa interação com o público durante a fase de composição?

Não, nenhuma. Fomos da sala de ensaios para o estúdio.

 

Em Novas Canções de Bem Dizer, o teclista Miguel Urbano tinha surgido como convidado. Já é membro efetivo da banda?

Sim, o Miguel é um dos nossos.

 

E, para além dos órgãos e dos pianos, também traz o acordeão, não é?

Acordeão e bandolim, e logo se vê se algo mais no futuro… (risos)

 

Este disco apenas está disponível para venda nos concertos e na vossa loja virtual. Porquê? Insere-se numa lógica de proximidade entre a banda e os fãs?

É um tributo aos fãs, tem a ver com a digressão e todos aqueles que nos seguem há anos. Mereciam este exclusivo, antes de o lançarmos no mercado das lojas de discos.

 

Como está a decorrer a digressão Cromados & Limalha? Há momentos particularmente marcantes ou feedback surpreendente que gostasses de destacar? 

Há um entusiasmo, uma participação muito forte, enchentes que mexem connosco. Isto não é uma moda com uma canção e muitas luzes, o palco é um ato criativo que começa em nós, passa pelos fãs e faz um todo. 47 anos depois, nenhuma mentira resistiria.

 

Afinal, onde é o lugar do rock em Portugal? E como analisas o lugar dos UHF nesse movimento?

O Lugar do Rock é em Almada, porque nós somos de Almada. Mas nascemos num berço hostil à nossa atitude naif, muito teimosa, contrária ao portuguesismo desistente. Hoje, o Lugar do Rock é onde o palco que nos recebe está montado. O nosso lugar tem a ver com a génese disto tudo, haveria certamente rock sem nós, mas talvez não tivesse a urgência de existir e o poder sonoro que lhe transmitimos logo de início – um sopro de vida até hoje.

 

Depois de quase meio século de carreira, o que ainda motiva os UHF a continuar a criar e a tocar?

Por mim, é o próximo disco, sempre, mas sempre, um desafio entre mim e eu próprio.

 

Para terminar, que mensagem gostarias de transmitir aos vossos fãs e aos nossos leitores?

Estamos gratos, imensamente gratos, por fazerem parte desta família com um sotaque próprio. Sem fãs, público dedicado, que tornaram as canções hinos, não haveria UHF

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