Entrevista: Xeque-Mate

 

Fundadores do heavy metal em Portugal e apelidados, com justiça, como os “pais do metal nacional”, os Xeque-Mate carregam uma herança que atravessa mais de quatro décadas de música, resistência e irreverência. Desde os primeiros passos com Vampiro da Uva (1981) e o clássico Em Nome do Pai, do Filho e do Rock ’n’ Roll (1985), passando pelo regresso em 2016 com Æternum Testamentum e pela energia contestatária de Não Consigo Manter a Fé (2020), a banda tem sabido reinventar-se sem nunca perder a sua identidade. Agora, em 2025, regressam com Entrudo, um disco que volta a unir crítica social, metáforas afiadas e o peso das guitarras, sempre com o português como bandeira. Para falar sobre este novo capítulo, revisitámos memórias, desafios e conquistas ao longo da carreira, numa conversa com Xico Soares, voz e figura central dos portuenses.

 

Olá, Xico, tudo bem? Antes de mais, parabéns pelo vosso excelente novo álbum; depois, obrigado pela disponibilidade e pela oportunidade de poder fazer esta entrevista com uma das figuras mais importantes do metal nacional. E como esta é a primeira vez que conversamos, podemos falar também um pouco da história dos Xeque-Mate?

Olá, Pedro, em primeiro lugar, somos nós que agradecemos, é sempre uma satisfação poder colaborar com alguém que contribui para a divulgação da música que gostamos no nosso país. Gostar do nosso trabalho é sempre uma vantagem que agradecemos (risos), e não há problema em abordar o passado e, claro, vincar as nossas ideias futuras.

 

Os Xeque‑Mate são frequentemente referenciados como fundadores do heavy metal em Portugal e apelidada pelos media como “os pais do metal nacional”. Como vês essa classificação hoje, mais de quatro décadas depois?

Nunca nos preocupámos com rótulos ao longo dos anos. Quando decidimos voltar, após o concerto de 2007, a nossa ideia foi sempre trabalhar no que vinha a seguir, sem esquecer o que nos marcou. Tentámos não fugir ao metal moderno atual e, talvez por isso, o Entrudo, na minha opinião, conseguiu alcançar o objetivo a que nos propusemos: levar o metal às gerações mais novas e mostrar um pouco do que se fazia no passado recente.

 

Que recordações guardas dos primeiros passos da banda, desde o single de estreia Vampiro da Uva (1981) até ao álbum Em Nome do Pai, do Filho e do Rock ’n’ Roll (1985)? Quais foram os maiores desafios naquela altura? 

As recordações são muitas, temos mais presentes as boas, mas talvez o maior desafio tenha sido tentar mostrar que também se podia fazer metal em português. Na altura, para muita gente, aquilo era apenas barulho. Não podemos esquecer que estávamos no auge do chamado boom do rock português, com várias bandas a cantar na nossa língua.

 

Existe essa história do primeiro LP ter sido proibido pela Rádio Renascença. Ainda te lembras disso? De alguma forma essa experiência moldou a identidade da banda? Sentes que as coisas estão diferentes passados todos estes anos?

Sim, sem dúvida, embora tenham sido apenas um ou dois temas do ENPFR&R. Lembro-me de ver nos media que uma das faixas era a Escrava da Noite, e para nós foi uma honra (risos), deixou-nos com um sorriso na cara. Ter mudado a identidade da banda por causa disso teria sido ridículo. Hoje em dia, não há comparação possível, as coisas estão bem mais abertas, mas, paradoxalmente, é bem mais difícil chegar ao patamar de certas rádios. No nosso caso, por sermos mais agressivos na mensagem, talvez isso pese.

 

Depois de um período de interregno, os Xeque‑Mate voltaram ao estúdio e editaram o álbum Æternum Testamentum, em 2016. Na altura, o que vos motivou a regressar?

Após o concerto que era para ser único em 2007, nunca mais parámos. Quando o meu irmão António partiu, apesar da desorientação inicial na banda, a entrada do Artur trouxe a chama em falta. Achámos por bem gravar os últimos temas do António, se calhar como um tributo.

 

O álbum anterior, Não Consigo Manter a Fé foi descrito como um grito de revolta “contra as injustiças” e com forte carga emocional e lírica. Sentes que essa abordagem ajudou a conduzir ao novo álbum Entrudo?

Acho que não tem a ver com uma abordagem, mas sim as nossas vivências ao longo dos anos. Nunca deixamos de acreditar no fantástico, mas a experiência lembra-nos de certos alertas, eu sei que nada vai alterar no nosso burgo, mas não andamos a dormir e será sempre a maior motivação para escrever, no entanto com entrada do Tiago as possibilidades eram mais e a chama cresce tanto em estúdio como ao vivo e a consequência disso é de facto o que nos trouxe para o último Entrudo.


Em que momento específico é que surgiu a ideia de chamar o álbum de Entrudo, e que significado tem esse título?

Ainda estávamos a finalizar o Não Consigo Manter a Fé e eu já tinha a ideia do Carnaval é Todos os Dias. Quando começámos a trabalhar no disco seguinte, foi a Máscara de Podence que nos cativou, talvez pelas cores, e assim mantivemos também o nosso elo com a cultura portuguesa, como tem acontecido no passado.

 

Entrudo é uma palavra carregada de simbolismo popular português, associada ao Carnaval e à inversão das normas. De que forma este espírito de transgressão e sátira está presente nas músicas?

O Entrudo vive desse espírito, e está presente, de uma forma ou de outra, em todo o disco. E é isso mesmo, para alguns, o Entrudo dura o ano inteiro. Não sei se lhes chame privilegiados ou simplesmente “moinas” (risos).

 

Os Xeque-Mate sempre foram conhecidos por letras com críticas sociais, humor ácido e metáforas afiadas. Que temas ou dilemas abordam com Entrudo?

Um pouco de tudo, mas posso citar o trabalho como escravidão laboral, a pedofilia, a crítica social e até o caos que se pode avizinhar. Também arriscámos mais neste álbum, talvez, como já referi, fruto da pequena tournée de promoção do Não Consigo Manter a Fé. O contacto direto com as pessoas levou-nos a abordar sentimentos pouco comuns no metal nacional, usando o português como bandeira.

 

Em termos de som, Entrudo mostra-se mais cru, direto, talvez até mais sujo do que o habitual. Foi uma decisão propositada regressar a um som mais old school?

Não foi uma decisão consciente, acho que foi uma evolução natural de um grupo de amigos que, apesar de não esquecer o seu passado, nunca parou no tempo e sempre procurou acompanhar a música que gosta.

 

Ainda assim, e sempre, profundamente orientado para as guitarras e para os seus riffs. Em termos de composição, como se divide o trabalho entre ti e os restantes membros da banda? As ideias nascem do texto ou da música primeiro?

A pandemia ensinou-nos a trabalhar de forma diferente. Enquanto muitas bandas pararam, nós fizemos um álbum. O Artur e o Tiago são compositores fantásticos, cada um com a sua vertente, e trouxeram uma mistura de ideias que nos motivou a trabalhar ainda mais. Os riffs, guitarras, e as batidas surgem primeiro, e depois vêm as letras, ora inspiradas por um mote sugerido, ora surgidas da minha cabeça, juntamente com as melodias. A parte mais complicada é mesmo a apresentação final à malta.

 

Neste álbum contam com a participação de gente convidada (se calhar deveríamos referir como gente amiga), como Jorge Marques e Paulo Barros, dos Tarantula e Lex Thunder dos Toxikull. Porque a escolha destes nomes? Podemos ver aqui uma forma de ligar as origens e o futuro do metal nacional?

O Paulo sempre fez parte da família XM, por isso a sua colaboração é quase obrigatória. O Lex, apesar da amizade ser mais recente, parece que já nos conhecemos há muito tempo. Foi em Pindelo dos Milagres que surgiu a ideia de o convidar, nunca esqueceremos a versão de Filhos do Metal feita pelos Toxikull, o que nos honrou imenso. O Jorge, amigo de longa data também, se mostrou logo disponível quando falámos do que estávamos a fazer. Ao juntarmos os três no mesmo tema, o resultado foi incrível, e é, de certa forma, uma reunião de três gerações de cantores de metal português.

 

Curiosamente, o Paulo Barros tinha sido o vosso guitarrista em Em Nome do Pai do Filho... e do Rock 'n' Roll. Tem um maior significado a sua presença?

O Paulo, na verdade, não gravou connosco o ENPFR&R. Conhecemo-lo na altura em que precisávamos de um guitarrista adicional para conseguir, ao vivo, recriar as várias guitarras que tinham sido gravadas em estúdio, e tivemos a sorte e o privilégio de o encontrar.

 

Como foi trabalhar com estes convidados? Há liberdade criativa ou tens um papel de curador que direciona como essas participações devem entrar no trabalho?

Em relação às vozes, como já tinha gravado tudo o que me competia, houve alguma direção sobre o que era necessário gravar, mas sempre com a máxima liberdade criativa dos nossos amigos. O Paulo... que dizer do Paulo? Entregas-lhe uma música e ele faz um solo inesquecível, é simples.

 

Que abordagem seguiram na produção do disco? Foi tudo gravado em estúdio tradicional ou recorreram a métodos mais caseiros, como tem sido comum nos últimos tempos?

Como nos últimos trabalhos, optámos por uma mistura: bateria e vozes em estúdio (Estúdio B; um grande abraço ao Bruno), guitarras gravadas nos estúdios do Artur e Tiago, tal como os baixos, também gravados pelo Artur. A entrada do Diego na família, e o facto de termos um tema instrumental por acabar, levou-o ao estúdio para gravar a Trova da Memória, e ainda bem.

 

A capa do álbum é visualmente marcante. Quem a criou e qual é a ideia por trás do conceito gráfico? 

Desde o início que queríamos usar uma Máscara de Podence na capa, fazia parte da nossa ideia original. Quando apresentámos isso ao César Hugo, com quem já tínhamos trabalhado no disco anterior, ele redesenhou a máscara com um simples logo XM e ficou fantástica.

 

Olhando para a história da banda desde os anos 80 até hoje, como achas que o metal português evoluiu e como sentes o papel dos Xeque‑Mate nessa evolução?

Tanto eu como o Quim poderíamos responder a esta, mas tenho a certeza de que ele concorda comigo: as coisas evoluíram muito, especialmente no metal português. Existem bandas ótimas, que não ficam atrás do que se faz lá fora, bem pelo contrário. Na minha opinião, provavelmente os XM são uma das poucas bandas que não ficaram presas aos conceitos dos anos 80, evoluindo ao longo dos anos sem perder a sua identidade.

 

Que conselhos darias a uma banda jovem que queira tocar heavy metal em português hoje, como muitos de vocês fizeram há quase 45 anos?

Nunca desistam. Talvez o nosso maior erro tenha sido fazer uma paragem — e só regressar em 2007.

 

Em termos de palco, o que têm planeado em termos de apresentação ao vivo deste álbum?

Depois da apresentação ao vivo do Entrudo no Mouco, no Porto, já temos várias datas agendadas, desde o MMOA, Zamora, entre outras. Apesar de não podermos apresentar o mesmo tipo de espetáculo em todos os locais, por questões de espaço e logística, podemos prometer sempre uma energia intensa. Venham descobrir o Entrudo!

 

Para terminar, que mensagem gostariam de transmitir aos vossos fãs e aos nossos leitores?​

Apoiem as bandas nacionais. Não se ataquem uns aos outros por ouvirem um estilo de metal diferente. Uma pré-venda não aparece nas redes sociais porque é “giro”, é uma forma de ajudar a suportar os custos dos projetos. Apoiem o metal nacional!

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