Review VN2000: CÉLIA LEIRIA; ISABEL RATO; TEMPERTOO; THE BROOMS; PETER SUEDE

 



Mulher Amor (CÉLIA LEIRIA)

(2024, Testa de Ferro/AVM)

Não é um disco de fado qualquer este que Célia Leiria nos traz este ano. Desde logo porque Mulher Amor espalha esse sentimento de relevância que as mulheres têm trazido ao género ao longo dos anos. E dentro destas, uma em especial: Teresa Tarouca. Mulher Amor é um disco com duas orientações: se por um lado recupera algumas criações menos mediáticas, nomeadamente escritas para Fernanda Maria e Maria da Fé, por outro arrisca inclui trechos criados para ela própria. Mas, Mulher Amor também é um disco a duas velocidades. Os temas de fado tradicional estão presentes, mas, independentemente da excelente colocação vocal e do belo timbre da artista, não são esses que se tornam marcantes, nem decisivos na obra. O que o torna marcante são o constante piscar de olho a outras sonoridades. Como a balada Maria, Flor de Jade onde o clarinete dá um toque especial ou Não Digas Que Sou Tua com o acordeão e o contrabaixo a fazer um flirt com o tango. Acrescente-se Até ao Fim, onde o arranjo para violoncelo envolve a voz de Célia de uma forma tocante e Calçadinha à Portuguesa que traz o sentimento festivo das marchas lisboetas, para se ficar com uma ideia da riqueza e diversidade que Célia Leiria coloca nesta sua nova obra. [78%]



 

Vale das Flores (ISABEL RATO)

(2024, Nischo)

Celebrar os 50 anos do 25 de Abril e, ao mesmo tempo, o Dia da Mulher foi a intenção de Isabel Rato ao criar Vale das Flores. O novo disco da cantora e pianista traz aquele dom raro de pegar em algo que já existe e que se pode classificar de grandioso e, a partir daí, construir algo absolutamente novo e… ainda mais grandioso! Isabel Rato gravou com o seu quinteto (ela própria, João David Almeida, João Capinha, João Custódio e Alexandre Alves), mas não se ficou por aí, indo buscar alguns convidados que ajudam a tornar Vale das Flores ainda mais majestoso. Falamos de um ensemble de cordas, o Quarteto Arabesco, Ana Bacalhau e Cuca Roseta nos vocais e Marta Pereira da Costa na guitarra portuguesa. Vale das Flores inclui arriscados e mirabolantes arranjos para canções de José Afonso (Era Um Redondo Vocábulo, Que Amor Não Me Engana e Cantigas do Maio), Sérgio Godinho (Liberdade, A Barca dos Amantes), Pedro Abrunhosa (Manhã, tema criado pelo músico portuense para a voz de Carlos do Carmo), dois temas tradicionais (Cantiga Bailada e Olha o Velho, Olha o Velho) e um original composto por João Capinha a partir de uma letra de José Saramago (Balança). Para este naipe de canções foram criados novos e excitantes arranjos que são magistralmente executados, elevando a qualidade artística do quinteto a patamares únicos de criatividade e excelência. [90%]



 

Monkey In The Machine (TEMPERTOO)

(2024, Independente)

Os TemperToo nascem da junção entre Steve Hubbard e Ian Ormiston Stables e são um projeto que já percorre o circuito londrino desde os anos 80, na altura com o nome TemperTemper e acompanhados por Martin Collins. Para este novo álbum, Monkey In The Machine, a aposta é em duo com Collins a parecer apenas em Don’t Throw It All Away. Os TemperTemper encerrariam funções, não sem antes terem recusado uma proposta para acompanhar Fish que tinha, recentemente, deixado os Marillion (quem é que recusa uma oferta destas???). Trinta anos depois, em 2018, o duo reencontra-se, via Facebook, e recomeça a trabalhar em novas composições. Telegraph Road é o disco que marca o regresso e Monkey In The Machine, o seu sucessor, que traz oito temas novos e dois que vêm do ano de 1988. Dez temas de rock diversificado, com inspirações que vão de Huey Lewis And The News aos Dire Straits, passando por algumas orientações mais obscuras que se poderiam enquadrar no campo do gótico e até blues rock e rock ‘n’ roll. Este é um álbum mais consistente que Telegraph Road, embora continue a denotar demasiados altos e baixos para seu bem. Os britânicos apresentam alguma destreza na criação de arranjos interessantes, mas frequentemente perdem no campo vocal, demasiadamente preso e sem chama. Chama e intensidade é também o que falta em algumas das composições deste registo que, claramente, precisava de um pouco mais de tempero. [77%]



 

Freakin’ Out (THE BROOMS)

(2024, Chaputa Records)

Freakin’ Out é o terceiro lançamento dos The Brooms e volta a navegar em ondas garage rock, com muito rock ‘n’ roll à mistura. A banda traz uma sonoridade vintage, muito assente em órgãos analógicos, muitas vezes a fazer lembrar os The Doors. Ainda que, em Vampira, talvez pelo facto de o português surgir com sotaque, até é Roberto Carlos quem mais surge na memória. Todavia, mesmo sendo já o terceiro álbum, ainda se nota que há muito trabalho pela frente. Percebem-se algumas deficiências ao nível vocal, instrumental e até de captação. Certo que uma sonoridade suja, cheia de fuzz, quase sempre pouco expansiva, faz parte da matriz do garagem rock. E também é verdade que podemos encontrar todos esses condimentos em Freakin’ Out, o que desde logo o baliza bem em termos estilísticos. O problema é que 12 temas em 36 minutos não permitem que se apresente mais do que o básico. Por isso, esses 12 temas andam sistematicamente à roda em torno de um eixo de onde nunca se afastam. Cumprem os serviços mínimos, é certo, mas para um terceiro registo, exige-se mais. [69%]



 

Street Hotel (PETER SUEDE)

(2024, Lux Records)

Peter Suede é Pedro Baptista, um jovem nascido e crescido no pulsante ambiente rockeiro de Coimbra. Durante a pandemia criou algumas músicas que reuniu num interessante álbum de estreia, intitulado Snake Skin. Passaram dois anos e o músico regressa com um novo álbum, Street Hotel e o expectável era que conseguisse superar o que tinha feito, elevando o seu rock de sabor sulista a um outro patamar. Mas não é isso que acontece. As novas composições têm menos ambiente country e blues e acentuam uma atitude rockeira mais crua e muito influenciada pelo movimento britânico. Mas o problema não reside aí: reside que estas canções são boas, mas estão longe de se tornar empolgantes e o seu estilo low profile facilmente se transforma num arrastar cansativo. E mesmo algumas boas ideias (nomeadamente em arranjos que incluem o uso dos teclados) que ainda vão surgindo são imediatamente castradas por uma vontade férrea de terminar rapidamente as canções impedido o seu crescimento. Adicione-se que algumas bem salientes lacunas técnicas também não ajudam. Peter Suede, seguramente, segue o caminho que escolheu e que quer trilhar. Mas Street Hotel não é, de todo, um registo minimamente convincente e fica muito longe da sua estreia. [70%]

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