Entrevista: UHF

 

Em 2023, os UHF atingiram um marco notável: 45 anos de carreira a enriquecer o panorama musical português. Liderada por António Manuel Ribeiro, a banda de Almada tornou-se sinónimo de inovação, resiliência e uma profunda ligação ao público. Ao longo das últimas décadas, os UHF marcaram a história do rock nacional com sucessos intemporais, como Cavalos de Corrida, e projetos ambiciosos, como a recente coletânea temática O Melhor do Amor. Nesta conversa exclusiva, o eterno líder reflete sobre a evolução da banda, os desafios enfrentados e os momentos mais memoráveis de uma trajetória repleta de emoção e autenticidade.

 

Olá, António, tudo bem? Como tens passado? Mais uma vez, obrigado pela disponibilidade. Celebrar 45 anos de carreira é um marco impressionante. Como vês a evolução dos UHF desde os primeiros dias até hoje?

Os UHF foram-se construindo com o decorrer do tempo, aprendemos técnica de execução instrumental e técnica de palco, entrámos no universo do estúdio, e tudo isto foi mudando com o tempo, do analógico para o computorizado e depois para o digital. Aprendemos e crescemos sem escola, tentando, errando, refazendo. Pessoalmente, amadureci na escrita de canções, para que as palavras não servissem apenas a rima (rimanço), mas deixassem algo mais para o conhecimento e o despertar das pessoas. Será por isso, a seriedade em vez da rapidez leviana, que tantas canções dos UHF vivem sem o bolor do tempo e permanecem atuais.

 

Os 45 anos foram celebrados de diversas formas. Comecemos pela tour. Qual foi o sentimento de percorrer o país com 45 Sobre Rodas e terminar na Casa da Música?

Foi sempre muito bom, concertos cheios e emotivos, regressar a terras onde há muito não íamos e o público estar à nossa espera. Fizemos a diferença, nunca nos acomodámos, para mim cada palco é um desafio e Um Momento. A Casa da Música passou a ser uma tradição, há 7 anos que ali encerramos o ano. Foi um vulcão? Melhor que no ano passado? Talvez, ou talvez não, mas que foi intenso não há dúvidas.

 

Depois, o lançamento do duplo CD ao vivo gravado no Europarque, foi outro ponto alto desta celebração. O que tornou esse concerto especial para vocês? 

Outro enorme desafio, que exigiu subir mais uns degraus. Tocámos com 205 músicos de 4 filarmónicas, sob a regência de 4 maestros. Fizemos um ensaio geral uma semana antes e depois saiu perfeito. Tínhamos de gravar, mas só informei o público no final, o que ouves no disco é genuíno.

 

Esse álbum contou com quatro Orquestras Filarmónicas. Como foi trabalhar com orquestra e que desafios ou surpresas isso trouxe?

Com já disse foi na perfeição. Escolhemos o repertório, as bandas trabalharam os arranjos, juntámo-nos para uma tarde de ensaio geral e depois foi o concerto. Esta é a linguagem dos músicos, única e universal.

 

Qual foi a sensação de revisitar as canções ao vivo e perceber a reação do público após tantos anos?

É um diálogo que se estabelece, é cúmplice, o público participa e dirige os concertos. Para os músicos fica o desempenho e a improvisação, que fazem saltar O Momento. É preciso falar, comunicar, dirigir, sem infantilizar o público, como tantas vezes acontece com outros.

 

Finalmente, O Melhor do Amor, a primeira coletânea temática dos UHF. Como surgiu a ideia de reunir canções que exploram o amor?

Os UHF sempre tiveram dificuldade em reunir o seu melhor num disco porque andámos por várias editoras até termos fundado a nossa, em 1998. Em 2016, fizemos uma primeira coletânea, O Melhor de 300 Canções, que correu muito bem – teve duas edições e está esgotada. Não se justificava uma 3.ª edição, mas antes entrar noutro desafio: mostrar que um grupo duro como rock tem belas canções de amor no repertório. Temos muitas e agora reunimos 19. Mas há mais.

 

Entre esses 19 temas surgem três inéditos. Qual acreditas que melhor represente a essência do amor na trajetória dos UHF?

Não é uma nem duas, há várias canções de amor de grande significado. Talvez Na Tua Cama (1988) seja a primeira de grande divulgação e apego do público.

 

Num deles surges num raro momento em utilizas a língua inglesa para te expressares. Porque decidiste seguir essa via? Poderemos vir a ter mais temas da banda cantados em inglês ou nem por isso?

The One I Love é uma cover sobre o repertório dos R.E.M., e aparece porque está dentro da temática do amor. Resulta de uma ida à M80, onde as entrevistas são realizadas num pequeno estúdio, a proposta é tocarmos duas canções nossas e uma cover, à nossa escolha. Em 2019 escolhemos The One I Love, vinha mesmo a calhar e por isso entrou na coletânea. Mas já escrevi e cantei em inglês, Free Ukraine, de março de 2022, disponível no digital, é a versão em inglês de Ucrânia Livre.

 

O que acreditas ser o legado dos UHF no cenário do rock português após essas quatro décadas e meia?

Temos um espaço na música popular pós 25 de Abril, mexemos no rock, trouxemo-lo para a identidade portuguesa, demos densidade a canções que não são para mastigar e deitar fora, o que até me espanta, sinceramente, lembrando as experiências de pouco sucesso antes de nós. Cavalos de Corrida, por exemplo, foi editada em 1980!

 

Ao longo desses anos, a banda passou por várias mudanças. Como foi manter a essência dos UHF viva face a tantas transformações?

À distância até parece que foi fácil porque cheguei/chegámos aqui. Mas não foi. Passei por fases de desespero quando, a meio da década de ‘80 do século passado, a droga dura entrou nos UHF e eu achei que estava na altura de sair e mudar de vida. Por essa altura fui sondado para ser candidato à Assembleia da República pelo meu distrito. Meditei, mas recusei. Sou teimoso, não sei desistir perante as dificuldades, prossegui e aqui estou.

 

Após 45 anos de estrada, o que ainda te inspira a compor e continuar com os UHF?

Basta manter a atenção ao que me/nos rodeia, por aqui, neste cantinho, e no resto do planeta. O homem não deixa de me espantar pela evolução tecnológica em paralelo com a mais profunda estupidez. Nós, os trovadores, podemos dar uma ajuda a quem exija algo mais da vida que um lenço para secar lágrimas ou uma folha Excel para somar e continuar a chorar.

 

Se pudesses dar um conselho ao António Manuel Ribeiro de 1978, qual seria?

Bela pergunta, que vale toda a entrevista. Porventura, faria o que fiz aos meus 3 filhos, deixei-os seguir as suas escolhas e sonhos. Cair é fácil, ergueres-te é a vitória que a vida merece.

 

Podemos esperar um novo álbum de originais para breve? Ou outro tipo de projetos? O que nos podes adiantar?

Os UHF vão continuar a espantar os melómanos este ano. Há um trabalho em estúdio a meio, parámos em outubro e vamos retomar agora. Sobre os meus projetos nem quero falar, há muita coisa à espera, também fruto de dois anos de pandemia, trabalhei para vencer a estranheza com canções e livros.

 

Obrigado pela entrevista, António. Queres deixar alguma mensagem final?

Apenas agradecer o vosso trabalho de divulgação da nossa arte musical. Os que já cá andam há um tempo e os mais novos merecem e precisam. Obrigado.

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