Entrevista: Alex Carpani

 



Ao longo dos anos, Alex Carpani tem vindo a consolidar a sua reputação como um dos nomes mais versáteis e criativos da cena progressiva contemporânea. Com uma formação musical sólida e uma abordagem artística que se estende por diversos estilos, Carpani continua a explorar novas sonoridades e narrativas, como o comprova no seu mais recente trabalho, The Good Man, uma ambiciosa jornada conceptual estruturada em duas longas suites. Nesta conversa, o músico italiano partilha os detalhes do processo criativo, as influências por detrás do álbum e os planos para o futuro, tanto a solo como com os Aerostation.

 

Olá, Alex, como estás? Obrigado pela disponibilidade. O que tens feito desde a última vez que falámos, em 2022?

Olá, Pedro, estou bem, obrigado. Obrigado por esta entrevista. Bem, acho que foi por ocasião do lançamento do meu álbum anterior, Microcosm. Fiz alguns concertos para promover o álbum, em Itália e no estrangeiro, até na América. Depois, em 2023, comecei a trabalhar no novo álbum.

 

O teu novo álbum é composto por duas longas suites, Amnesiac e Good And Evil, que contam uma história ininterrupta que explora as emoções humanas e a fragilidade da mente. Podes explicar melhor a narrativa geral?

A narrativa do álbum diz respeito ao homem descrito nas suas desventuras e nas suas fraquezas e fragilidades. Amnesiac, a primeira suite, é a história de um homem que perde a memória e já não sabe onde está, para onde vai e se as suas memórias são reais ou de outra pessoa. Good And Evil, por outro lado, fala do eterno dilema da escolha entre o bem e o mal, em todas as formas nem sempre óbvias em que o mal se pode esconder, porque a vida não é só preto e branco, claro.

 

Nessas duas suites principais, há muitas secções instrumentais. O que é que inspirou esta escolha estrutural? Como é que estas peças instrumentais contribuem para a narrativa?

A narrativa deste álbum, a nível musical, não segue o padrão da forma canção. É antes uma forma sinfónica ou cinematográfica, se preferires. Queria que o fluxo musical não fosse interrompido pela limitação da duração ou pela necessidade de escrever um determinado número de canções. O que eu tinha a dizer, disse-o em duas composições de cerca de 28 minutos, dando vida a uma espécie de história musical sem interrupções.

 

Canções como P.T.S.D. e Flirting With Darkness mergulhas em temas emocionais e psicológicos profundos. São reflexos de experiências pessoais ou foram inspiradas em histórias ou observações externas?

Não, não são situações que eu vivi, mas sim situações imaginárias, histórias.

 

A faixa Mystical inclui um pequeno diálogo em italiano, que dá um toque único e íntimo à canção. Qual foi a inspiração para incluir este diálogo e que significado tem no contexto do álbum?

Na realidade, é simplesmente uma gravação do discurso feito por Karol Wojtyla à multidão quando foi eleito Papa, em 1978. Esta gravação, juntamente com os outros sons e vozes que se ouvem nessa parte, contribuem para descrever a atmosfera mística e o cenário desse momento musical. É uma das experiências vividas pelo protagonista da suite Good And Evil: a experiência mística de facto.

 

Trabalhaste com um grupo talentoso de músicos e vocalistas para este álbum, incluindo Emiliano Fantuzzi nas guitarras, Alessio Alberghini no saxofone e Valentina Vanini como voz mezzo-soprano. Como é que as suas contribuições moldaram o som final de The Good Man?

A contribuição deles foi muito importante para obter o resultado final a nível sonoro. Quando componho, escrevo as partes de todos os instrumentos, até da bateria, por isso os músicos já têm uma pista bastante precisa para seguir. No entanto, o seu toque, a sua interpretação e habilidade com o seu instrumento é fundamental para o resultado final do álbum.

 

Falas em tocar “guitarras virtuais” neste álbum. Podes explicar o que são essas guitarras e como foram utilizadas no processo de composição?

São instrumentos virtuais que reproduzem muito fielmente o som de uma guitarra e que eu enriqueci com efeitos para obter o som que me interessa. Preciso deste processo antes de mais na fase de composição, para escrever as partes de guitarra que serão depois tocadas pelo guitarrista real e para dar forma, na fase de pré-produção, ao som final que quero obter. No entanto, por vezes, como neste caso, acontece que algumas partes de guitarra virtuais tocadas por mim também ficaram na mistura final porque ficaram bem, misturaram-se com as partes de guitarra reais. Claro que não estamos a falar de partes a solo ou de solos de guitarra: esses têm de ser tocados pelo guitarrista!

 

Sendo alguém com uma formação rica em musicologia e uma história de trabalho em diversos géneros, como é que esta diversidade académica e artística influenciou o processo criativo por detrás de The Good Man?

A formação clássica ajudou-me e influenciou-me certamente: tenho muito cuidado com o aspeto harmónico e com os arranjos das minhas composições e devo dizer que, para mim, a música é muito mais importante do que as palavras. Quanto à diversidade de géneros, é uma experimentação contínua ditada pelo facto de eu nunca ter gostado de me repetir ou mesmo de fazer uma coisa diferente, mas sempre no mesmo género e estilo. Procuro novas formas, em primeiro lugar para mim próprio, para ultrapassar ao máximo os meus limites.

 

Ao longo dos anos, a tua música tem abrangido vários estilos dentro do rock progressivo e não só. Como vês The Good Man na tua evolução artística mais ampla?

Acho que The Good Man é o álbum que melhor me representa porque engloba todos os géneros e estilos em que me expressei nos últimos anos: do rock à música sinfónica, do prog à música eletrónica e à música cinematográfica. Nestas duas suites há muito de mim e se um dia tivesse de dizer a alguém o que ouvir para saber o que faço, bem, dir-lhe-ia: ouve este álbum!

 

A capa do álbum, desenhada por Gigi Cavalli Cocchi, é visualmente impressionante. Como é que o trabalho artístico se relaciona com os temas do álbum e como foi o processo de colaboração?

A Gigi também fez a capa do álbum anterior, Microcosm, por isso desta vez foi mais fácil trabalhar em conjunto, mesmo que tenha demorado muito tempo a chegar à versão final do grafismo do álbum: o folheto interno é composto por 20 páginas e cada página tem uma imagem, uma composição gráfica diferente, em tema com cada uma das partes de cada uma das duas suites. Como sabem, cada suite está dividida em 9 partes, por isso são 18 partes e 18 ilustrações diferentes. Penso que, no final, o design gráfico ficou muito bem conseguido e a capa capta certamente a atenção e é eficaz e fascinante.

 

Também fazes parte dos Aerostation, com um novo álbum previsto para 2025. Podes dar-nos uma ideia do que podemos esperar e de como será diferente do teu trabalho a solo?

O projeto Aerostation é muito diferente do que faço nos meus discos. Em primeiro lugar, é uma banda, por isso há vários indivíduos a trabalhar no mesmo projeto. Musicalmente, a música dos Aerostation é caraterizada por canções, mais curtas do que a média das canções prog e muito diretas, cativantes, eficazes também do ponto de vista rítmico. O novo álbum intitulado Rethink já está concluído há vários meses e estamos simplesmente a decidir quando, como e com quem o lançar. Por vezes, é a coisa mais difícil de decidir num projeto discográfico. No caso da minha música, no entanto, é diferente, porque sou eu que decido e já há algum tempo (3 álbuns) que decidi publicar como artista independente através da minha editora Independent Artist Records, tratando pessoalmente de todos os aspetos relacionados com a publicação e distribuição.

 

A natureza imersiva de The Good Man parece perfeita para um ambiente ao vivo. Há planos para apresentar o álbum na íntegra e, em caso afirmativo, como pensas traduzir a sua complexidade para o palco?

Essa é uma pergunta interessante. Há cerca de duas semanas, no próprio dia do lançamento do álbum, convidei todos os músicos e o engenheiro de som que trabalharam no álbum para jantar. O desejo de tocar The Good Man ao vivo surgiu em todos e vamos trabalhar para isso. Não será antes do verão de 2025, penso eu, e não vai ser fácil porque há muitas partes, muitos sons, mas não é a primeira vez que acontece, porque infelizmente com os meus discos é sempre assim... (risos).

 

Mais uma vez, obrigado, Alex. Queres deixar alguma mensagem aos teus fãs e aos nossos leitores?

Obrigado pela entrevista, foi um prazer responder a estas perguntas. Gostaria de dizer aos fãs e aos vossos leitores que The Good Man representa, de certa forma, um testamento artístico para mim, por tudo o que está contido neste disco e acredito que quem decidir comprá-lo e ouvi-lo na íntegra, sem interrupções, viverá certamente uma experiência intensa.

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