Nascidos de uma residência artística e movidos pela
inquietação criativa, os Avesso são uma nova força na cena musical portuguesa.
Formados por Diogo Leite (bateria), Dani Valente (guitarra), Vítor Hugo (voz) e
Paulo Rui (baixo e voz), o quarteto funde o rock com influências experimentais e uma profunda
ligação à literatura e à filosofia. No álbum de estreia Desassossego, vivem
ecos de Fernando Pessoa, Séneca e Omar Khayyam, que acompanham os Avesso numa
viagem sonora marcada por melodias, dissonâncias e contrastes emocionais. O quarteto
que se estreou ao vivo no icónico Amplifest juntou-se para nos falar
desta experiência que promete virar a arte de pernas para o ar.
Olá, pessoal, tudo bem? Antes de mais, podem apresentar os
Avesso e falar um pouco da vossa trajetória até aqui?
DIOGO LEITE (DL): Olá,
obrigado pelo interesse. A ideia inicial deste projeto surgiu de mim. Já algum
tempo que andava com vontade de tocar outros estilos. Falei com o Dani
Valente (guitarrista), com quem já tinha trabalhado com GOEL. O Dani
como já tinha trabalhado com o Vítor Hugo nos Budhi e em estúdio
com o Paulo Rui (EAK, Redemptus) ligou-lhes a partilhar a
minha ideia.
Porquê
Avesso? O que esteve na origem da escolha do nome?
PAULO RUI (PR): O nome Avesso
surge após várias “discussões” para encontrarmos uma só palavra que desse cara
ao que estávamos a fazer em termos musicais. Pavor foi a primeira opção, mas
que tivemos de descartar por ser já nome utilizado por uma outra banda, seguiu
a breve ideia em ser Pabor (pois os V’s saem sempre B’s na minha dicção), ideia
abandonada também devido a não ser português correto, chegamos a usar durante
algum tempo o nome Fuzarca, ideia do Vítor, visto ser uma palavra do Português
antigo que caiu em desuso, mas não pegou também por ser bastante utilizada no
Português do Brasil e estar a ser já utilizado. Chegamos até, pelas mãos do
Dani, a ponderar usar IA como ponte entre várias palavra-chave atiradas por
cada um individualmente, mas sempre quisemos ser mais orgânicos do que
artificiais deixando cair assim essa forma de criar nome muito rapidamente.
Então com tudo isso chegamos à conclusão de que tal como o nosso desassossego,
também as nossas ideias estavam a ser viradas ao contrário… viradas ao
contrário… Avesso!
Na
verdade, os Avesso começaram como uma residência artística em 2022. Como foi o
processo que transformou esse encontro improvável de músicos num projeto
consolidado?
DL: Sim, é
importante frisar que a ideia inicial não seria para formar uma banda, mas sim uma
residência artística. Ao longo do processo de criação em estúdio a ideia foi-se
construindo nas nossas cabeças.
VÍTOR HUGO(VH): Mas depois
a sinergia criada em estúdio foi tão forte e positiva que começámos a pensar em
gravar um disco. Então, durante a gravação do disco começámos a pensar que
devíamos dar uns concertos de apresentação, e, o resto, é história.
A
estreia dá-se com Desassossego, que resulta de sessões de experimentação e
criação. Qual foi o maior desafio na construção de um som que mistura melodias
e dissonâncias?
VH: Apesar da
nossa predisposição natural para não seguir os nossos próprios planos, de
facto, o processo de gravação foi muito fácil de realizar porque o preparámos
muito bem. Quando começámos a escrever o disco, tivemos a sorte de fazer um
conjunto de sessões diárias no Caos Armado Estúdio, o que nos ajudou a
aprofundar o processo de composição. Gravámos tudo o que tocámos durante essas
sessões e depois ouvimos as gravações e fizemos ajustes em cada música que ia
surgindo. A parte da composição foi um pouco mais difícil porque estávamos a
aprender a tocar uns com os outros, a experimentar amplificadores, pedais,
baterias, etc. No entanto, o intercalar de melodias e dissonâncias não foi
pensado, foi surgindo naturalmente tendo em conta as nossas diversas culturas
musicais e gostos individuais. De qualquer forma, tudo o que foi surgindo de
forma natural e que foi validado por todos, passou à fase seguinte e integrou o
disco. Mesmo olhando para o nosso historial musical, já se nota uma tendência
nossa para integrar esses aspetos musicais, aparentemente, tão díspares.
Em
termos líricos, este trabalho incorpora textos de Fernando Pessoa, Séneca e
Omar Khayyam, além de material original. Porque decidiram integrar essas
referências literárias na música?
VH: Diria que
as letras foram construídas em torno de Pessoa, Khayyam e Séneca, e foi um
processo muito simples e natural porque eu e o Paulo Rui descobrimos que
andávamos interessados nas mesmas ideias e obras. Coletámos textos do
estoicismo, dos Rubaiyat (Odes ao Vinho) e do poemário de Pessoa, e começámos a
encontrar um fio condutor que nos levou à ideia de desassossego existencial que
está na base do projeto. A partir de uma seleção de textos, fomos alinhando
cada letra ou versos com a música que achávamos mais adequada, sendo que na
fase de gravação das vozes demos um grande espaço à experimentação. Em diálogo
constante com o Paulo Rui fomos dividindo as partes e assumindo
diferentes papéis vocais, cujo resultado final nos surpreendeu bastante.
Já
musicalmente, a música de Avesso é bastante diversificada, sendo possível
descobrir elementos do pós-rock experimental, mas também do metalcore e até do
teatro musical. Como definem o vosso som para quem não vos conhece?
VH: Sim, é um
reflexo das nossas diferentes culturas musicais e do próprio método de
composição e gravação que seguimos. No centro do nosso som está o rock,
vocalizado em português, mas depois nós seguimos em diferentes direções
musicais, incorporando vários elementos musicais, como referiste. Sinceramente,
é impossível dizer-te quais as nossas influências, pois como melómanos que
somos, ouvimos muita coisa. Mas concordo, há algum experimentalismo, algum metal,
algum pós-qualquer coisa no nosso som.
O facto de cada membro da banda vir de trajetos musicais
distintos, teve essa influência na tal diversidade que, na verdade, enriquece a
identidade sonora de Avesso?
VH:
Obrigado, é verdade, vimos de meios musicais diferentes e os nossos gostos são
bastante variados e o risco deste projeto falhar era elevado no início, dadas
estas diferenças. No entanto, consideramos a nossa banda como um espaço de
livre exploração artística, pelo que desde o início tentámos quebrar todas as
barreiras e preconceitos que pudessem existir em relação a essas diferenças
musicais e, consequentemente, tentámos sempre integrar a linguagem musical e o
gosto de cada membro da banda na composição das músicas. Tentámos encontrar o
meio termo sempre que entrávamos em conflito com algum pormenor ou aspeto de
cada canção. E fazíamos cedências. Em todo o caso, posso dizer que grande parte
do que aconteceu durante este processo foi natural e fácil. E, claro, tivemos
alguns momentos difíceis durante a composição, como acontece com uma banda, mas
as boas ideias musicais prevaleceram e as restantes foram abandonadas.
Os singles Se Eu Pudesse Trincar a Vida Toda e A Existência dos
Homens têm recebido reações muito positivas. De que forma estes temas
representam o espírito de Desassossego?
VH: Não
há dúvida de que o nosso álbum nasceu de uma inquietação que há muito sentíamos
e que queríamos traduzir em forma artística e musical. Precisávamos de um
espaço criativo para dar forma a essa inquietação e AVESSO é,
essencialmente, isso. De facto, as letras refletem essa procura de e exploração
de ideais libertadores. À distância, creio que conseguimos documentar
artisticamente o nosso processo de busca filosófica, que ficou registado e
impresso em “desassossego”. Queríamos algo que falasse a todos e que pudesse
ser sentido pelos nossos ouvintes. Em relação aos temas que referes, o nosso
objetivo central, e que está claramente presente na nossa música, é: inquietar
as pessoas. Acreditamos que a arte deve inquietar as pessoas e ajudá-las a
olhar para a realidade com maior clareza. Por isso, os contrastes que incluímos
nestes temas são uma parte intencional da nossa linguagem musical, queremos
envolver os nossos ouvintes numa grande diversidade de emoções e ideias e
queremos ser provocadores.
Olhando para os títulos das músicas, torna-se curioso, porque a
primeira metade tem títulos longos e até poéticos, mas para o final, os títulos
são curtos – uma palavra apenas, com exceção de Se Eu Pudesse Trincar a Vida
Toda. Porque esta opção? Tem algum significado em particular?
VH: Foi
completamente acidental, a ordem das músicas foi decidida sem considerar os
títulos. Assim, parecendo de alguma forma conceptual, não foi de todo a nossa
ideia. Esta diferença de estilo nos títulos das músicas relaciona-se
essencialmente com a fonte de inspiração para as letras, se foi um poema ou
texto filosófico, e também com o período em que cada uma foi feita.
O disco foi gravado e produzido no Caos Armado Estúdio. Quais
foram os momentos mais marcantes durante a gravação?
VH: O
álbum foi composto e gravado na mesma sala de estúdio durante vários meses, e o
estúdio tem muito boas condições para tocar, gravar, experimentar e tudo o
resto. Tínhamos à nossa disposição muitos amplificadores, guitarras, baterias,
pedais, o que ajudou o processo criativo. Para além disso, o estúdio fica num
sítio calmo, rodeado de bosques, e como tínhamos horários muito livres, pudemos
fazer as coisas à nossa maneira, sem qualquer tipo de limitações. Estas
condições influenciaram definitivamente a forma e a direção do álbum de uma
forma muito positiva. Por causa do método que utilizámos, todo o processo de
composição e gravação acabou por ser marcante porque foi diferente das nossas
experiências prévias com outros projetos. E as diferenças musicais entre os
temas refletem isso mesmo. De qualquer forma, ainda hoje não conseguimos
explicar como conseguimos finalizar este disco, foi um processo muito divertido
e relaxado.
A vossa estreia ao vivo foi no Amplifest. Como correu esse
momento tão especial e num ambiente tão emblemático?
DL: Foi
a primeira vez que tocamos os temas ao vivo e como é natural, estávamos
bastante curiosos para sentir a reação das pessoas e quais os temas que iriam
ter uma reação mais forte. Ouvimos bastantes pessoas a cantar os refrões dos
primeiros singles que fomos lançando. Foi muito bom.
VH: Foi
um grande desafio, este objetivo de nos lançarmos como banda no Amplifest
criou o stress necessário para nos envolvermos a fundo na preparação do
espetáculo. Cá fora, depois do concerto, recebemos um feedback muito
positivo de várias pessoas, até pelo número de desconhecidos que andava já com
as nossas t-shirts a deambular pelo festival.
Após o lançamento de Desassossego, quais são os planos para
Avesso? Há ideias para mais colaborações ou novos caminhos criativos?
DL:
Estamos a preparar a primeira tour, desassossego – 2025. Os dois
concertos realizados em 2024 já deram para entender diversas coisas.
VH:
Sim, agora vamos focar-nos em socializar o nosso “desassossego” ao máximo pelo
país e, quem sabe, por algumas venues europeias. As ideias de
colaborações futuras já começaram a surgir, também em função de estarmos
lentamente a pensar no segundo disco. Tivemos uma experiência muito positiva
com o Coro de Câmara de São João da Madeira na preparação do Concerto Improvável
que demos em dezembro último, e essa vontade de colaborar surgiu. Também temos
alguns artistas portugueses que admiramos muito e que, como tal, poderão vir a
receber um convite nosso. Na nossa perspetiva, o futuro da banda está em
aberto, principalmente em termos de expressão artística, definitivamente não
queremos ficar presos a nenhuma ideia pré-concebida. Mas podem esperar sempre
ainda mais Rock da nossa parte, sempre desassossegado.
Obrigado, pessoal. Que mensagem gostariam de deixar aos vossos ouvintes,
especialmente àqueles que estão a descobrir a banda agora?
VH: Podem sempre esperar de nós música pesada, densa, melódica e barulhenta, a nossa inquietação ainda agora começou. Ouçam o nosso disco com atenção e apareçam nos nossos concertos.
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