Com uma sonoridade que combina a grandiosidade do metal sinfónico com influências góticas e um toque
melancólico, os Belle Morte têm vindo a afirmar-se como um nome singular dentro
do género. O novo álbum, Pearl Hunting, amplia ainda mais essa
identidade, incorporando instrumentos étnicos e explorando novas paisagens
sonoras. Nesta entrevista, Anastasia Schebrova, aka Belle Morte, vocalista
e mentora do projeto, fala sobre o processo criativo por trás do disco, a
integração de elementos e músicos da música tradicional, onde se inclui o nosso
compatriota Ruben Monteiro, e as colaborações internacionais que ajudaram a dar
forma a esta jornada musical.
Olá, Anastasia, obrigado pela disponibilidade. Antes de mais,
podes apresentar o teu projeto aos metalheads
portugueses?
Olá, Pedro, com
todo o gosto. Belle Morte é uma banda de metal sinfónico com
influências góticas e melancólicas. A nossa música combina melodias
contagiantes que vão ficar na tua cabeça durante todo o dia, com arranjos
orquestrais intrincados e com várias camadas que te convidam a mergulhar mais
fundo e a descobrir algo novo a cada escuta. Não nos preocupamos muito em
seguir regras de género, preferimos concentrar-nos em fazer uma grande canção,
mesmo que isso implique sair das ferramentas familiares e brincar com outros
géneros. O nosso último álbum, Pearl Hunting, aventura-se em novos
territórios, com instrumentos étnicos e colaborações com músicos talentosos de
todo o mundo.
E podemos começar, precisamente por aí. Em Pearl Hunting, o vosso novo álbum, exploram várias tradições
musicais com um conjunto impressionante de instrumentos étnicos. Podes
partilhar a forma como o conceito de “caça às pérolas” se relaciona com os
temas e a paisagem sonora do álbum?
O conceito de
“caça às pérolas” serve como metáfora para a forma como abordámos a composição
deste álbum. Sentimo-nos literalmente como se estivéssemos à procura de joias
escondidas em todos os cantos do mundo. Por vezes, abríamos um mapa para nos
inspirarmos e explorávamos diferentes regiões, procurando os sons únicos que
podiam oferecer. Cada colaboração e cada instrumento tornou-se a sua própria
pérola: algo raro e precioso.
Como já foi dito, o álbum tem influências claras das tradições
musicais orientais, com instrumentos como o koto, o shamisen e o gamelão. Como é que abordaste a
integração destes elementos numa estrutura de metal sinfónico?
Incorporar
instrumentos orientais foi uma experiência fascinante e variada para nós. Fizemos um esforço consciente para mergulhar
na cultura por trás de cada música, ouvindo uma grande quantidade de música folk
para entender as suas nuances. Com os instrumentos da Mongólia, como o morin
khuur e o canto de garganta, foi relativamente simples. Já há muitas bandas
incríveis a misturar estes elementos com sucesso no metal, e funciona de
forma muito perfeita. Por isso, posso dizer com segurança que tínhamos uma
imagem clara na nossa cabeça de como deveria ser feito. Com a faixa japonesa
foi um desafio maior. A composição japonesa tem as suas próprias regras, por
isso tivemos de mergulhar numa pesquisa teórica para a compreender melhor antes
de começarmos a compor a canção. A maior experiência, no entanto, foi com
instrumentos indonésios como o suling e o gamelão. Era um território
completamente novo para nós, pois não sabíamos quase nada sobre a música
tradicional indonésia. Felizmente, tivemos o fantástico Maulana Malik
Ibrahim do nosso lado, que não só partilhou o nosso entusiasmo pela ideia
como também nos guiou ao longo do processo.
Voltando a essa canção que aborda o folclore japonês, Jorōgumo. Podes dizer-nos mais sobre a forma como os
elementos mitológicos ou literários influenciaram as letras e o ambiente do
álbum?
Sempre gostámos
de incluir elementos folclóricos e mitológicos na nossa música, a começar pelo
nosso EP, Game On. Dito isso, estamos atentos para encontrar um
equilíbrio entre os aspetos fantásticos e literários nas nossas músicas. É
fácil cair na armadilha de reciclar tropos familiares, como vampiros ou
lobisomens, uma e outra vez. Não me interpretem mal, nós adoramos essas coisas!
Mas estamos empenhados em evitar os clichés e, em vez disso, procuramos trazer
algo fresco e único, explorando histórias que ainda não foram contadas centenas
de vezes. Para Jorōgumo, passámos muito tempo à procura da inspiração
perfeita para a nossa canção de temática japonesa. Quando nos deparámos com o
mito de Jorōgumo, um demónio-aranha que atrai as suas vítimas com a sua
beleza, sentimos imediatamente que era a combinação perfeita para nós. É
sombrio, misterioso e tem uma elegância sinistra que complementa lindamente o
ambiente do álbum. Outro exemplo é Willow. Embora existam inúmeras
canções sobre vampiros, queríamos criar uma história que parecesse pertencer ao
folclore, mas que fosse inteiramente construída por nós. É tudo uma questão de
dar a essas influências mitológicas o nosso próprio toque.
Com uma variedade tão grande de instrumentos tradicionais
utilizados, houve algum desafio em particular durante as fases de gravação ou
produção?
Sem dúvida, houve
alguns desafios, sendo o mais óbvio o logístico. Com todos os participantes
espalhados pelo mundo, não nos pudemos dar ao luxo de nos reunirmos no mesmo
estúdio e experimentarmos sons juntos em tempo real. Houve momentos em que
desejámos poder estar todos no mesmo sítio, a explorar ideias e a ajustar
arranjos no local. Mas suponho que esse é um desafio inevitável para um projeto
como este. Outro desafio foi compreender as limitações e as nuances de cada
instrumento. Como obviamente não tocamos todos eles, houve alturas em que
tivemos ideias que não eram práticas ou mesmo possíveis para certos
instrumentos. Felizmente, tivemos a sorte de trabalhar com músicos talentosos
que nos puderam orientar. Ajudaram-nos a ajustar as nossas ideias de acordo com
as caraterísticas naturais de cada instrumento, garantindo que tudo se
conjugava de forma autêntica.
A colaboração com músicos internacionais é um dos pontos altos
deste álbum. Podes falar-nos mais sobre os artistas convidados e como as suas
contribuições moldaram o disco?
Tivemos a sorte
incrível de colaborar com 18 músicos convidados fantásticos de 12 países
diferentes e as suas contribuições foram cruciais para dar vida a este álbum.
Sinto que é justo nomeá-los aqui e enviar-lhes todo o nosso amor e gratidão: Max
Kerner, Caterina Castiglioni, Yanina Yakshevich, Ada
Rusinkiewicz, Tero Kalliomäki, Ulziisaikhan Khoroldamba, Lernik
Khachatrian, Ella Zlotos, Marta Masciola, Carlos Carty,
Maulana Malik Ibrahim, Emma Spinelli, Ruben Monteiro, Hisashi,
Reigen Fujii, Souzan Kato, Alex Pilkevych e Yaroslav
Dzhus. O nosso primeiro colaborador foi o músico finlandês Tero
Kalliomäki, e a experiência foi tão suave e inspiradora que abriu a porta a
outras colaborações. De muitas formas, estas colaborações foram para além da
simples gravação; pareceram intercâmbios culturais que expandiram os nossos
horizontes musicais.
E também tens um colaborador de Portugal, certo? Podes
apresentá-lo e dizer-nos como o descobriste?
Claro! O nosso
querido amigo português, Ruben Monteiro, merece absolutamente uma
apresentação adequada. O Ruben é um multi-instrumentista, produtor e compositor
envolvido numa variedade de projetos que vão desde o rock progressivo à
música mediterrânica. Recentemente, lançou um álbum de hurdy-gurdy
impressionante intitulado Numero, que recomendamos vivamente a todos. Descobrimos
o Ruben através de uma ligação mútua quando estávamos à procura de alguém para
gravar partes de saz e oud para September. Desde o momento
em que começámos a trabalhar com ele, foi amor musical à primeira vista.
Ficámos completamente surpreendidos com a sua dedicação, profissionalismo e
incrível talento. Por isso, quando chegou a altura de gravar o hurdy-gurdy
para Willow, não tivemos de pensar duas vezes, pois já sabíamos
exatamente com quem queríamos trabalhar.
Descreveriam Pearl Hunting como um
álbum conceptual? Em caso afirmativo, que história ou tema abrangente liga as
faixas?
Ao contrário do
nosso álbum anterior, Crime Of Passion, que seguiu um enredo singular e
coerente, Pearl Hunting é mais como uma antologia de contos. Cada música
é única, inspirando-se em diferentes culturas e emoções. Embora não exista uma
narrativa única a ligar as faixas, não resistimos a incorporar um fio condutor,
que neste caso foi a utilização de instrumentos étnicos. Estes instrumentos
unem as canções em termos conceptuais.
O vosso primeiro álbum, Crime Of Passion, foi inspirado em The Collector, de
John Fowles. Em que é que Pearl Hunting difere em termos de processo
criativo e exploração temática?
A diferença é
significativa. Crime Of Passion foi concebido quase como uma ópera
rock mono, com leitmotivs recorrentes e interlúdios instrumentais
que criaram uma narrativa coesa e abrangente. Desde o início, tivemos uma visão
clara de todo o álbum como uma história unificada e trabalhámos para dar vida a
essa visão ao longo do processo de composição. Pearl Hunting, por outro
lado, foi abordado de uma forma completamente diferente. Cada música foi
tratada como o seu próprio projeto independente, exigindo uma abordagem única
tanto para os arranjos como para a composição. O foco foi permitir que os
instrumentos étnicos tivessem o centro das atenções. Cada um tem o seu próprio
caráter, a sua própria “personalidade”, por assim dizer, e quisemos construir
uma estrutura à volta deles que deixasse cada “pérola” brilhar, sem ser
ofuscada pelos elementos mais familiares do metal sinfónico.
A música dos Belle Morte é muitas vezes descrita como tendo uma
vibração melancólica e gótica. Como é que equilibram esse som caraterístico
enquanto experimentam tantas influências diferentes neste álbum?
Acho que os
elementos melancólicos e góticos estão intrinsecamente ligados à nossa música
desde o início, estão nas melodias e na forma como abordamos a composição. Esse
tom faz parte da nossa identidade, por isso, independentemente de onde a
experimentação nos leve, esses elementos centrais tendem a manter-se. Ao mesmo
tempo, estamos sempre abertos a explorar novas ideias e, por vezes, essas
ideias não resultam ou podem afastar-nos demasiado do nosso som
“caraterístico”. Quando isso acontece, deixamo-las de lado. Se uma experiência
parecer que se afasta do que define Belle Morte, simplesmente damos um
passo atrás e encontramos outro caminho.
Várias faixas do álbum foram lançadas como singles ao longo dos anos antes do lançamento completo. Como
é que esses lançamentos anteriores influenciaram a receção do álbum como um
todo? Fizeram alguma alteração significativa nessas faixas para o álbum?
Lançar singles
ao longo do tempo permitiu-nos testar as águas e ver como as pessoas reagiriam
à evolução do nosso som. Isso também ajudou a criar expetativa para o álbum
completo. Quanto à versão do álbum, não deixámos apenas os singles como
estavam; revisitámos cada um deles, ajustando os arranjos e refinando a
produção para garantir que se misturavam perfeitamente com o material mais
recente. Todos eles foram remasterizados para terem um som mais consistente,
especialmente as guitarras e a bateria. Como estamos a trabalhar nesse álbum há
quatro anos, o som naturalmente evoluiu, mas tivemos o cuidado de garantir que,
apesar da diversidade de faixas, o disco como um todo ainda parece coeso e
unificado.
A canção Krew destaca-se por
incorporar a vossa língua materna e em línguas próximas. O que vos inspirou a
incluir o bielorrusso, o polaco e o ucraniano e como é que isso contribui para
a narrativa ou profundidade emocional da faixa?
A ideia de Krew
surgiu em fevereiro de 2022, pouco depois do início da guerra. Estávamos
completamente devastados e de coração partido. Como banda bielorrussa,
partilhamos ligações profundas com a Ucrânia. Muitos de nós temos familiares e
amigos a viver lá, por isso foi uma questão pessoal. Escrever esta canção foi a
nossa forma de canalizar essas emoções complexas e procurar alguma forma de
catarse através da arte. Para além de exprimirmos os nossos próprios
sentimentos, queríamos refletir a proximidade de três línguas e culturas na
região. Foi por isso que convidámos cantores polacos e ucranianos, Ada
Rusinkiewicz (Hethet) e Alex Pilkevych, para trazerem as suas
perspetivas para a faixa, bem como Yaroslav Dzhus para gravar a bandura,
um instrumento folk tradicional ucraniano.
Como é que a vossa experiência como banda bielorrussa moldou a
vossa visão artística e as histórias que contam através da vossa música?
É difícil dizer,
porque não temos uma experiência alternativa com a qual a possamos comparar.
Mas temos de certeza um fraquinho pela música folclórica eslava, que
magicamente fala a um certo lado de nós. Somos grandes fãs da banda sonora do Witcher
3.
Quais são os vossos planos para subir ao palco em 2025? Como é
que as atuações ao vivo influenciam a vossa música e o que podem os fãs esperar
dos vossos próximos espetáculos?
Estamos neste
momento a planear os nossos espetáculos ao vivo para 2025 e estamos muito
entusiasmados com isso! Apresentar o novo material ao vivo é algo que temos
estado a antecipar ansiosamente, mas há alguns obstáculos logísticos a
ultrapassar, uma vez que os membros da banda estão espalhados por três países
diferentes. Também estamos a sonhar em partilhar o palco com alguns dos músicos
fantásticos que contribuíram para o Pearl Hunting, embora isso dependa das
suas agendas de digressão se alinharem com as nossas.
Mais uma vez, obrigado, Anastasia. Queres enviar alguma mensagem
aos vossos fãs ou aos nossos leitores?
A todos os nossos
fãs e leitores, em Portugal e no estrangeiro, obrigado pelo vosso apoio e por
terem tido tempo para descobrir a nossa música. Pusemos o nosso coração em Pearl
Hunting e esperamos que ela tenha repercussões em vocês. Mal podemos
esperar para vos encontrar no palco. Obrigado!
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