Entrevista: My Alley

 

Após um longo hiato desde Hope, o projeto My Alley regressa com um novo e ambicioso trabalho, Women Of Chevalier De Pas. Ao longo de todo o álbum, André Prista, os seus companheiros de banda e um número assinalável de convidados de nomeada apresentam um conceito que cruza eventos reais e ficção inspirada em Fernando Pessoa. Este é, portanto, um álbum que, reafirmando a identidade da banda, eleva a sua abordagem musical e narrativa a um novo patamar. E, nesta entrevista, o mentor do projeto, partilha connosco as motivações por detrás desta obra, o impacto das colaborações e os desafios de transformar poesia em música, num regresso que promete não passar despercebido.

 

Olá, André, tudo bem? Obrigado pela disponibilidade. Antes de mais, porquê tanto tempo para um sucessor de Hope?

Olá, Pedro. Antes de tudo, obrigado por este momento e oportunidade e obrigado por manteres vivo este excelente canal. O Hope foi um disco muito marcante a nível pessoal e profissional. Lançamos o álbum em 2011, mas estava terminado bastante antes disso. Sabes aquela sensação de que tens de fazer melhor, mas é impossível superares? A música tem um lado técnico, mas também de inspiração e criatividade que nem sempre se controla. Devido a isso fui seguindo a minha vida com outros projetos musicais até que conheci o grande vocalista Iuri Sanson, veio uma pandemia que no meio da azafama de incertezas me trouxe algum tempo e alguns eventos marcantes na minha vida me fizeram voltar aos My Alley (de onde, na verdade, nunca sai).

 

Quanto a este novo álbum, Women Of Chevalier De Pas, é um marco ambicioso, misturando eventos reais e ficção inspirada em Fernando Pessoa. Como é que o poeta surge na tua vida?

O Fernando Pessoa sempre foi uma inspiração para mim. Desde miúdo, no secundário, sempre que tinha de o estudar chegava a traduzir para inglês alguns poemas ou frases para perceber a viabilidade de fazer música internacional e levar a nossa cultura literária alem fronteiras com o acarinhado heavy metal. Alguns dos livros que lia dele surpreendiam-me sempre, mesmo que já conhecesse o poema. Com o tempo, em casa, que a pandemia trouxe acabei por estudar, dedicar-me mais a fundo e criar esta obra conceptual.

 

E como é que esta ideia surgiu, o que te motivou a criar este conceito e de que forma as tuas composições se conectaram com o poeta ao longo do processo criativo?

Este disco foi extremamente pensado (provavelmente demais). Os temas remetem-me ao meu passado numa das minhas primeiras bandas que era 100% ligada ao power metal. Foi um conectar da maturidade atual com as inspirações musicais e literárias da altura. Juntamente com o vozeirão do Iuri Sanson, só podia correr bem.

 

Fernando Pessoa é descrito como alguém com múltiplas personalidades. Sentes que essa caraterística também reflete a diversidade musical e conceptual de My Alley Chronicles?

Completamente. Eu sei que a maioria dos fans, especialmente de heavy metal, gostam de alguma coesão... e eu também, mas no que diz respeito a álbuns (e falo de álbuns como “antigamente”), enquanto artista, gosto de me superar e não fazer sempre o mesmo. Não desligo dos discos anteriores, mas é importante mostrar novas inspirações e conexões musicais influentes na nossa vida pessoal e profissional.

 

O núcleo da banda que te acompanha em todas as faixas inclui Iuri Sanson, João Quintela Martins e Carlos Rodrigues. Como descreves a dinâmica com estes músicos e o impacto que tiveram no resultado final do álbum?

Como sabes o João e o Carlos fizeram parte do disco anterior, o Hope. Mudamos de vocalista e a banda seguiu assim. O vocalista antigo, o Camilo Simões entra num tema deste novo disco. A saída de um cantor é sempre um lado marcante e complexo para a banda (especialmente neste caso que para além da voz da banda é um grande amigo, falamos imenso, quase diariamente), mas esta mudança e a maturidade musical entre um álbum e outro trouxe outros horizontes e só com o grande Iuri foi possível gravar este disco mais ligado ao power metal. Foi um álbum feito todo por mim, sempre na cabeça com as peças chaves que são os membros da banda, mas como foi um disco feito em plena pandemia teve um lado muito solitário a nível de composição e produção. Obviamente que as linhas de voz foram pensadas e super-moldadas ao vocalista que quando lhe “cantava” as ideias em estúdio repensávamos e recriávamos.

 

Depois, a presença de convidados nacionais e internacionais é impressionante. Como foi o processo de colaboração e que desafios surgiram ao integrar tantas vozes/instrumentistas e talentos distintos?

A parte complexa é sempre chegar até eles e ter uma resposta, depois no trato foi sempre incrível. Não há músicos esquisitos ou estranhos, só grandes profissionais, todos com muita paciência para me aturar e que confiaram em mim, alguns sem me conhecer. A vantagem da maturidade acrescida entre o primeiro e o segundo álbum também passa pelos contactos que criamos e credibilidade no meio, facilitou muito, mas sem a boa vontade de todos e a ajuda dos melhores (e eles sabem quem são) nada disto seria possível.

 

Podes partilhar mais sobre a relação entre Women Of Chevalier De Pas e o álbum anterior, Hope? De alguma forma os projetos estão ligados em termos narrativos e temáticos?

O novo álbum fala sobre as mulheres do Fernando Pessoa, contado na primeira pessoa por Chevalier de Pas (que foi o primeiro heterónimo criado pelo poeta). O disco, nos primeiros três temas, fala sobre a passagem depois da morte de alguém. Para ajudar na passagem de um mundo/universo para outro (seja ele qual for). Chevalier intervém e ajuda narrando e dando a conhecer-se (através do que teve de mais importante na sua vida mortal – as mulheres). Esse “alguém” é Mr. Harlem que é a personagem principal do álbum Hope.

 

De qualquer forma, verifica-se a existência de um claro salto na profundidade conceptual. Que lições retiraste do hiato da banda? Essas experiências moldaram a produção atual?

Sim, o tempo ajuda a moldar, mas este disco tem a particularidade de ter muitas inspirações do meu passado musical, o que significa que é um misto do crescimento profissional com a ligação à génese (minha e do Iuri). Quanto ao lado conceptual, claro que este disco é riquíssimo, é uma obra que não se faz de um dia para o outro. Ainda assim, o disco Hope fala sobre todo o processo de um soldado americano entre o decidir ir para a guerra, todo o processo e o fim que não tem fim. A guerra só começa, nunca acaba. Inspirado nos eventos do 9/11.

 

Ao decidires explorar power metal neste projeto, que aspeto deste género melhor complementa o storytelling e os conceitos líricos que pretendia transmitir?

Sim, completamente. Tudo o que diz respeito a temas como “heaven”, “sky”, “fly” é muito power metal!!!! Portanto sim, ajudou muito.

 

A faixa FallingDusk traz uma referência ao teu projeto anterior, Falling Dusk. Há planos para reativar esse projeto?

Não, de todo. Os FallingDusk vão sempre fazer parte da minha existência e essência musical dentro do mundo do metal. Foram um projeto por quem terei sempre um carinho gigante. Decidi ir buscar as inspirações musicais desse projeto musical para este disco também honrando essa fase e essa banda. Agora que está lançado, fica arrumado e será recordado através da música e, especialmente, com a homenagem através do tema com o mesmo nome.

 

Uma vez que Women Of Chevalier De Pas marca um renascimento da banda, que passos estás a planear para garantir a continuidade de My Alley e do projeto Chronicles? Por exemplo, explorando outros poetas ou figuras históricas em trabalhos futuros?

Já tenho dois temas que me inspiram muito, para outros dois discos. Um já está praticamente pronto. Em princípio não será desta era Chronicles, mas sim mais My Alley do primeiro álbum e/ou, se preferires, um mix vá... 70% Hope/30% WFCP! Sempre com alguma fantasia, sempre com recurso à atualidade, aos factos e a literatura. Ainda este ano terão novo disco da banda.

 

O álbum está a ter uma receção bastante positiva e conta com uma história rica e complexa. Consideras criar uma sequência ou explorar outro conceito igualmente profundo no próximo trabalho?

Pegando nos conceitos, sim, os My Alley são uma banda conceptual, atual, sempre com mensagens e história por cada trabalho. Não fazemos músicas “avulso” para integrar um disco (atenção que não é uma critica, é apenas o conceito deste projeto musical). Quanto a ter uma sequência... sim, acho que era muito fixe e já não és o primeiro a perguntar. Mas voltar a este lado quase 100% power metal e buscando Fernando Pessoa é extremamente cansativo, exige um cuidado enorme para não tirar factos errados sobre a realidade dos factos... é provável que talvez um dia. Afinal, é uma obra que permite ir tantos lugares.

 

Após uma produção tão ambiciosa, como imaginas a transposição deste álbum para o palco? Há planos para concertos ou apresentações especiais com a presença dos convidados?

Nós temos discutido esse ponto. Haverá a transição para o palco. Em princípio sim, com os convidados, mas depende muito das oportunidades que surgirem. A ideia é sempre entrar em palco, mais que um espetáculo, um teatro musical. Mas sem me adiantar muito, não depende só de nós.

 

E com a integração de músicos internacionais e o tema universal do álbum, há planos para promover o projeto além-fronteiras, como em festivais ou lançamentos em mercados internacionais’

Claro que sim. O projeto My Alley foi criado com essa ambição, de ir para além terras Nacionais, mas levando e espalhando a nossa cultura.

 

Obrigado, André. Que mensagem gostarias de deixar aos vossos ouvintes e aos teus fãs?

Um agradecimento especial por ouvirem os My Alley, cada nota, cada palavra foi criada para arrepiar, mais que tudo, para nos fazer sentir bem através da música! Que ouçam o disco, consumam muita música especialmente nacional!! E terminar como comecei, com um agradecimento do fundo do coração a ti Pedro, pela entrevista, divulgação, cuidado e resiliência neste mundo do Metal \m/!!

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