Reviews VN2000: FRITZ KAHN & THE MIRACLES; DR. SPACE; UNCANNY CHAMBER; DR. SPACE'S ALIEN PLANET TRIP; ΔIII / XIII
Fritz Kahn & The Miracles (FRITZ KAHN & THE MIRACLES)
(2002, Independente)
No ano em que Gonçalo Serras, aka
Fritz Kahn e os seus The Miracles lançam um novo trabalho de
originais, o EP Attila, The Crown e uma compilação, Gunthi Anthology,
onde acrescenta alguns temas originais, resolvemos ir revisitar o passado deste
artista do Entroncamento: o EP de 4 temas (mais um tema escondido) homónimo
lançado em 2002. Apesar de lançado há mais de 20 anos, este EP mostra que a
genialidade da composição e execução já lá estava toda, embora com uma
orientação diferente. De facto, este EP revela as raízes do artista nas
influências de Bob Dylan, Nick Cave e Leonard Cohen, com
composições marcadas por uma abordagem folk intimista e arranjos
minimalistas onde se destaca o trabalho do saxofone, cortesia de Péricles
e o uso de uma instrumentação mais tradicional do rock
(baixo-bateria-guitarra). Portanto, muito longe do atual classicismo vigente na
sua obra. Não sendo possíveis comparações entre as duas fases existenciais do
trabalho de Fritz Kahn, há pelo menos um aspeto onde confluem: a
grandiosidade da qualidade dos arranjos e das canções. A questão que fica é:
depois da excelência desta estreia o que aconteceu para o seu sucessor só surgir
cerda de duas décadas depois? [95%]
Music To Disappear To (DR. SPACE)
(2024, Independente)
Dr. Space, também conhecido como Scott Heller,
reconhecido pelas suas participações em bandas como Øresund Space Collective
e Black Moon Circle lança, em nome próprio, Music To Disappear To.
Gravado ao longo de 2023, o álbum é inteiramente improvisado, capturando a
essência do momento criativo, o que vem enaltecer a singularidade da sua obra
profundamente experimental. Neste trabalho, Dr. Space utiliza uma
variedade impressionante de sintetizadores o que permite que a atmosfera do
álbum seja predominantemente ambiental e espacial, evocando sensações de
vastidão e introspeção. A repetição de loops sequenciais cria um
ambiente hipnótico, que, embora suave, provoca inquietação. Elementos de spoken
word, presentes na faixa Life Is Hell, e samples de coros com
profundidade religiosa, no tema-título, emergem para adicionar mais uma camada
de perturbação sónica. Music To Disappear To é uma viagem sonora
que desafia convenções e que, por isso mesmo, se torna de muito difícil
absorção. Mas é a banda sonora ideal para se entrar em estados de transe
profundo. [70%]
Echoes Of Absence (UNCANNY CHAMBER)
(2024, Ethereal Sound Works)
Para quem navega nas ondas do gótico e da dark
wave e que não temem explorar as sombras da alma, Echoes Of Absence,
dos Uncanny Chamber é o cenário perfeito. O projeto assente em Luís
Câmara já teve um EP, em 2021, intitulado Memento Mori, mas este é o
seu longa-duração de estreia contando com duas vozes convidadas (Isabel
Cristina Cavaco e Ana Teia), e com a voz principal de Mariana
Pinheiro. Em Echoes Of Absence, somos transportados para um universo
sombrio e etéreo, onde a dualidade entre luz e escuridão é explorada através de
tonalidades negras criadas pela maquinaria e pela luminosidade trazida pelos
vocais, frequentemente doces e que semeiam encantamento. Neste trabalho, Luís
Câmara constrói paisagens sonoras texturizadas, caraterística do dark wave,
enriquecidas com atmosferas góticas que evocam o sentido de introspeção e
melancolia. Destaque para a excelência vocal de Ana Teia em When All
Light Has Gone, para a aventura em português em Desespero e para as
linhas de piano (cortesia do produtor Pedro Code), em Echos II,
que dão um toque final de elegância e intimidade. Estes são alguns dos momentos
responsáveis por alguma abertura em função de um álbum bastante sistematizado e
sequenciado e nem sempre muito expansivo. Mas capaz de cumprir a sua função de
transmitir uma mensagem de inquietação e angústia num palco onde máquinas e
almas sofredoras dialogam num equilíbrio instável. [72%]
Space With Bass IV - Purple Rose Power (DR. SPACE’S ALIEN PLANET TRIP VOL. 8)
(2024, Independente)
Às vezes a solo, outras em duo (com Dr.
Weaver nos Doctors Of Space ou, como neste caso, com o baixista Hasse
Horrigmoe), outras em coletivo (Øresund Space Collective), a verdade
é que Scott Heller, aka Dr. Space anda sempre mergulhado e
perdido no mundo mágico dos seus teclados. Space With Bass IV -
Purple Rose Power é o oitavo volume da série Alien Planet Trip que
apresenta uma nova colaboração com o baixista Hasse Horrigmoe. Este
trabalho revela-se mais introspetivo e sereno em comparação com o enérgico Space
with Bass III, explorando sonoridades que evocam paisagens cósmicas e
atmosferas meditativas. Hasse Horrigmoe lidera a narrativa com linhas de
baixo expressivas e texturais, amplificadas pelos efeitos que conferem
profundidade a temas como Slowker. A complementar esta base
sólida, Dr. Space desliza entre sintetizadores modulares, Hammond
e Mellotron, criando ambientes etéreos que revisitam coros celestiais em
faixas como Surfing The Sea Of Bass. Apesar das diferenças, este álbum
continua o trabalho do músico radicado em Portugal na captura da essência do
experimentalismo psicadélico e a promessa de uma viagem interplanetária. Ideal
para aqueles que procuram vibrações cósmicas mais suaves. [63%]
Abysminal (ΔIII / XIII)
(2024, Raging Planet Records)
No cerne da mais recente criação dos ΔIII/XIII
(lê-se “Treze”), Abysminal, repousa uma experiência sonora que desafia
convenções e limites emocionais. Composto por cinco temas muito longos, o álbum
não se propõe a ser uma escuta fácil ou conciliadora. Pelo contrário, é
conscientemente perturbador, construindo um universo sonoro que transborda
dissonâncias e um labirinto drone de noises. O resultado é
visceral, como se cada frequência tivesse a intenção de ferir. A abordagem
vocal é um dos elementos mais marcantes de Abysminal. Evoca a
intensidade sussurrante e angustiante dos primórdios dos Mão Morta, com
declamações de poemas lúgubres que reforçam a atmosfera opressiva do álbum. As
palavras não são apenas ditas; são cravadas, como se cada frase fosse um golpe
em direção à alma do ouvinte, deixando uma sensação de insónia e inquietação
persistente. O instrumental de Abysminal segue uma linha minimalista e low
profile. Mas não se deixem enganar pela aparente simplicidade: o uso de reverbs,
feedbacks e noises cria uma textura lamacenta e impenetrável,
onde laivos de space rock emergem a espaços como um vislumbre fugaz no
meio do caos. Cada composição é deliberadamente desenhada para ser um desafio,
uma experiência sensorial ofensiva e uma provocação. Gravado ao vivo no Out.Fest
23, Abysminal é uma exploração cáustica e perturbadora de
territórios sonoros pouco frequentados, onde a audição deixa marcas profundas
que ecoam muito depois do álbum terminar. [60%]
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