A cada álbum,
Hugo Flores parece superar-se a si mesmo. Some Kind Of Poetic Destruction é
mais um trabalho de alta progressividade e complexidade. E mais um trabalho
onde a ficção cientifica marca presença. Sendo o quarto trabalho consecutivo
para o projeto Factory Of Dreams, Hugo Flores começa agora a pensar voltar-se
de novo para os Project: Creation, como se pode constatar nesta longa
entrevista que o multi-instrumentista nacional nos concedeu. Uma entrevista
onde o novo trabalho é dissecado ao pormenor.
Olá Hugo,
tudo bem desde a última vez que conversamos? Este é já o 4º trabalho
consecutivo do projeto Factory Of Dreams. Definitivamente esta é a tua
prioridade número um?
Tudo muito bem e obrigado pela
entrevista, sempre um prazer! Tinha o objetivo de fazer 4 álbuns de Factory of
Dreams, pelo que tem sido efetivamente uma prioridade. Mas agora vou dedicar-me
ao meu terceiro Project Creation e depois disso logo se vê. Tenho ideias para
um novo álbum cujo tipo de som ainda não sei se se insere na onda de Factory ou
se será algo de novo. De qualquer forma, Factory é até agora o projeto de maior
alcance pelo que seguramente será para continuar após o terceiro Project
Creation.
Desta vez
demoraste um pouco mais a colocar cá fora um trabalho. A procura de um maior
amadurecimento das músicas, que aliás é notório, foi o motivo ou terá havido
outros?
A história deste álbum, apesar de
menos abstrata que a do álbum anterior Melotronical,
é mais complexa na sua estrutura e nos pormenores que têm necessariamente que funcionar
no meio do enredo; aliás, cada faixa tem que fazer sentido e as pontes entre
cada uma, sejam em termos de história, como de som, tiveram de ser muito bem
pensadas, repensadas e isso teve impacto no tempo despendido com este álbum e
com as letras. Esta história quase que assumiu contornos de argumento para
cinema e tinha de ser uma história coerente do inicio ao fim. Houve alturas em
que foi um quebra-cabeças! Este Some Kind
of Poetic Destruction foi extremamente
complexo em termos de misturas pois apesar de seguir o som do seu
antecessor Melotronical, também vai
mais longe sendo um pouco mais progressivo e ambicioso tornando a sua produção
mais morosa e cuidada. Isto também levou a ter a colaboração de alguns convidados
na parte instrumental e das duas vocalistas convidadas em duas faixas, para
imprimir maior dinâmica às diferentes faixas. Pelo meio disto tudo e da
preparação e filmagem do videoclip,
ainda estive a afinar as composições do próximo Project Creation e a rever
letras e história e ainda estou claro!
Volta a ser
um trabalho basicamente em duo. A forma de trabalhar manteve-se como antes ou
houve alterações significativas?
Sim, o método de trabalho foi
basicamente o mesmo, mas tivemos também instrumentalistas a gravar para o álbum
e duas vocalistas fantásticas a Magali Luyten e Raquel Schuller, pelo que se
alargou a coloração. A primeira tarefa a fazer foi mesmo compor e afinar as
músicas, letras e histórias, e enviar para a Jessica para ela começar a
delinear todas as melodias vocais e a adaptar letras. Depois íamos trocando
ideias onde necessário. O método com os convidados foi semelhante, mas menos
exigente, visto serem apenas em umas 3 ou 4 faixas. O que melhorou ainda mais o
resultado final acho eu. A evolução na música e na voz tem sido significativa,
e procuro igualmente com a música puxar ainda mais pelas capacidades da
Jessica, que por incrível que pareça, supera sempre qualquer expetativa. Ela
consegue adaptar as letras, melodias e encaixar tudo de uma forma perfeita na
música, seja esta mais simples ou complexa. Os dois últimos álbuns, Melotronical e Some Kind of Poetic Destruction mostram uma Jessica numa forma de
facto fantástica.
E em termos
de gravação, como decorreram as coisas, principalmente com os convidados?
Foi excelente! Posso-te dizer que foi
quase tudo ao primeiro take! Tanto a
Magali como a Raquel gravaram nos seus estúdios e enviaram-me uma demo. A partir dessa demo afinamos alguns pontos e a segunda
foi a final. No caso dos instrumentalistas, também correu bem; eles já têm
muita experiência nestas andanças e sabem bem o que fazer e o que eu procuro
num álbum como o Some Kind of Poetic
Destruction.
Por falar em
convidados, voltas a ter alguns a colaborar contigo, como também já vem sendo
habitual. Já referiste alguns, mas que mais esteve contigo desta vez e que
papel desempenharam na definição final do som de A Kind Of Poetic Destruction?
Nas vozes, já conhecia a Magali de
outros projetos. Sempre foi uma das minhas vocalistas favoritas e poder contar
com ela foi excelente; a Raquel conhecia-a dos Hydria. Adoro a voz brilhante e
cristalina que ela possui, tendo feito uma performance impecável na faixa Angel Tears. Estas duas vozes são
completamente diferentes da Jessica, o que é bom pois marcam presença em duas
músicas distintas das restantes, como é o caso da agressiva Dark Season e da mais acessível mas
melodiosa Angel Tears. Na Angel Tears, temos ainda a
particularidade de um dueto entre Raquel e Jessica! Portanto, as vozes
adaptaram-se muito bem às histórias e a cada faixa, era esse o objetivo. Nos
instrumentos também já conhecia os músicos da Progrock Records. Estou a falar
do Tadashi Goto, absolutamente fantástico nos teclados, do Chris Brown na
guitarra e que também é o nosso masterizador, o Shawn que é o dono da editora e
toca também de forma segura teclados e finalmente a Lyris Hung no violino,
ultra versátil e talentosa. Que grandes solos na Seashore Dreams e na Neutron
Star ela fez! Já agora acrescento que a necessidade de termos convidados
parte sempre do espectro sonoro. No caso de Melotronical,
o som era mais uniforme e a história menos complexa. No caso deste novo
trabalho, temos uma grande variedade de situações na história e diferentes
sonoridades, o que significa que em algumas faixas houve a necessidade de
encontrar algumas vozes diferentes que dessem voz a certos momentos da
historia.
Foi fácil
poderes contar e poderes trabalhar com todos eles?
Muito fácil, todos eles admiram o
nosso trabalho e nós o deles, por isso foi um prazer. Algo de muito importante
foi que qualquer um é extremamente acessível, simpático e sobretudo têm uma
segurança e experiência que garantem uma boa execução seja vocal seja
instrumental.
Em termos
sonoros, manténs mais ou menos a mesma sequência, voltando a apostar na tua
ficção científica progressiva. Como é que esses elementos surgem?
É verdade, até agora todos os álbuns
têm seguido uma veia de ficção científica, pois adoro explorar novas ideias e
ir mais longe que a própria imaginação se tal for possível. Estes elementos
surgem um pouco de todo o lado. Diria que é uma conjugação de tudo: da forma
como interpreto o Mundo e o universo, dos filmes e histórias que leio; mesmo
que me queira afastar dessa temática, a verdade é que o tema acaba por ser
retomado mais tarde ou mais cedo nos álbuns. Há muitas influências de filmes,
como o 2001 Odisseia no Espaço ou o Dark City; são filmes que adoro e aliás
tenho predileção por tudo o que saia fora do normal. Gosto de ficção científica,
gosto de mistério, de filmes de terror, de banda desenhada. No caso especifico
do Some Kind of Poetic Destruction, a
primeira ideia que surgiu, e que deu lugar à história, foi a de um casal a
fugir de uma cidade a ser devastada por pulsares sónicos e a partir dai foi um
desenrolar de ideias que acabei por colocar em papel, tendo esboçado primeiro
que tudo uma tracklist de situações e cenas que depois se iriam transformar
em músicas e letras. A ideia do oceano, da SeashoreDreams
é recorrente nas minhas histórias. O Mar tem algo de muito especial para mim,
talvez por ser Português, não sei. Há depois a ideia de várias estações do ano,
não propriamente as usuais, como Primavera, Verão, etc, mas sim espécies de microclimas,
em certas partes do mundo, onde se observa uma Dark Season e essa é outra das faixas do álbum onde a fantástica
Magali Luyten brilha, tendo sido uma convidada de honra no álbum.
Este é um
trabalho conceptual. Podes descrever sumariamente o que se passa em termos
líricos?
Tudo começa numa manhã aparentemente
calma, mas onde estranhos sons começam a ouvir-se a pouco e pouco e logo se
tornam-se ensurdecedores criando o pânico. Tudo isto é seguido de raios de luz
vindos dos céus. Temos duas personagens, onde a central acaba por ser a Kyra.
As personagens fogem da cidade que entra em colapso e a partir daí começa uma
aventura onde desvendam vários mistérios até perceberem o que de facto se está
a passar nesta estranha invasão do planeta. Passam por uma praia onde o mar,
entre sonhos, mostra através do seu reflexo uma enorme estrela perto da Terra;
assistem a estranhas guerras de sons nos céus; encontram um complexo no meio de
um vale onde uma estranha aula está a ser dada, entre outras coisas. A mensagem
principal deste álbum é que temos de ter cuidado com as nossas ações num
planeta que não é nosso, mas que apenas habitamos temporariamente. Vivemos
pouco tempo, pelo menos fisicamente, e o planeta continua. O álbum tenta
mostrar que o que conhecemos do universo não é nada. Não sabemos o que há lá
fora, nem tão pouco o que se passa aqui dentro. A mensagem é também a de
esperança, pois com esta ascensão do planeta vem uma nova vida, na qual a
humanidade ascende a um nível superior, a uma dimensão de som. É esse o sentido
da Join Us Into Sound e da Playing the Universe, as duas faixas que
concluem a odisseia. E quem é Kyra podes perguntar? Bem, a Kyra é como que uma
representação das emoções da tal estrela, mas na Terra. Ela prevê o que se vai
passar, sonha com essa estrela através da música Seashore Dreams e a sua longa viagem acabará por descobrir os segredos e levar a Terra a
juntar-se à estrela. A Kyra, irá reaparecer sob outra forma, no meu terceiro
álbum de Project Creation, pelo que as duas histórias vão interligar-se. Um
outro ponto que destacaria seria o portal interholo,
uma das ideias high tech do álbum. É
uma espécie de equipamento sofisticado, meio orgânico meio eletrónico (agora
lembrei-me do David Cronenberg!), que permite ligar a nossa mente a uma espécie
de nuvem onde são passadas notícias, filmes, etc... aumentando assim a
emotividade atribuída a cada visionamento. Isto permite que as pessoas possam
ter uma noção, um awareness, mais clara do que se passa à sua volta, no
Mundo, e que isso lhes fique na cabeça para poderem agir com maior força.
Um trabalho
conceptual com um título de poesia destrutiva. Existe algum significado
especial para o título escolhido?
Claro, uma supernova é poética; já na
obra 2010: Odyssey Two de Arthur C.
Clarke, livro e filme, Jupiter é engolido por monólitos, explodindo e
tornando-se num segundo Sol. Isto levou a que a humanidade ganhasse outra
consciência. O mesmo neste álbum, as lágrimas de tristeza da Estrela que nos
vigiava, caíram na Terra, fez-nos procurar pela razão desta invasão e conduziu
à ascensão da Terra a outra dimensão, a do som, através da Supernova dessa
Estrela. O título é também feito a partir da perspetiva de uma das personagens
que ao observar a cidade a ser como que engolida por ondas de som e sublimes
raios de luz diz 'Bem, isto é uma espécie de destruição poética'.
Porque fazer
uma remake de um tema teu antigo, Playing
The Universe?
Sempre foi uma faixa emblemática
minha e do projeto Sonic Pulsar. Muitos fãs recordam-se dessa música, portanto,
como agora consigo ter um poder de gravação e de mistura de maior qualidade,
quis regravar e refazer esse tema. Acresce que é um tema que termina em beleza
este álbum, pois esta ascensão da Kyra e da Terra, pelo cosmos, é feita através
do som pelo que 'tocam' o Universo, como que uma Tour pelo universo! Uma das diferenças nesta versão é que o piano
assume a melodia principal, sendo que a guitarra, baixo e bateria juntam-se no
ritmo coeso. A razão foi fazer com que o som fosse semelhante às restantes
faixas que perfazem o álbum, mantendo um som uniforme todo ao longo do álbum e
história.
Seashore Dreams foi o tema
escolhido para primeiro vídeo. Pergunto-te se houve alguma razão específica e
se estás a pensar em criar mais algum vídeo deste trabalho?
A Seashore
Dreams era a música que reunia tudo o que queríamos para um single: uma bonita melodia que fica no
ouvido, progressividade na música passando de muito soft a épica. Além disto, é a parte da história em que a personagem
principal sonha com o que ocorreu e com a tal Estrela que ninguém ainda tinha
visto, portanto acaba por ser uma espécie de epifania. Discuti este assunto com
a Jessica, e tínhamos varias hipóteses para um single, mas no final ambos concordamos que esta seria o single e vídeo ideal. Como já temos dois
vídeos, uma promo de 4 minutos e o
vídeo oficial, deveremos ficar por aqui em termos de vídeos oficiais.
E porque
razão a versão do vídeo é substancialmente mais curta que a versão original?
Tipicamente os singles têm cerca de 3 minutos e meio para passarem nas rádios; no
entanto a nossa tem 4 minutos e 20, o que já vai um pouco para além do usual. O
single, e respetivo vídeo, é como que
um cartão de introdução ou cartão-de-visita ao álbum, daí esta versão da Seashore Dreams ter o melhor da versão
longa. Com um clip tentamos também
que a música seja aceite pelo maior número de pessoas, e acho que o mix da versão de 4 minutos e meio está
perfeita para este intuito. Normalmente é também uma necessidade ao nível do budget
para o vídeo, pois passar a barreira dos 4 minutos torna a exigência ao nível
da diversidade de imagens muito maior, aumentando de forma significativa os
custos.
Vai haver oportunidade
de vermos Factory Of Dreams ao vivo? Se sim, qual será a banda?
Já ponderei essa hipótese, seja num
evento singular ou algo mais, mas ainda não se produziu mas não quer dizer que
não se venha a fazer. Vamos ver, a logística é complexa.
A terminar,
dou-te a oportunidade de acrescentares algo mais ao que já foi dito, quer para
os nossos leitores, quer para os teus fãs…
Grande
abraço, obrigado pelo enorme apoio que tens dado ao longo dos anos e pela
excelente entrevista! Aos leitores/fãs, procurem sempre comprar o álbum, pois
só assim conseguiremos continuar a produção de música.
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