Bem-vindos
aos Soundscapism Inc. o novo projeto de Bruno A., sobejamente conhecido pela
criação dos Vertigo Steps e com passagens, eventualmente menos mediáticas mas
não menos interessantes pelos Arcane Wisdom (que, como veremos, acabam por ter
uma importante ligação a este novo projeto) e Ugarit. Numa nova fase da sua
vida, a viver em Berlim e artisticamente mais orientado para as ambiências e
para a fotografia, Bruno A. lançou o EP homónimo em 2015 ao qual já se seguiu o
lançamento do álbum pela Ethereal Sound Works. O músico nacional falou-nos
deste seu novo ciclo.
Olá, Bruno, tudo bem? Como vai a vida por Berlim?
Oi Pedro, tudo impecável, obrigado. Cá continuamos a
tolerar o Inverno até dias mais solarengos, quentes e floridos aparecerem. Mas
janeiro foi bem gelado e branco e é sempre um gosto aproveitar para caminhar
entre as nevascas e sacar algumas fotos. Toda a sujidade urbana da cidade de
alguma forma se camufla por entre o vasto manto branco, que lhe confere um ar
etéreo e mágico.
O que te motivou a encetar esta mudança?
A vinda para aqui? Em 2009 ganhei cá
um estágio como músico (na prática, como assistente de um artista canadiano de
instalações multimédia interativas). Ainda nunca cá tinha vindo mas percebi
logo que esta era a cidade onde queria estar. Já em 2012, acabei por voltar
para ficar. Já tinha muitos anos de Lisboa e estava algo cansado das
mentalidades e provincianismo. É um país com muita coisa bonita mas que não
desenvolve, ainda muito fechado e chico-esperto
– e eu já não tenho paciência para isso. Vais beber um copo e vês 3000 putos betinhos, todos iguais, vestidos quase igual aos pais. É
assustador. Perguntas-te onde está a rebeldia e o individualismo? A tendência é
para o carneirismo e isso é triste. E
muita da malta mais criativa e de vistas mais largas acabou por sair do país, o
que não ajuda propriamente. Ao mesmo tempo tens a bela ”cultura” suburbana do
fato-treino e dias inteiros no shopping,
só mauzões... Por outro lado, agora quando lá vou, já posso dar novamente valor
ao que realmente gosto, como a cidade antiga e sua arquitetura e gentes, o rio,
as praias e areais vastos, a comida, sol e a família e os amigos que restam. E
de Verão desfrutar da natureza do Algarve, passear entre os laranjais da
família no sotavento perdido ou mergulhar nas ondas imponentes da costa
vicentina. Com isto não quero obviamente dizer que aqui tudo é perfeito, mas há
simplesmente uma atmosfera mais moderna, despretensiosa e cultural. Um mergulho
no lago, uma tour de bicicleta pelos
parques, uma cerveja junto ao canal, uma noite num clube, um por do sol num
telhado, concertos sem fim, festivais de cinema e arte... sempre algo
desafiante a acontecer. Só neste mês ingrato, já tivemos a Transmediale e a Berlinale,
fora o programa intenso normal. E com uma tolerância enorme à diferença.
Isto significa, portanto, que o ciclo Vertigo Steps
se encerrou? Ou que apenas foi, temporariamente, interrompido?
Creio que está definitivamente encerrado, pelo menos
nos tempos mais próximos. Não tenho planos de reativação. Mas não teve
diretamente a ver com a minha vinda para cá, já que por ex. eu e o Niko
(vocalista de VS) nunca vivemos no mesmo país. Ficam os álbuns, que continuam à
venda.
E num novo ambiente físico e social nasce um novo
projeto denominado Soundscapism Inc. De que forma este nome e a sua essência
artística está relacionado com as ideias musicais que agora desenvolves?
Era o nome de um tema bónus de Arcane Wisdom, que fiz
quando tinha 20 anos ou algo assim... E foi um conceito que sempre apreciei e
desenvolvi. Interessam-me muito atmosferas, texturas, paisagens sonoras,
ambiência. Se quiseres um exemplo curioso, até nos meus tempos mais black metal – em que muito pseudo trve se queixava de teclados e só queria
a coisa pura, direta e seca – eu apreciava intensamente a atmosfera de um In The Nightside Eclipse, Enthrone Darkness Triumphant ou mesmo do
Tales From a Thousand Lakes. Outro
exemplo curioso? Como fã de longa data de Iron Maiden, os meus discos
preferidos foram sempre a fase “progressiva” do Somewhere In Time/Seventh Son. Sim, o Steve Harris tinha uma
aptidão algo cheesy para linhas
básicas de uma nota de synth a seguir
a melodia principal, mas mesmo assim há uma magia que vem das teclas nesses
álbuns (vem-me à memória um Infinite
Dreams...). Pessoalmente, gosto de usar a guitarra de forma atmosférica,
mais típico de bandas de ambient/post-rock,
com efeitos e layers. E também de
empregar teclados com sons vintage ou
ambientais. Tudo o que se justifique e que o tema me peça.
Música para os sentidos, como já foi descrito,
certo?
Sim, é uma descrição possível, ainda que mais
conceptual do que propriamente específica. O que acaba por fazer jus à
sonoridade. Um som muito atmosférico e espiritual mas simultaneamente bastante catchy e memorável.
Mas porque essa tua opção de enveredares por algo
mais intimista e ambiental? Quero dizer, foi a tua ida para Berlim que motivou
este movimento, ou foste para Berlim porque procuravas fazer algo diferente?
Não creio que isso tenha muito a ver com a vinda para
Berlim. Eu já em Vertigo Steps fazia música extremamente atmosférica e os
planos que tinha para o futuro até iam na linha de um EP acústico. São
simplesmente os meus gostos e a direção para a qual a minha composição atual
mais se orienta. Ao mesmo tempo permitiu-me explorar mais intensamente a forte
vertente (de guitarra) acústica que sempre tive e também a parte mais
electrónica, que me agrada e continuarei a utilizar.
Visualmente continuas ligado ao João Filipe, que já
era responsável por esta área nos VS…
Exato. Gosto do muito do seu trabalho, contactá-lo foi
o procedimento natural e o resultado está mais uma vez à vista. Além disso, é
um amigo próximo e era das poucas pessoas a estar a par do som de S. Inc, desde
o início.
Neste teu primeiro EP, assumes a quase totalidade
dos instrumentos. Foi uma opção tua?
Foi a opção natural, já que isto é basicamente um
projeto a solo, e faço tudo aqui no meu home-studio.
E quis propositadamente manter tudo muito direto e sempre que possível
primeiro-take. Sem grande artifícios
ou sobreprodução, de forma a chegar de forma honesta diretamente ao ouvinte. De
coisas plásticas e artificiais estão os ouvintes fartos.
Para além disso contas com um par de convidados.
Como surgem eles neste projeto?
Contei com a Shara Laya para 3 seções de violino e o
Aki Heikinheimo para contrabaixo num tema – ela violinista de formação clássica
e ele baixista/produtor finlandês e um bom amigo. E, já mais recentemente, o
Flávio Silva, que vocalizou 2 temas e ainda tocou trompete e percussão num
desses. Tudo colaborações que enriqueceram o produto final e que me permitiram
desafiar-me também enquanto produtor – a possibilidade de trabalhar com alguns
instrumentos novos. Tenho naturalmente de destacar aqui o trabalho do Flávio,
que com a sua voz alterou consideravelmente dois temas, conferindo-lhes uma
dimensão adicional, muito forte e emotiva. Foi um prazer trabalharmos juntos
após estes anos todos!
Alone In Every Crowd foi a escolha para primeiro
vídeo. Porque essa opção?
Vários temas funcionariam; esse é um dos mais despidos
e emocionais e resulta extremamente bem em conjugação com as imagens. É um tema
bastante profundo e melancólico, muito pessoal, e com um título que penso dizer
só por si muito. Neste tema, dei azo a uma maravilhosa guitarra que adquiri
pouco antes. Foi todo ele construído à base de guitarra elétrica, excetuando o outro final e uma ambiência de teclado.
E esse tal outro muito dreamy e de que também gosto muito,
acaba por funcionar bem como encerramento do álbum.
E também surge da tua paixão pela imagem, daí o teu
fotoblog Überlin…
Sim, desde que vim para cá que me deixei apaixonar
pela fotografia e começar a fazer alguma, editar, etc. Daí surgiu também o fotoblog, ao aperceber-me de que havia
gente com bastante interesse no meu trabalho. Já fiz também algumas impressões,
a pedido especial. Gosto de fotografar o momento, a ocasião. E é uma fotografia
também ela muito moody e ambiental,
penso que adequada a uma certa vertente da cidade. E, claro, sempre ligada à
música e sons.
Este EP está apenas disponível em formato digital?
O EP sim, estava, mas o álbum foi agora editado a 19/2
pela Ethereal Sound Works. Já tenho cópias comigo e ficou um produto bem
interessante.
E para o novo ano, que projetos estão previstos
para os Soundscapism Inc.?
Sem dúvida que irei continuar a compor e gravar.
Eventualmente continuar a colaborar com outros músicos. Vamos ver o que daí
sairá.
Mais uma vez obrigado Bruno. Queres acrescentar
mais alguma coisa?
Obrigado pelo interesse e pelo apoio e rotação a este
projeto (e antes a Vertigo Steps) e continuação de sucesso futuro para a Via!
Aos ouvintes, que nos sigam – ou venham conhecer - pela página oficial de Facebook, Youtube e Bandcamp. Já é
possível encomendar o álbum por email.
Soundscapism Inc. tem uma sonoridade que tanto agradará a antigos seguidores de
Vertigo Steps, como a muita outra gente que se tem manifestado, com gostos
muitos distintos, simplesmente interessada em música emotiva, melódica e
profunda – que os faça viajar. E para os interessados em imagem, dêem um pulo
ao fotoblog Ü-Berlin. Cumprimentos a
todos e bem-haja!
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