Quarto álbum de originais
para um dos mais geniais projetos nacionais, os La Chanson Noire. Charles
Sangnoir, mentor do projeto, chegou a considerar a hipótese do seu fim, mas
felizmente isso não aconteceu e Evergloom
pode ser considerado o seu disco mais intenso. Já não conversávamos com Charles
desde o álbum de estreia, Música para os
Mortos, pelo que havia muitos temas a abordar. Aqui fica.
Olá Charles, tudo bem? Curiosamente, a última vez que tive
oportunidade de te entrevistar foi, precisamente, no teu álbum de estreia com
La Chanson Noire. Já estás no quarto. E pelo meio a notícia que La Chanson
Noire terminaria. O que te fez mudar de opinião?
Olá Pedro, é sempre um prazer poder trocar algumas palavras contigo!
Houve uma conjugação de fatores, tanto para eu considerar dissolver o projeto
como para, mais tarde, decidir não acabar com Chanson. Na verdade, o projeto
esteve parado durante seis meses e sem intenção de retorno; são essencialmente
questões de ordem motivacional. Todos os artistas, em determinado ponto, querem
mudar de rumo e experimentar coisas novas e foi o que me aconteceu, mas a certa
altura o chamamento foi demasiado grande e tive que voltar aos discos de
Chanson. É uma coisa maior do que eu, tem vida própria, e esse pequeno monstro
pediu para voltar a abrir as asas, felizmente.
Quanto a este álbum, como o analisas numa forma evolutiva do
teu processo criativo?
Acho que é uma mostra do meu percurso enquanto músico e enquanto
compositor - penso que é um disco mais limado, mais refinado, mas também um disco
mais intenso e amadurecido.
Em termos instrumentais, voltas a assumir praticamente tudo que
é instrumento com exceção da bateria…
É de resto habitual: tenho o meu próprio estúdio e sei como quero que as
coisas soem, por isso, tendo um nível de execução decente em vários instrumentos
é normal que acabe por gravar tudo e depois ir em busca de outros artistas que
possam dar outro colorido aquilo que está já feito...
E esses acabam por ser elementos que, realmente, acrescentam
algo de novo ao disco…
Exacto. Neste disco conto com a colaboração das vozes da Ana Ferrão e da Patrícia
Andrade (Sinistro) e com as guitarras de Phil Mendrix e M-pex, para além do
Diogo Beleza e do Ramon Galarza na bateria. É como falávamos há pouco: são
artistas que respeito e cujo contributo valorizo imenso, para além de termos
uma relação pessoal que torna todo o processo de gravação muito mais íntimo e
inspirador.
No entanto, parece-me haver um cuidado mais apurado na criação
de harmonias e melodias. Acho que estás com uma musicalidade mais apurada.
Ainda assim, uma musicalidade cada vez mais negra. Concordas?
Sim, concordo - neste disco não houve necessariamente uma busca nesse
sentido, mas todo um conjunto de experiências que ajudaram a construir esta
sonoridade: foi como um exorcismo, digamos. Fiz essencialmente aquilo que senti
que tinha que fazer e expulsei os demónios que tive que expulsar. O resultado
nem sempre é o mais coerente ou simpático mas é sem dúvida o mais autêntico.
Em termos líricos, continuas a ser o mesmo politicamente
incorreto?
Nunca fui de meias palavras e quando tenho algo para dizer, faço-o, seja
em canções ou não. Não é por necessidade de chocar ou ser politicamente
incorrecto, é mesmo por uma questão de honestidade para comigo e com o meu
público...
Mas, a portugalidade também aqui está presente. Como te surgiu
a ideia de incluir guitarra portuguesa num tema como Marinheiro de Aguardente?
A guitarra portuguesa tem surgido em quase todos os discos de Chanson,
faz parte do meu imaginário, embora neste tema pedisse para ser a principal protagonista;
na altura em que estava a trabalhar no tema tive a ocasião de conhecer o M-Pex
e a química que se gerou tornou óbvia a escolha!
Já agora há algum tipo de ligação entre os conceitos temáticos abordados
nos diferentes temas?
Há uma série de pequenas ligações esotéricas entre os temas, mas gostaria
de deixar essa descoberta aos ouvintes mais atentos ou dados a esses assuntos,
mas posso adiantar um pequeno detalhe: cada tema do disco corresponde a um
signo do zodíaco.
O disco está fantástico a todos os níveis, mas daí a ideia genial
da inclusão de um baralho de tarot. Como surgiu essa ideia?
Bom a verdade é que estudo ciências esotéricas há muitos anos, e quem me
é mais próximo sabe que dou consultas de astrologia e tarot. Inclusive, tive já a oportunidade, aqui há uns anos, de
fazer uma exposição de pintura relacionada com o tarot. Eu até tinha ideia de lançar o disco num formato mais
comedido, embora goste sempre que os meus discos sejam editados em formatos
diferentes. A ideia do tarot surgiu
do meu editor, o Daniel Makosch, que puxa sempre por mim e me inspira a fazer
coisas mais bonitas e complicadas.
Explica-nos aquela ideia da inclusão de um tema escondido lá para
trás, depois de uma vintena de faixas de silêncio?
É uma faixa que adoro, uma música que para além de extremamente bela,
teve um impacto sociocultural bastante importante, pois foi gravada numa altura
de tensão racial nos Estados Unidos, e ajudou de certa forma a levantar a
bandeira dos direitos humanos. Está como faixa escondida pois não fazia parte
diretamente do conceito do disco - é como um pequeno bónus, um pequeno tesouro
escondido.
A teatralidade e a fantasia continuam muito presentes, embora
me pareça que o grotesco esteja mais esbatido. Percebi bem?
A essência continua a mesma, talvez um pouco mais polida e elegante.
Este disco foi gravado entre Lisboa, Copenhaga e Marraquexe.
Foi uma logística pesada, não?
Na verdade o disco foi gravado apenas em Lisboa - foi, sim, composto
entre Portugal, Dinamarca e Marrocos - tenho tido oportunidade de viajar
bastante e tiro sempre tempo para compor e escrever quando viajo, para tentar
de certa forma absorver tudo aquilo que me rodeia.
De todos estes sítios recebeste inspirações diferenciadas que
transportaste para o disco?
No caso de Copenhaga serviu muito como inspiração literária e no caso de
Marraquexe tive oportunidade de me evolver em toda uma ambiência rítmica e
musical que quase tinha esquecido. Viajar faz bem à alma: toda a gente devia
sair de casa de vez em quando.
As reações primárias têm-te deixado orgulhoso, suponho. Gente
como Gimba, Fernando Alvim, Sónia Tavares, Nuno Calado ou José Luís Peixoto já
elogiaram o teu trabalho. Isso arrepia-te ou pressiona-te, ou nem uma coisa nem
outra?
Acima de tudo deixa-me feliz, acho que qualquer artista gosta de sentir o
seu trabalho reconhecido e acaba por ser como que uma motivação adicional.
Quando era mais puto talvez pudesse sentir esse tipo de reações como uma
pressão, mas neste momento sinto acima de tudo como um incentivo.
Em termos de palco, como está a tua agenda?
Depois do lançamento em Lisboa e do concerto em Paris, que correram
lindamente, vamos seguir para Londres e depois para um conjunto de 10 ou 12
datas em Portugal. Ainda estão algumas surpresas na forja, pelo que o ideal
será estar atento ao facebook de La
Chanson Noire.
Muito obrigado! Queres acrescentar mais alguma coisa?
Eu é que agradeço - sinto-me muito feliz por estar a partilhar este novo
disco e por sentir o calor e o interesse das pessoas! Muito obrigado!
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