Entrevista: Morte Psíquica

Nos anos 90 os Morte Psíquica nasceram no Alentejo em formato trio, mas é só agora que o coletivo, reduzido a duo, põe cá fora toda a negra criatividade que os carateriza. Fados do Além traz temas desses tempos, mas acrescenta outros mais recentes fruto da reativação do projeto. Tiago Borrões e Sérgio Pereira contam-nos tudo.

Olá pessoal! Deixem-me dar-vos os parabéns por esta ideia… era uma pena que um sensacional conjunto de temas como este caísse no esquecimento…
Muito obrigado pelas tuas palavras, por teres escutado estes sons e pelo apoio dado à Morte Psíquica. A Morte foi um projecto que construímos entre 1993 e 1995, éramos uns miúdos, mas a ideia e os sons criados nessa altura continuaram presentes nas nossas mentes; não foram esquecidos, de todo, e isso significa que pelo menos para nós venceram a marcha do tempo.

Mas quando surgiu a ideia de recuperar o vosso antigo espólio?
A ideia de trazer a Morte de volta à vida surgiu de um impulso, daqueles impulsos que não se explicam, no início de 2014, que eventualmente até podia nem ter acontecido. A vida tem destas coisas! Embora tivéssemos congelado a banda tantos anos, ela nunca saiu das nossas mentes, como referimos. Não foi algo que se tivesse esfumado nos tempos, no sentido em que ao longo dos anos seguintes, mesmo que esporadicamente, o assunto “Morte” aparecia nas nossas conversas. E chegámos a ligar as guitarras, uma ou outra vez, aqui e acolá, para desenferrujar os dedos e partilhar as emoções de tocarmos juntos.  
As tecnologias atuais permitem hoje ter um “estúdio” em casa com relativa facilidade, o que torna possível tocar, experimentar e gravar com boa qualidade. Sem problemas de tempo, à medida da vontade, do desejo e do prazer. Este aspeto foi fundamental para o regresso da banda ao ativo, nem que fosse apenas como banda de estúdio, como estava inicialmente previsto. De repente estávamos a recuperar o espólio da Morte Psíquica, observávamos os temas antigos ganhar novamente vida e novas cores, e com alguma naturalidade surgiram também novos temas que foram sendo igualmente trabalhados e gravados.

Durante a vossa primeira encarnação eram um trio. Agora aparecem reduzidos a duo. Porque não arranjaram um substituto para a terceira vaga?
O motivo é simples e pragmático. Não vivemos na mesma cidade, não nos podemos encontrar com a regularidade que seria necessária, e o tempo que temos disponível é o que é. É evidente que a introdução de uma bateria propriamente dita amplificaria este problema de agendas dos membros e seria um acréscimo de entropia, que seguramente não teria permitido termos feito tudo aquilo que entretanto fizemos desde 2014. De certa forma, ou era assim ou então não poderia ser. Pensámos nisso, tivemos de digerir esta decisão, e hoje vemos com naturalidade a Morte como um duo com bateria eletrónica.
 
Por isso, a baterias são todas programadas, correto?
Sim, absolutamente.

Mas permitam-me que vos diga que chega a parecer bateria real! Como conseguiram?
Começámos por ter um som de bateria sintético, mas quando começámos as misturas rapidamente percebemos que não estávamos satisfeitos com o som. Funcionou na maquete que usámos para gravar as cordas e voz, mas na mistura final, quando começámos a separar as peças para dar profundidade e criar ambiência não estavam a soar bem. A solução passou por usarmos samples de bateria real, o que levou inevitavelmente a que todas as baterias fossem reprogramadas de raiz.

Para as aparições ao vivo como farão?
Um dos tópicos que nos ocupou a mente, em tempos pretéritos, foi decidir se a Morte Psíquica iria tocar ao vivo, mesmo que pontualmente, ou iria viver apenas como banda de estúdio para gravar e editar os temas antigos e os temas novos que surgissem. A questão da bateria era realmente a principal questão que se nos colocava. Decidimos tocar ao vivo, de acordo com as nossas possibilidades, e com os convites, claro.

Por falar em aparições ao vivo, sei que já andam por aí a espalhar o vosso som. Qual a sensação de voltar a tocar estas canções em palco?
A sensação tem sido óptima, é sempre diferente quando se interage diretamente com o público e se recebe o feedback de imediato. A decisão de tocar ao vivo foi basicamente motivada pelo prazer de pegarmos nas guitarras para tocarmos juntos, e pelo enorme entusiasmo em divulgarmos e partilharmos os sons da Morte. Em 2015 tocámos ao vivo duas vezes e em 2016 já foram três, a última das quais no Festival Post-Punk Strikes Again (na CEO em Lisboa), ocasião em que a Morte saiu do Alentejo pela primeira vez na sua história.

Bem, voltando a esta coleção de canções – acabaram por regravar tudo, suponho. Naturalmente com um retoque ou outro…
O álbum Fados do Além resulta das gravações realizadas em 2014 e 2015. O ambiente sonoro da banda mantém-se, parece-nos, já que o objetivo central era o de pelo menos trazer a Morte Psíquica de volta à vida musical e recuperar o seu espólio. O baixo, que era a alma da Morte, mantém-se no cerne da questão, na liderança, une tudo o resto. No entanto, a combinação de várias guitarras a dialogarem através de diferentes estruturas sonoras, e a utilização de diferentes vozes em harmonias fizeram todos os temas evoluir, e de que maneira! É como se tocássemos versões mais complexas, mais cheias, dos temas antigos, que na altura consistiam no diálogo entre o baixo e uma guitarra, além da bateria e de uma voz no singular. Por outro lado, achamos que os temas novos seguem a mesma linha sonora, em grande medida, e pensamos que o álbum no seu conjunto reflete isso mesmo; apresenta uma certa homogeneidade, coerência, nomeadamente nos timbres, mesmo que os temas sejam diferentes entre si, personalizados. Dos nove temas que compõem os Fados do Além, seis fazem parte do espólio da primeira vida da Morte, dos anos 90, e três são novos. Adivinhem lá quais são os três temas novos?

E como surgiu a Ethereal Sound Works no vosso caminho?
O Gonçalo (Ethereal Sound Works) ouviu um tema do nosso CD no Club Noir e decidiu contactar-nos para adquirir alguns exemplares para ter disponível na loja online da Ethereal Sound Works. Mais tarde ele ofereceu-se para nos ajudar a divulgar o nosso projeto recorrendo aos contactos que tem. Algo que nós muito lhe agradecemos.

Mesmo considerando o reduzido tempo de mercado, a aceitação do álbum está a ser boa?
Sem dúvida que sim. De qualquer forma, o simples facto de termos podido editar este álbum fisicamente, em CD, já é para nós um enorme prazer. As opiniões de quem tem ouvido os Fados do Além têm sido extremamente generosas. Já ficámos sem palavras várias vezes.
  
A questão que agora se coloca é se estão os Morte Psíquica adaptados aos tempos modernos?
Parece que sim! Como referimos, o regresso da banda ao ativo foi em grande medida motivado pela existência das novas tecnologias. O álbum de estreia foi gravado através da troca de ficheiros entre nós, algo que só é possível e prático com a internet. A banda ultrapassou as muralhas de Évora devido à página no Facebook onde foram sendo divulgados diversos temas que iam sendo alinhavados em forma de maquetes. Entretanto com o lançamento dos Fados do Além surgiu também a nossa página no Bandcamp. Do ponto de vista artístico, musical, a banda move-se em águas infestadas de post-punk, darkwave e afins. Estes domínios estéticos sempre se mantiveram ao longo dos anos e há quem diga que estão mais vivos que nunca no seio da chamada música alternativa.

E poderemos esperar novidades – novos temas, novo álbum – para quando?
Todos os temas que foram trabalhados até o álbum Fados do Além ter sido lançado, foram gravados com o objetivo de virem a ser editados no futuro. Todos, sem exceção, representam para nós um enorme prazer musical, e consideramo-los absolutamente dignos e personalizados. Foram escolhidos aqueles nove temas para o álbum de estreia, mas podiam ter sido outros. Na altura da decisão, o critério usado teve muito a ver com a qualidade das gravações, suficientemente boa, que esses nove temas já tinham, e também com a nossa ideia, em abstrato, acerca do seu estado de maturação. Se todos os temas gravados já tivessem na altura a mesma qualidade em termos de som, e a mesma maturação, então teríamos tido bastante dificuldade em fazer a escolha, o que de facto aconteceu num ou noutro caso. Por isso haverá novidades no futuro, pois a série de temas que não foram ainda editados oficialmente irão sê-lo, mais cedo ou mais tarde. Aliás, vários desses temas não estão escondidos no armário, foram em tempos divulgados sob a forma de rehearsals, no estado em que se encontravam nesse momento.

Mais uma vez obrigado! Querem acrescentar mais alguma coisa?
Um enorme agradecimento à Via Nocturna e a todos os que têm recebido a Morte de braços e ouvidos abertos. Tem sido para nós um enorme prazer destilar e partilhar estes sons.  

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