Bruno A. continua a sua experiência alemã e a sua
abordagem a sonoridades bem menos imediatas, embora muito mais orientadas para
os sentidos, no seu projeto Soundscapism Inc. Desolate Angels é o nome
da nova proposta que traz algumas novidades em relação à estreia homónima.
Fomos perceber o que mudou e o que se manteve conversando com a mente criadora
deste projeto.
Olá Bruno! Como vai a vida por Berlim? Na realidade
há quanto tempo estás aí? Já estás perfeitamente adaptado à cidade e ao país?
Olá Pedro e obrigado pelo contacto!
Vai fazer 5 anos em junho, fora os 9 meses da estadia inicial, em 2009. Estou
perfeitamente adaptado, sim, conheço grande parte dos cantos, redutos, História
e idiossincrasias. Ou pelo menos do que me é possível, numa cidade com esta
dimensão e oferta cultural (e não só).
E continuas a criar paisagens emotivas e
intimistas. Poderemos considerar também paisagens frias?
Hm, boa questão! Penso que dependerá acima
de tudo da interpretação pessoal de cada ouvinte. A meu ver, o som, sendo como
dizes tão intimista e ligado a emoções, acaba por não ser de todo frio. Tem
suficientes atmosferas e texturas vintage
(i.e. diversos teclados antigos), que o “aquecem”, além da proximidade e
honestidade da produção e execução, maioritariamente espontânea e sem grandes
artifícios. O que não quer dizer que determinadas partes não evoquem ambientes
mais frios, tanto internos como externos. Por vezes interessa-me também a
ligação entre a eletrónica e a emotividade, o transmitir sentimentos profundos e
alguma quase-espiritualidade usando tecnologia e sons geralmente mais conotados
com a eletrónica.
Cerca de um ano depois, aí está Desolate Angels, o teu
novo disco está inspirado na selvagem imensidão da Islândia, não é?
Sim, saiu oficialmente a meio de janeiro e estou
bastante realizado com o resultado final! A Islândia... ainda que não
exclusivamente, é uma das inspirações presentes no álbum. Acabou por me
influenciar e colar tematicamente com o que pretendia, encaixou tudo como um puzzle. O álbum contém uma vertente algo
existencialista que conjuga com a atmosfera ríspida, inóspita e mágica da
Islândia. País que tive finalmente oportunidade de visitar em maio de 2016,
altura em que por exemplo tinha composto a faixa título, e acabou por inspirar
também todo o layout do álbum. Penso
que o meu som se coaduna na perfeição com aquelas paisagens épicas e
desoladoras, a um tempo deslumbrantes e melancólicas. Uma magia que mexe
contigo de formas estranhas: tive quase uma epifania ao iniciar a descida para
o aeroporto de Keflavík, quando de repente as nuvens se abriram para revelar
uma imensidão de glaciares, formações de escala tamanha que o nosso olho mal
consegue alcançar, e um céu vasto com nuvens em tons rosa e laranja saturado...
e isto às 2 da manhã. Agarrei na caneta e comecei a escrever, simplesmente, de
forma automática e impulsiva. Difícil de explicar, todo aquele magnetismo!
Como fazes para conseguir transmitir todas essas
emoções numa música tão despida, até em termos líricos?
Eu não considero propriamente que o som seja despido,
pelo contrário, trabalhei imenso com atmosferas a partir de todo o tipo de sons
e instrumentos e há N detalhes, N coisas a descobrir a cada nova audição
e a passar-se ao mesmo tempo, mesmo que alguns bem subtis. Optei por manter
maior simplicidade sonora nos 3 intermezzos
(Zwischenspiel) e na faixa bónus que
entretanto divulguei (Above Us Only Sky
e que apenas não saiu no álbum por ter sido criada mais tarde), cujas guitarras
reverberadas e imersas em delays falam
por si – não era preciso mais nada. Em termos líricos, cerca de metade do álbum
é vocalizado, o que constituiu também uma mudança considerável em relação à estreia.
Acabei por cantar em 6 temas, enquanto o Flávio vocalizou 3.
Desta vez assumes a totalidade dos instrumentos e
não há ninguém extra no capítulo instrumental, pois não?
Exatamente. Acabei por tratar de toda a instrumentação
sozinho, gravando os temas um a um, ao longo de vários meses. Mas o maior
papel, ainda que nem sempre imediatamente reconhecível, foi das guitarras –
ainda e sempre o meu principal instrumento e veículo de expressão. Além do
muito que fiz a nível de produção, com filtros e pistas com inúmeras
automações, tudo experiências que os temas pediram.
No capítulo vocal voltas a contar com Flávio Silva.
Uma voz que encaixa na perfeição nas tuas paisagens sonoras?
Sim, sem dúvida! Já é a segunda vez seguida que
tivemos oportunidade de colaborar e a “magia” acontece muito naturalmente. Na
estreia, o Flávio tinha cantado a Sommerregen
e a versão bónus da Tomorrow´s Yesterdays
(faixa da qual acabei de fazer uma nova versão que vos convido a ouvir muito em
breve), ao passo que desta vez cantou por inteiro a February North - num trabalho absolutamente notável - dividiu
comigo vocais mais rock no single Supernovas At Fever Pitch e acabou ainda a vocalizar o tema de
abertura Evening Lights, numa espécie
de mantra com morphoder em crescendo que resultou excelente. Foi
o último tema que escrevi para o álbum e acabou por ser o primeiro do mesmo,
além de ter algumas referências musicais (e não sei se alguém as terá detetado
até à data...) à própria Sommerregen.
Em termos de imagem voltaste a trabalhar com o João
Filipe? E a tua veia de fotógrafo foi aproveitada para aqui ou não?
Sim, já colaboramos desde os tempos iniciais de
Vertigo Steps e este foi sem dúvida o melhor trabalho gráfico - e a cooperação
mais fluída - de sempre. Ocorreu-me a ideia de lhe sugerir que trabalhasse a
partir de uma seleção de fotografias que tirei durante a estadia na Islândia (para
o meu fotoblogue Ü-Berlin) e correu mesmo
muito bem. Não me canso de navegar os olhos pelas imagens de capa e todo o
restante layout. Além de amigo
próximo, tem um talento e visão muito próprios e fora da norma do que por aí se
vai vendo, algo que muito aprecio e com que me identifico. Só o spread central já daria um poster excelente, vale a pena ser visto
em grande (tal como tenho no desktop
do iMac). Pena apenas que não tenha
sido possível avançar com a edição em vinil. Ainda assim, devo uma palavra de
congratulação à fábrica portuguesa que tratou da duplicação (via editora,
naturalmente), pois o trabalho final saiu perfeito.
Já que falamos de imagem, tens trabalhado o aspeto
dos vídeos?
Fiz um vídeo em slideshow
a partir de fotos islandesas na altura em que lancei o tema-título e já no
Outono, filmei outro para o single Supernovas At Fever Pitch, num único take através de uma noite de Berlim, que
depois editei ligeiramente. Funcionou bem, creio e é o que tenho ouvido. Como
se já não fosse suficiente compor, escrever letras, tocar os instrumentos todos
e cantar, gravar e produzir o álbum inteiro, tirar fotos para o layout, criar slideshows, gerir os social
media e sites, dar entrevistas,
levar os porcos a passar à praia... achei que podia experimentar também a parte
vídeo.
E palco? Está previsto alguma coisa?
Não, de momento nada. Não que não fosse interessante,
um dia, com o line-up e um set-up certos...
Bom, Bruno, mais uma vez obrigado pela tua
disponibilidade. As últimas palavras são tuas…
Obrigado eu! Como palavras finais, deixo apenas o
forte desejo que os leitores se dediquem a conhecer um pouco o som e estética
de S. Inc. Estou certo que muitos irão gostar, quer os que já seguiam Vertigo
Steps, quer novos ouvintes ou gente de quadrantes fora da música pesada que se
interesse pela minha interpretação muito particular de som ambiente, post-rock ou dream pop cinemático, pleno de atmosfera, guitarra acústica e
texturas sem fim de guitarra elétrica, amiúde acompanhada de ritmos e batidas e
de uma melancolia subjacente, quase pegajosa. E não se esqueçam de divulgar a
palavra!
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