Entrevista: Dave Kerzner

Os problemas por que passa a sua banda, Sound Of Contact, parecem não afetar Dave Kerzner que aproveita o seu projeto em nome individual para ir lançando discos – em estúdio e ao vivo. Depois de New World, surge Static, que volta a contar com um ilustre número de convidados (entre eles Steve Hackett) e já há projectos para lançar também este segundo CD em Blueray gravado ao vivo. De forma eloquente Dave Kerzner esclareceu Via Nocturna.

Olá Dave, como estás? Obrigado pela tua disponibilidade. Já passaram três anos desde a tua estreia com New World. Como ocupaste o tempo entre estes dois lançamentos?
Estou bem, obrigado. Depois de ter lançado New World no final de 2014, lancei uma edição deluxe no início do ano seguinte com um disco completo de músicas adicionais, fazendo um dois em um. Fiz isso porque tinha mais músicas que faziam parte dessa história. Depois, em 2016, comecei a trabalhar no álbum sucessor, Static, ao mesmo tempo que misturava o meu álbum ao vivo e o vídeo New World Live. Agora estou a misturar o meu segundo álbum ao vivo e vídeo Static Live, e já comecei o meu terceiro álbum de estúdio a solo. Continuo muito ocupado!

Ou seja, lançaste, durante o ano passado, algumas versões diferentes de New World. Que objectivos te nortearam para estes lançamentos?
Com a edição de luxo de 2015, quis compartilhar uma visão expandida da história que é mais cinematográfica com a música a envolve-la em peças instrumentais e músicas adicionais que contribuem com mais peças para o enigma desse álbum conceptual específico. Ironicamente, essa edição deluxe tornou-se mais popular do que a versão padrão do CD 1 do álbum. Quanto ao "novo" de 2016, World Live, sempre gostei da forma como as músicas do resultam quando tocadas ao vivo e, geralmente, um artista toca a maioria das músicas de seu último álbum ao vivo. Portanto, uma vez que a minha banda não consegue alcançar todos os nossos fãs em todo o mundo, tenho-me dedicado a oferecer álbuns ao vivo e vídeos dos concertos, em som surround para quem não pode ir a um concerto que é raro. Também é bom para as pessoas que tiveram a oportunidade de ver o espetáculo para que a experiência dure mais tempo. Reconheço que esta pode ser uma abordagem pouco ortodoxa do que faço com edições de luxo e álbuns ao vivo, mas simplesmente sigo pelo que eu gostaria de comprar dos meus artistas favoritos. Não consigo tirar o suficiente da música que gosto e muitos dos meus fãs sentem o mesmo. Alguns de nós costumávamos colecionar bootlegs com uma qualidade horrível apenas para ouvir o que as nossas bandas favoritas tocaram de forma diferente ao vivo.

Static é uma ópera rock. Nesse sentido, podes contar-nos um pouco sobre a história, conceito e personagens envolvidos?
Ao contrário do New World, que é uma história sobre a viagem de um personagem principal, Static é uma coleção de sub-histórias todas ligadas por um tema comum. Há um desafio de caos e confusão na maioria das nossas vidas, seja nos meios de comunicação social, nas páginas sociais ou nas nossas próprias cabeças. Cada música perfila um assunto ou uma personagem diferente com uma pegada psicológica particular. Às vezes é feito com algum humor negro cínico. Também é inspirado em filmes como Idiocracy, que retrata um futuro distópico com um sentido de humor e tragédia ao mesmo tempo. Poderia continuar aqui a falar sobre a história de cada uma das canções, mas não sei se temos tempo suficiente. O disco abre com uma música chamada Hypocrites, que aponta as ironias da nossa sociedade moderna e como nos enganamos em acreditar em loucos que dizem coisas como "deixar cair as bombas para lutar pela paz". Tu não lutas pela paz. A faixa-título, Static, lida com a desconexão e com a saída da grandeza por causa de uma distração, quer seja abuso de substâncias ou não estar presente porque se é viciado no telemóvel ou o que quer que seja. Há muito mais além disso e o álbum fecha com o The Carnival Of Modern Life, que atravessa a miríade do absurdo e ainda transmite uma sensação de esperança de que podemos sobreviver mesmo no meio de todos os "estáticos" que enfrentamos na vida diária. Muito filosófico mas, no entanto, e propositadamente mantive-o na fronteira de um pregador. Também não muito específico, pelo que, certamente pode ser aplicado a muitas pessoas e até certo ponto, eu mesmo. Está um álbum honesto. Brutalmente honesto.

Em termos do trabalho de criação deste disco, introduziram algumas mudanças na forma de trabalhar por se tratar de uma ópera rock?
Bem, na verdade, é o contrário. É uma ópera de rock por causa dos resultados das mudanças na forma como eu abordei este álbum. Há alguns anos atrás, juntei-me em estúdio com os elementos da banda com quem tocava - Fernando Perdomo, Derek Cintron e Randy McStine. Escrevemos música juntos em breves jams. Mais tarde ouvi o que criamos e fazia sentido. Hypocrites e The Carnival Of Modern Life eram apenas uma longa peça com improváveis ​e loucas ​aventuras musicais. O que se ouve no álbum é aquele desempenho original que acabou por ser editado e dividido em dois com outra parte improvisada fundida. Essa parte é o começo e o fim do The Carnival Of Modern Life. Esta trilha sonora inspirou a abordagem estilística da ópera rock para a produção, arranjo e escrita lírica do resto do álbum, enquanto a faixa-título Static, que foi originalmente escrita e gravada durante as sessões de New World, proporcionou a base do tema geral e ligou o álbum aos meus trabalhos anteriores. Enquanto New World foi escrito por mim musical e liricamente, Static, musicalmente está meio escrito por mim e em colaboração com uma banda ao vivo em estúdio. Portanto, existe mais aquela sensação de banda, assim como este distorcido elemento musical à Broadway que acabou por sair naturalmente. Ou seja, eu escrevo todas as letras, tendo em atenção as histórias e arranjos do álbum conceptual.

E isso implicou substanciais diferenças em relação aos teus trabalhos anteriores ou não?
Intencionalmente não. Eu apenas escrevo e gravo o que sai e me parece adequado. Naturalmente, isto evolui e gosto de evitar qualquer coisa que possa soar artificial ou forçada. Algumas coisas poderão ligar-se ao meu álbum anterior ou a músicas que escrevi com os Sound of Contact ou com outras bandas e projetos. Algumas coisas serão corajosamente novas e inovadoras. O que posso fazer é seguir fiel à minha arte e expressar o que gosto. Acho que os músicos com quem colaborei têm gostos diversificados e sentem o mesmo que eu.

Sendo que trabalhaste com alguns convidados, como se proporcionaram essas participações?
Há uma variedade de convidados especiais em Static, mas menos do que no meu álbum de estreia, New World. Eu queria continuar com a minha banda principal, que é Fernando na guitarra e baixo, eu mesmo em teclas, guitarra acústica e vocais e Derek Cintron na bateria. Na música Chain Reaction temos o Alex Cromarty, Stuart Fletcher e Chris Johnson, porque este tema foi originalmente escrito para um projeto chamado Mantra Vega, mas decidi guardar essa e mais algumas músicas para os meus álbuns a solo. Colin Edwin dos Porcupine Tree já havia tocado na faixa título Static quando fez as sessões para o meu álbum New World. Também tocou em Into The Sun do New World. As Irmãs McBroom, Durga e Lorelei, vocalistas dos Pink Floyd, também voltaram como convidadas especiais. Depois, há um dos meus maiores heróis de todos os tempos, Steve Hackett, dos Genesis, que voltei a convidar, desta vez para uma música chamada Dirty Soap Box, que é um aceno aos primórdios dos Genesis, por volta de meados dos anos 70. É como uma versão moderna do estilo Broadway Melody of '74, mas com temas de hoje.

De facto, Steve Hackett é o mais mediático. Como resultou essa experiência com esta lenda viva do prog rock?
Foi incrível por vários motivos. Não é só a emoção de trabalhar com um ícone da música com o qual cresci a ouvir e a admirar. Com Steve, em particular, tenho uma ligação especial, musical e pessoal. Ele é alguém que eu realmente posso chamar de amigo e nós gostamos de trabalhar juntos. Ele tem um espírito intemporal e mostra na música que cria que ainda é bastante prolífico. Steve também é uma das pessoas mais simpáticas ​​que já conheci no negócio da música. Um bom coração. Humilde e amigável. Ele não age como uma lenda viva do prog rock. Na verdade, ele trata-me a mim e aos outros artistas com os quais trabalha como um igual, que é como, realmente, deveria ser. Isto são apenas ilusões e ele sabe isso. O que é importante para ele, é importante para mim e isso cria algo que move as pessoas. Já colaboramos várias vezes e tem planos para continuar, por isso é mais do que simplesmente uma novidade. É um autêntico e raro caso intergeracional e o que estamos a fazer não tem preço para mim.

Enquanto isso, continuas a compor para os Sound Of Contact, certo? Qual é ponto da situação em relação a eles?
Bem, a situação atual é que Simon Collins e Kelly Nordstrom decidiram deixar a banda. Portanto, de momento estou a trabalhar para descobrir como lançar as músicas com as quais contribui para o segundo álbum. Ainda colaboro com Matt Dorsey. Provavelmente as únicas colaborações com Simon serão aquelas em trabalhamos anteriormente. Gosto de evitar falar de detalhes sobre as lutas dentro de uma banda. Esta, em particular, teve muitos desafios e com todos a viver em diferentes partes do mundo com abordagens muito diferentes de como ou quando querem trabalhar, pode levar anos para fazer um álbum sem se ver a luz no fim do túnel. Por exemplo, terminamos o Dimensionaut em 2010, mas só foi lançado em 2013. Portando, devido à nossa inconsistência no line-up e talvez devido à existência de muitos cozinheiros na cozinha, como eles dizem, não houve um sucessor em mais de 4 anos. As pessoas adoram o primeiro álbum e é realmente é uma pena que não tenhamos mantido as coisas juntas, já que poderíamos ter lançado muitos álbuns desde a altura em que começamos até agora. Não quero culpar ninguém. Só posso dizer o que sinto que é que a vida é curta e eu gosto de enfrentar o touro pelos chifres e avançar. E acredito no ditado que diz que o tempo não espera por nenhum homem. Acho que o momento é incrivelmente importante em qualquer empreendimento criativo, tanto que estou triste que tenha havido, ainda, outra divisão na banda e estou ansioso por um fluxo constante de lançamentos de álbuns prolíficos. Isto é algo que eu posso fazer como artista a solo vs. estar numa banda com mais de um líder. De qualquer forma, cada um de nós leva adiante o estilo de composição e execução que trouxemos para Dimensionaut e o que vale a pena é ser um álbum com muito teclado. Sendo assim, comigo como teclista e a escrever todas as músicas, posso pelo menos prometer mais space rock orientado para os teclados que vêm de mim. Por outro lado, alguns dos elementos que as pessoas gostam e que vêm dos outros componentes podem, muito provavelmente, ser ouvidas nos outros projetos em que estão a trabalhar. Quanto ao futuro dos SOC sem Simon e Kelly, não sei o que acontecerá se houver algo sob essa denominação. Mas, algumas bandas como Marillion e Genesis conseguiram reinventar-se com novos vocalistas, portanto, nunca se sabe. Agora, a minha primeira prioridade é recuperar as músicas, por isso os fãs dos SOC podem, pelo menos, aqui, perceber um pouco do que seria ser uma prequela de Dimensionaut. Falarei mais sobre isso, em breve.

Há planos para levar Static para palco?
Sim, mas como já disse, apenas posso fazer uma tournée limitada por causa de restrições orçamentais e também devido às agendas dos músicos com quem trabalho. Já tocamos em três festivais e andamos em tour nos EUA com os District 97. Num dos festivais em fomos cabeça de cartaz, o ProgStock em Nova Jersey, tocamos o álbum inteiro gravamo-lo em áudio e vídeo. Será a principal fonte para o CD e BluRay Static Live que iremos lançar. Este ano iremos atuar no Yes's Cruise To The Edge e já fomos anunciados como co-headliners do festival Prog Dreams em Zoetermeer, na Holanda. Esse é o lugar onde gravamos o vídeo de concerto do New World Live e também iremos gravar essa atuação. Além disso, espero atingir a Europa este ano, talvez no verão ou na primavera. Antes do final do ano, terei um novo álbum de estúdio, além de alguns álbuns de tributo que estou a produzir com as bandas de prog rock que gostamos. De um modo geral, gostaria de equilibrar uma boa quantidade de trabalho de estúdio com qualquer coisa ao vivo que eu faça.

Obrigado, Dave. Queres acrescentar mais alguma coisa?
Obrigado. Gostaria de dizer que aprecio que alguém aproveite o tempo para descobrir nova música. Não podemos simplesmente ouvir os mesmos álbuns fantásticos uma e outra vez. Há muito prazer na nova música que se está a fazer.

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