Magistral
na execução, marcante na história da música nacional, estudioso, investigador e
eloquente no discurso. Depois de um memorável A Presença, Serena e Terna,
Hélder Bruno concede-nos uma brilhante entrevista onde se aborda o seu
riquíssimo historial, bem como, naturalmente, o seu álbum de estreia.
Olá,
Hélder, tudo bem? Antes de mais, parabéns pelo teu excelente trabalho. Agora,
gostaria que falasses um pouco do teu trajeto musical até chegares a este
lançamento?
Olá,
Pedro! Estou muito bem. Obrigado! Espero que também estejas bem!
Muitíssimo obrigado! É uma grande felicidade e uma honra merecer as tuas palavras. Muito obrigado! A Música sempre teve um papel central na minha vida. As primeiras memórias que guardo são de um piano “de brincar” e das sessões de gravação que fazia coma família. Ainda tenho essas cassetes… A Música é o epicentro de tudo o que fiz até hoje. É o esquadro e o compasso da minha vida. Fonte inspiradora, escola e lição. Nos vários vetores da minha existência: da investigação à criação, da especulação à operatividade, da educação à política, da cultura à economia, a Música esteve sempre presente e foi “a fonte”. Foi assim que passei pela política enquanto vereador (da educação, cultura, juventude, turismo e empreendedorismo) na Câmara Municipal da Lousã. Da Música e dos fenómenos sobre os quais me debrucei (desde 2001) sistematizei uma metodologia de apoio à decisão para a definição de estratégias de prosperidade (os conceitos “desenvolvimento” e “sustentabilidade” não dizem tudo e estão gastos, já para não falar de “desenvolvimento sustentável”… isso então!... é uma redundância: se não for sustentável não é desenvolvimento… por isso prefiro prosperidade e, se possível, sem crescimento… mas isto é para outros fóruns). Renunciei ao mandato, em abril de 2016, e decidi que só iria fazer o que me apaixonasse. Foi assim que regressei às atividades que desenvolvia antes de estar como vereador. É assim que surge a vontade – motivada pelos músicos e técnicos, amigas e amigos – de regressar à operatividade musical. Em junho de 2015 apresentei o espetáculo na Academia de Bailado da Lousã, a convite da sua fundadora, Joana Ruas. A receção foi tão positiva que começámos a pensar em apresentar noutros palcos espaços. Dois anos depois, foram já vários os espetáculos, inclusivamente dois na Holanda, e este álbum. Estamos muito felizes e gratos pela viagem que nos têm proporcionado fazer.
Muitíssimo obrigado! É uma grande felicidade e uma honra merecer as tuas palavras. Muito obrigado! A Música sempre teve um papel central na minha vida. As primeiras memórias que guardo são de um piano “de brincar” e das sessões de gravação que fazia coma família. Ainda tenho essas cassetes… A Música é o epicentro de tudo o que fiz até hoje. É o esquadro e o compasso da minha vida. Fonte inspiradora, escola e lição. Nos vários vetores da minha existência: da investigação à criação, da especulação à operatividade, da educação à política, da cultura à economia, a Música esteve sempre presente e foi “a fonte”. Foi assim que passei pela política enquanto vereador (da educação, cultura, juventude, turismo e empreendedorismo) na Câmara Municipal da Lousã. Da Música e dos fenómenos sobre os quais me debrucei (desde 2001) sistematizei uma metodologia de apoio à decisão para a definição de estratégias de prosperidade (os conceitos “desenvolvimento” e “sustentabilidade” não dizem tudo e estão gastos, já para não falar de “desenvolvimento sustentável”… isso então!... é uma redundância: se não for sustentável não é desenvolvimento… por isso prefiro prosperidade e, se possível, sem crescimento… mas isto é para outros fóruns). Renunciei ao mandato, em abril de 2016, e decidi que só iria fazer o que me apaixonasse. Foi assim que regressei às atividades que desenvolvia antes de estar como vereador. É assim que surge a vontade – motivada pelos músicos e técnicos, amigas e amigos – de regressar à operatividade musical. Em junho de 2015 apresentei o espetáculo na Academia de Bailado da Lousã, a convite da sua fundadora, Joana Ruas. A receção foi tão positiva que começámos a pensar em apresentar noutros palcos espaços. Dois anos depois, foram já vários os espetáculos, inclusivamente dois na Holanda, e este álbum. Estamos muito felizes e gratos pela viagem que nos têm proporcionado fazer.
Neste
disco tocas piano e és o responsável por todas as criações e orquestrações, não
é? Em que é que inspiras para criar?
Sim.
É verdade. E duas letras das 3 canções também são da minha autoria. A outra é
de Fernando Pessoa (Hiemal, poema de
1917), da canção interpretada pelo Nuno Guerreiro, à qual chamei Balada das Fadas e cujo teledisco está a
circular nos canais cabo internacionais.
A inspiração surge no trabalho da busca. Emerge do desbaste da “pedra
bruta”, ao piano, no pensamento, na relação entre a criação (ou criatividade) e
as possibilidades reais (técnicas, organológicas, científicas…). Nem tudo é
possível, quer ao nível anatómico, por exemplo, quer ao nível organológico (uma
vez que existem limitações técnicas e específicas de cada instrumento – da
afinação à tessitura, das tonalidades à orquestração…). Para além de tudo isto,
imagens, contos, histórias, filmes, paisagens, poesia, romances, situações do
que é o mais simples dos quotidianos podem servir de mote para novas peças. Foi
o caso deste álbum.
Tens
um riquíssimo percurso em termos de formação musical. Queres fazer uma breve
resenha histórica?
Iniciei
os estudos formais de música no Conservatório de Música de Coimbra, aos 11
anos, onde ingressei no curso de piano. Por volta do 5.º grau apaixonei-me pelo
Jazz. Fiz vários workshops e passei depois pela Escola de Jazz do Porto. Ainda no Conservatório de Música de Coimbra
apaixonei-me pela Musicologia. O objetivo passou a ser, então, “ser musicólogo
quando fosse grande”. Em 1999, licenciei-me em Educação Musical na Escola
Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra. Em 2001, ingressei no
mestrado em Ciências Musicais da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
que concluí em abril de 2005. Em 2007, iniciei o doutoramento na Universidade
de Aveiro (que suspendi entre 2009 e 2016, uma vez que assumi a função de
vereador na CM Lousã). Regressei novamente ao doutoramento em 2016.
Ao
longo da tua carreira também já tiveste oportunidade de tocar com nomes grandes
da música portuguesa. Que memórias guardas desses momentos?
Muito
boas memórias e experiências riquíssimas. Sem dúvida. Enquanto estudante de
licenciatura tive a oportunidade de desenvolver uma atividade performativa
muito intensa. Da música tradicional à música erudita, do jazz à música experimental, participei em vários projetos. O que me
vem rapidamente à memória, sem esforço, são as minhas colaborações pontuais com
Né Ladeiras (com Amadeu Magalhães, Miguel Veras, João Balão); Jorge Palma; Nuno
Guerreiro (com a Orquestra Filarmonia das Beiras); Cool Train Trio (com Jorge
Queijo na bateria e Miguel Falcão no contrabaixo – ensaiávamos na República
Corsários das Ilhas); Coletivo de Improvisação (com Rodrigo Amado, Zé Oliveira
e Pedro Roxo); gravação no disco de Andrés Stagnaro, com Miguel Guedes no disco
dos Bodhi (do meu querido amigo Paulo Jacob); Balada das Fadas (uma homenagem a
Zeca Afonso por onde passaram Mariana Abrunheiro e Inês Santos na voz); Maré
Alta (com músicos de vários projetos, entre os quais da Brigada Vitor Jara); o
projeto Amar a Margem (dos amigos Amílcar Cardoso e Ofélia Libório); e a minha
banda de rock (estivemos no Rock Rendez-Vous, em 1994).
Se
te perguntasse, qual desses momentos te deu maior prazer/satisfação fazer, o
que me dirias?
Não
consigo dizer… Qualquer um dos que referi anteriormente estão muito presentes
em mim. No entanto, talvez possa referir que os momentos que mais me preencheram
foram as vezes aqueles em que dirigi orquestras de câmara (dirigi a Stabat
Mater de Pergolesi, Concertos de Vivaldi, peças minhas, entre as quais uma opereta).
Depois
dessas experiências arriscas o teu próprio trabalho. De que forma o
caraterizarias?
É
uma narrativa em 12 peças, compostas e orquestradas para voz, quarteto de
cordas e piano. É um trabalho biográfico (uma vez que reúne músicas que compus
ao longo do meu percurso e outras, compostas propositadamente para este álbum).
Chama-se A Presença, Serena e Terna e
pretende estimular no ouvinte um conjunto de sensações, afetos e emoções de
satisfação e bem-estar. Através do universo sónico-musical de cada peça (onde o
enquadramento harmónico e melódico, a forma, a estrutura, o discurso e o
vocabulário utilizados), e do próprio título, julgo que o ouvinte poderá ser
estimulado a elaborações imagéticas positivas e a criar estádios de espírito “reparadores”,
talvez, que os prende ao momento e anula o ruído do pensamento automático e da “escravidão
mental” a que estamos sujeitos. Nada de novo… a música desempenha várias
funções desde que há registos. Desde logo, por exemplo, no Antigo Testamento…
mas também noutras correntes religiosas e espirituais anteriores, de outras
culturas e civilizações. Curiosamente, tenho recebido várias mensagens de
pessoas que afirmam ter sentido, de alguma forma, o que descrevi anteriormente.
Algumas delas bastante pessoais e que me deixam profundamente grato. A minha
amiga Danielle Martins publicou um livro recentemente, em coautoria com
Katerina Cozias, ao qual chamou Mental
Slavery e foi através da minha música que nos conhecemos. A Danielle também
refere essa particularidade “retemperadora” da minha música. Outra curiosidade,
a este respeito: em março, depois dos concertos na Holanda (em Amesterdão e em
Utrecht, organizados pela Q.Art), a comunidade de Jesuítas dos Países Baixos e
da Flandres publicou um artigo acerca da minha música e refere “a música
meditativa de Hélder Bruno” e inseriu na sua playlist para meditação duas faixas do meu álbum. Estas reações
superaram tudo o que eu próprio julguei ser possível. Aliás, nunca me senti
capacitado para alvitrar essa pretensão de compor música que tivesse esta
capacidade operativa que me tem sido transmitida.
Para
além de exímio músico e um estudioso, sei que também escreves. Que obras tens
lançadas?
A
adaptação da minha tese de mestrado foi publicada pelas Edições Almedina sob o
título Jazz em Portugal, 1920-1956
(Almedina, 2006). Depois, há um livro intitulado 10 Clássicos do Jazz, publicado pelas Edições Media Promo, e dois
livro-cd, sobre a vida e a obra de Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, também da
mesma editora. Para além destas, escrevi dois prefácios – num livro de Ana
Sêco, sobre o combate de Foz de Arouce - Lousã (aquando das Guerras
Peninsulares, em 1811), e num livro de José de Almeida, um livro que contém um
romance histórico sobre o Padre João de Cáceres e a sua cronobiografia –,
publiquei alguns artigos na imprensa periódica. Mantenho uma colaboração do
jornal Diário As Beiras, onde publico quinzenalmente uma coluna de opinião
sobre assuntos gerais: sociedade, política, cultura, economia.
Voltando-nos
agora para A Presença, Serena e Terna, como procedeste à escolha dos músicos
que te acompanham? Parece que esse foi um elemento fundamental para este disco…
De
facto. A escolha dos músicos foi fundamental. A qualidade global do projeto
dependia da qualidade de cada um dos seus intervenientes. Por isso, no caso das
vozes, do quarteto de cordas e da percussão que queria inserir num dos temas,
foi fundamental escolher músicos que reunissem as qualidades e as competências
necessárias para se alcançar a qualidade que desejava. É assim que surgem Maria
Kagan e Tünde Hadady (violinistas), Rogério Monteiro (viola d’arco) e Feodor
Kolpashnikov (violoncelo): músicos de elevada qualidade em qualquer parte do
mundo, que já tocaram com os melhores solistas do mundo e com algumas das
melhores orquestras da europa, e foram dirigidos pelos melhores maestros do
mundo). O quarteto de cordas é uma formação muito exigente. A minha escrita e o
material musical e os recursos que utilizo exigem uma elevada coesão e
inter-relacionamento no quarteto e deste com o piano, particularmente. Por
outro lado, a compreensão da minha estética, da minha linguagem, do meu
vocabulário (o que define este álbum) levou vários meses de trabalho até se
alcançar o resultado sónico-estético, o resultado musical, que pretendia. E se
não fossem estes músicos não conseguiríamos alcançar o resultado pretendido.
Com as vozes foi exatamente o mesmo processo. A Mafalda Camilo é o soprano que
imaginava. É uma cantora que reúne todas as caraterísticas que pretendia:
esteticamente, tecnicamente, humanamente. Representa e interpreta tal como
ambicionava. Há ainda duas participações que me satisfizeram muito: a do cantor
Nuno Guerreiro (da Ala dos Namorados) que interpreta a canção Balada das Fadas, com poema de Fernando
Pessoa (de título original Hiemal) e
do percussionista Marito Marques em Alentejo.
O álbum foi gravado nos Atlântico Blue Studios, em Paço D’Arcos, por André
Tavares, e misturado e masterizado por João Ganho, nos estúdios o Ganho do Som,
em Lisboa.
Entre
esses músicos, destaca-se a colaboração de Nuno Guerreiro. Como se proporcionou
essa ligação?
Já
tinha tocado com Nuno Guerreiro, aquando da digressão do seu álbum a solo, em
1999. É um cantor que possui um conjunto de caraterísticas muito peculiares. É
bastante eclético esteticamente e também ao nível interpretativo. Tem a
possibilidade de utilizar vários timbres e colocações… Possui uma tessitura bastante
ampla… Enfim, é um fenómeno. Assim que se ponderou gravar o nome de Nuno
Guerreiro foi um dos que ponderei convidar. E assim foi: enviei-lhe o tema Balada das Fadas, ele gostou e aceitou.
Depois, as nossas estruturas conversaram e definiu-se a colaboração. Estou
muito feliz que tenha sido possível.
Já
agora, porque a escolha deste título A Presença, Serena e Terna?
É
uma tentativa de (auto)consciencialização acerca do tempo que vivemos: temos
excesso de estímulos, excesso de ruído, excesso de informação, excesso de
consumo… É tudo em excesso. E esse excesso de tudo só se justifica pela nossa
(individual e coletiva) ausência. Ausência de lucidez, ausência de consciência,
ausência de afetos, sentimentos e emoções. E é disso que verdadeiramente
precisamos: sentimentos, afetos, emoções. E isto, só se compreende, só se
aceita e só se transforma se estivermos verdadeiramente presentes. Por isso,
muito modestamente, senti que a narrativa que apresentava neste álbum, em 12
peças, poderia ser intitulada desta forma: A Presença, Serena e Terna.
Ainda antes de gravares o CD, já tinhas tido oportunidade de apresentar
estas músicas ao vivo. Esse efeito palco acabou por proporcionar alguma
moldagem dos temas?
Sim. Aliás, o álbum só resulta porque a aceitação do público nos vários
espetáculos, ao longo de 2016, foi de tal forma motivadora e inspiradora que
decidi avançar com o álbum. Para além das apresentações públicas, que contam
com a direção técnica (som e luz) de Filipe Ferreira (MovingWork) e com a produção de Sofia Martins (Cherry Blossom), terem servido para
perceber a reação do público – que superou as minhas melhores expetativas –
também serviram para proceder a algumas adaptações, de acordo com o que fui
percebendo do público e dos próprios músicos.
E
vais continuar a apresentar este disco ao vivo? Há planos para alguma tour ou
algo do género?
Sim.
Claro! Isso é uma das razões de estar na operatividade musical. Este ano
comecei a temporada na Holanda, com dois concertos: um em Amesterdão e outro em
Utrecht. Depois, já realizei vários em Portugal e vamos continuar. Tenho o
espetáculo preparado para ser apresentado em vários formatos: do piano solo à
formação completa com projeção de fotografias da Lieve Tobback. Tenho várias
datas até ao final do ano. Curiosamente, tenho estado a apresentar o álbum, ao
piano, nas belíssimas Aldeias do Xisto. Tem sido muito inspirador.
Obrigado
Hélder. Queres acrescentar mais alguma coisa?
Quero
agradecer a atenção que me dedicaste. É uma honra ter estado aqui, neste blogue, que é já uma referência
histórica! E depois, posso dizer que o segundo álbum está já em construção. Muitíssimo
obrigado!
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