Entrevista: Suzi Silva


Quem procura sonoridades desafiadoras deve dar uma oportunidade a Suzi Silva e a Fad’AZZ. A cantora portuguesa radicada no Canadá apresenta, no seu primeiro disco, uma soberba mistura de jazz e fado (entre outros géneros como a bossa nova, por exemplo) que lhe tem granjeado bastante reconhecimento além-fronteiras, inclusive tendo sido galardoada com alguns prémios. Diretamente do Canadá, Suzi Silva respondeu a Via Nocturna, numa entrevista abrangente e clarificadora da motivação da cantora. Uma artista portuguesa, com certeza!

Olá Suzi, tudo bem aí pelo Canadá? E a primeira questão é mesmo essa – o que faz uma portuguesa no Canadá?
Olá! Eu vim para o Canadá porque aqui tinha a oportunidade de fazer coisas que em Portugal não podia. Ainda existe muito aquela sensação, em Portugal, que as coisas só acontecem para quem se encontra nas grandes cidades. Eu queria estudar música e estava já a perceber que em Portugal, com a crise especialmente, iria ser muito difícil.

A tua carreira artística já tinha começado em Portugal ou apenas começou no Canadá?
Esta pergunta responde um pouco à primeira pergunta em si... Sim, eu sou cantora há muitos anos, mas enfim, em meios pequenos não há como se destacar. Mas eu queria ser mais do que cantora. Por isso a necessidade de estudar música.

De que forma o fado e o jazz se cruzam nas tuas influências?
De todas as formas. É esse o meu conceito. A ideia de juntar fado e jazz veio da minha paixão por ambos os estilos. O fado trago no sangue e o jazz foi algo que eu descobri e aprendi a amar. E a ideia de os juntar foi quase natural para mim. Como? Aí já foi mais difícil. Mas como uma boa formação e muito estudo/pesquisa/análise resultou no que hoje eu chamo Fad’Azz. Há vários níveis de fusão, quer seja a nível harmónico, quer seja a nível de fraseado/ornamentação, quer seja pelos arranjos, quer seja pela emoção....  Há elementos aqui e ali de ambos os estilos.

Mas, para além destes dois estilos, aventuras-te noutros. De onde vêm todas essas influências?
Sou uma pessoa muito aberta. Gosto de música e isso faz com que escute/procure conhecer vários estilos. Depois, como dizia Le Corbusier, nós somos esponjas e assimilamos o que nos rodeia, no final acabamos por usar algumas das coisas que nos ficam. Para mim a música não é um universo fechado e hermético, a troca de ideias e as influências fazem parte da música desde sempre. Porquê parar? Não quero fazer música de “museu” (algo que estagna por mais que seja bom e não evolui mais), quero fazer música viva e que toque as pessoas, independentemente de onde venham.

E, de acordo com a tua formação musical de base onde te inseres, ou onde te sentes mais à vontade?
A minha formação académica foi na área do Jazz. Foi escolha minha. Depois de um ano no conservatório achei que – embora tecnicamente seja importantíssimo – para o que eu procurava era preciso algo mais aberto e mais inclusivo do que formação clássica. Não queria ser uma virtuosa de nada, queria ser uma música capaz e com ferramentas para me organizar e poder criar a minha música. Portanto na base de formação eu venho do jazz. Depois há o fado, que não se aprende – ou está lá ou não está... E embora eu tenha feito pesquisa e análise de fado (para justificar as minhas composições), no fundo o que sobressai é o que já aqui existia naturalmente. Comecei a cantar fado com 11 anos. Saiu naturalmente. Faz parte de mim.

Entretanto, Fad’AZZ o teu trabalho de estreia, lançado há cerca de um ano, tem sido muito bem-recebido e até já tens recebido prémio, não é? Queres contar-nos?
Fad’AZZ só foi possível porque eu tive a coragem de sair da minha zona de conforto. Largar tudo e vir para aqui estudar. Obtive uma bolsa do CALQ (conseil des arts et lettres du Quebec) que me permitiu dar corpo ao projeto. Só pelo facto de ter recebido a bolsa já em si demonstra a abertura e interesse que aqui se gerou em torno da minha ideia. Desde então lá se vai trabalhando na divulgação. Vários concertos, alguns com  o apoio do Consulado Geral de Portugal em Montreal, o Instituto Camões, as Casas da Cultura de Montreal, organismos/mostras da “diversidade cultural”, tais como MUZ, Vision Diversité, Syli d’or de la Musique du Monde... Tive uma belíssima critica da ICI Musique (Radio Canada – o equivalente da RTP), passo regularmente na rádio comunitária Radio Centre-Ville nos programas de língua portuguesa. E recebi um prémio dos IPMA (Internacional Portuguese Music Awards 2018). Continuo a trabalhar e espero que cada vez mais as portas se abram pois o público em geral tem apreciado bastante este projeto. Mas fazer tudo sozinha é extenuante.

Uma canção como Chanson Pour Une Ville foi feita a pensar nas tuas origens?
Com certeza! Eu venho da zona centro e passei muitos anos em Coimbra onde estudei arquitetura. Esta canção e uma pequena homenagem a Coimbra e também uma maneira de apresentar a minha cidade aos francófonos do Canadá.

Como fizeste a seleção dos músicos que te acompanham?
Quando nos rodeamos de pessoas competentes e capazes as coisas correm sempre melhor e os resultados são sempre de excelente qualidade. Era isso que eu queria. Mas também queria pessoas que fossem criativas e generosas de modo a poderem acrescentar algo às minhas composições e arranjos. Portanto escolhi bons músicos, alguns com quem já tinha trabalhado em jazz, outros que conhecia por reputação. Fiquei muito honrada por aceitarem e por fazerem parte do projeto, e todos eles deram de si. Isso foi o mais importante.  Ivan Garzon, guitarrista mexicano, Yannick Anctil, pianista canadiano, Bruno Roy, baterista canadiano, Olivier Babaz, contrabaixista francês e Sergiu Popa, acordeonista moldavo. Depois tive também a participação de Liberto Medeiros à guitarra portuguesa e uma ajuda fundamental de um grande compositor brasileiro: Paulo Bottas.

Aí no Canadá atuas essencialmente para as comunidades portuguesas ou também em salas e para audiências canadianas?
O meu público-alvo são os canadianos. A abertura e o interesse é maior. Quando faço concertos para as comunidades portuguesas é mais em concertos de fado tradicional. Acho que o meu produto é mais apreciado pelos canadianos, pois eles são por natureza pessoas expostas a várias culturas e compreendem bem a fusão e as misturas. Tenho sim muitos portugueses e luso-descendentes que me dão muito apoio. Mas a verdade é que locais para concertos em meio comunitário são poucos, portanto procuro visar uma bacia maior.

É essa a razão de também utilizares a língua francesa para te expressares ou a canção francesa também tem alguma influência em ti?
Sim, a língua francesa para mim foi uma maneira de chegar mais facilmente ao público-alvo. Aproximar as pessoas com elementos que conseguem assimilar. Mas eu também fiz vários espetáculos de música francesa desde de que aqui estou pois trabalhei com um guitarrista francês, Bernard Epaud. Fizemos vários concertos de Jazz em Francês, Canção francesa, Jazz manouche.... Portanto, mais uma vez, algo ficou dessa experiência.

Sei que estás a participar no Concurso Internacional de Jazz Vocal Sarah Vaughan. Como estão a correr as coisas? Que canções tens apresentado?
Este tipo de concurso é muito interessante pelas pessoas que se podem vir a conhecer. Mas como é baseado em votação do publico.... digamos que eu não sou uma pessoa com assim tantas conexões, portanto, não está a correr como queria, mas não é isso que vai definir a qualidade da minha música. É seguir adiante.

E quanto ao futuro? Continuar a estudar será, certamente, uma decisão, mas quanto a novas músicas, já há alguma coisa na calha?
Tem que haver sempre alguma coisa na calha! O problema é o tempo para gerir tudo, mas sim, conto continuar a trabalhar. Foi para isso que investi em formação.

Obrigado! Queres deixar alguma mensagem?
Gostaria de convidar a todos a ouvirem o meu trabalho. Visitem o site, visitem a página FB, deixem mensagens com comentários, eu gosto sempre de ter um feedback, positivo ou negativo. Partilhem, divulguem e ouçam no youtube , bandcamp ou nas outras plataformas. Gostaria imenso de poder levar o fad’AZZ a Portugal.  Passei brevemente pela RTP nestas férias, espero que quem viu tenha gostado. Um grande abraço!


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