Entrevista: Um Corpo Estranho


Homem-Delírio é o terceiro disco de canções de Um Corpo Estranho, sexto no percurso total do duo, que conta já, também, com três bandas sonoras. E, segundo a banda, é um disco de rutura com os universos dos discos anteriores, uma viragem necessária na sonoridade que tem vindo a caracterizar o projeto, assumindo uma aproximação ao lado mais ambiental. Fomos tentar perceber esta evolução numa conversa com o duo setubalense.

Olá, pessoal, como estão? Obrigado pela disponibilidade. E como é a primeira vez que conversamos, satisfaçam a nossa curiosidade – porque o nome Um Corpo Estranho?
Um Corpo Estranho é o resultado de um jogo criativo entre duas cabeças. Somos velhos amigos e tocamos e escrevemos canções juntos desde a adolescência. Ainda assim, temos influências e vamos beber inspiração de fontes díspares. No final as canções acabam por nos ser estranhas aos dois, apenas o corpo é comum. Tentamos não anular as ideias e a personalidade um do outro no que compomos, o que sobra disso é o que define a nossa música.

Quanto a Homem Delírio, este é o vosso novo álbum e mostra-vos a enveredar por um caminho ligeiramente diferente. Porque sucede isso?
Sentimos necessidade de virar a página ao que fizemos nos discos anteriores. Ao mesmo tempo, quisemo-nos aproximar aos trabalhos que temos vindo a compor para teatro-físico, que até agora só tinha sido explorado a nível instrumental. Em Qarib ou A Velha Ampulheta nasceu um lado diferente das canções de Um Corpo Estranho, mais ambiental e etéreo, se quiserem. Em Homem Delírio fechamos um ciclo e fazemos, ao mesmo tempo, tabula rasa ao formato canção que temos vindo a trabalhar em De Não Ter Tempo ou Pulso.

O que procuram atingir com esta nova abordagem?
Queremos abrir novas possibilidades para o projeto. Talvez porque não nos sentimos confortáveis presos a um único estilo. Ouvimos muita coisa e temos universos pessoais povoados de géneros musicais diferentes. Este disco é diferente dos anteriores, como decerto o próximo também o será. Gostamos de explorar o nosso lado camaleónico, até para não nos cansarmos de nós próprios, acho que é uma coisa saudável.

Como funcionou o aspeto da composição em particular para este disco?
O processo é sempre o mesmo. Escrevemos as nossas coisas em separado. Depois começa o ping-pong. Moldamos as ideias um do outro e andamos ali como no jogo do Risco, a roubar território um ao outro. Até que nasce a canção final, que já é dos dois, ou antes, que já é de Um Corpo Estranho. Depois é encontrar um terreno estético, para o qual contribui o nosso produtor, Sérgio Mendes, com quem temos vindo a trabalhar, entre outra boa gente talentosa. Este disco, em específico, já tinha um universo, legado pelos trabalhos para teatro físico que tínhamos feito com o Ricardo Mondim.

Assim, de que forma descreveriam Homem Delírio, nas vossas próprias palavras?
Metaforicamente, é o delírio de um Dom Quixote, ou se quisermos ficar aquém-fronteiras, o delírio impressionista de um Cesário Verde. As canções são o nosso portal para outros universos, onde conhecemos coisas extraordinárias. Como no universo de Alice, de Lewis Carroll, crescemos e diminuímos, lutamos e aceitamos o invulgar por normal. No fundo o Homem delira para celebrar a capacidade de sonhar.

Falemos da arte deste disco que tem, de facto, um nível fenomenal. Quem foi a ou o responsável por esse trabalho?
Este disco conta com várias ramificações a nível de criativos da nossa cidade e do nosso núcleo de amizades. Temos a sorte de estarmos rodeados de gente talentosa que nos acarinha e molda o lado estético do que é Um Corpo Estranho. A Rita Melo é a responsável pela cara deste Homem Delírio. Ela criou, no fundo, a personalidade da personagem, deu-lhe vida e um semblante. O António Aleixo realizou, com o apoio da Garagem e da Souza Filmes, o vídeo para o tema O Estrangeiro que no fundo conta um pouco da história e abre uma janela para a alma deste disco, que também é uma entidade. Por fim, estamos a trabalhar no corpo cénico com o Ricardo Mondim, que vai englobar um pouco do cada elemento que povoa o universo deste trabalho.

E o que surgiu primeiro – foi criada a temática a partir da arte, ou a arte foi criada a partir da temática do álbum?
A ilustração da Rita veio depois. Lançámos-lhe o desafio de criar a cara desta personagem para a capa do disco. Passámos-lhe os temas e as letras e não aprofundámos muito nenhum conceito. Gostamos de dar liberdade criativa absoluta a quem trabalha connosco. A Rita aceitou prontamente e enviava-nos esboços a uma velocidade estonteante. Por fim escolhemos a face que ficou na capa. É uma pessoa incrível e uma artista que admiramos muito.

Já agora, porquê Homem Delírio? Que mensagem tentam transmitir com um título deste calibre?
Começa por ser um delírio o simples facto de escrever uma canção. Somos obrigados a transpor o quotidiano para algo que nos pareça fantástico, a procurar o extraordinário no casual. No fundo este disco nasce da necessidade de extrapolar, sublimar e deixarmo-nos levar pela impressão das coisas.

O Estrangeiro foi a escolha para primeiro vídeo. Porque esta escolha? Há projetos para mais algum vídeo?
O Estrangeiro pareceu-nos ser o tema mais representativo do disco. Conta a história do que é ser-se estranho a um lugar, da bagagem que alguém carrega, a sua história, o que o fez chegar ali. No fundo é uma referência a um passado possível do nosso “Homem-Delírio”. No segundo vídeo quisemos aliviar, mostrar o processo das várias partes criativas envolvidas, pintura, vídeo e espetáculo, que, sem que contem a mesma história, fazem todas parte do universo deste álbum. Escolhemos Sangue Irmão por ser um tema de reflexão, que aborda a tendência da raça humana para o conflito ou para o isolamento. No vídeo quisemos contrapor isso, mostrar quem somos quando trabalhamos em conjunto, celebrando também a parte individual de cada um.

Dado a vossa ampla gama de ação, ainda têm projetos para realizar? O que?
Ainda não sabemos. Um Corpo Estranho é algo que vai mudando de direção naturalmente. Sabemos que queremos continuar a escrever canções, mas há um mundo de possibilidades que ainda podem surgir pelo caminho. Já começámos a compor para um próximo trabalho, mas, para já, estamos apenas focados no espetáculo Homem Delírio.

Quanto a palco? Têm havido algumas apresentações, mas o que têm planeado?
Temos a estreia agendada para dia 11 de maio, no Teatro São João em Palmela. Sentimos este disco como outra coisa mais do que apenas canções. Somos amigos do Ricardo Mondim há muito tempo, e já trabalhámos juntos em dois espetáculos de sua autoria. Queríamos que a nossa música fizesse parte do universo em que ele se move em cena, mas desta vez queríamos estar lá também. Conhecemos bem o trabalho dele, que também tem muita importância no universo do nosso, visto ter colaborado sempre na parte visual de Um Corpo Estranho, criando marionetas e estruturas para os nossos vídeos. Mas nunca estivemos em palco com ele, só estava a nossa música. Desta vez quisemos dar oportunidade a isso. É um criativo incrível, e uma pessoa fantástica de se trabalhar. Está a ser um desafio muito motivante para os três, visto que ele também não tem por hábito trabalhar com música ao vivo nos espetáculos. E depois é mais uma extrapolação das nossas canções, como aconteceu com a ilustração da Rita, ou com o vídeo do Tó. O Ricardo tem uma leitura própria da temática dos temas e outras possibilidades se abrem. Acho que esse é o fctor mais interessante, sentir que a música não é uma coisa estática e fechada.

Obrigado! Querem acrescentar mais alguma coisa?
Queremos deixar um abraço a toda a equipa da Via Nocturna e deixar o convite a todos para estreia de Homem Delírio. O nosso obrigado a todos os leitores e ouvintes.



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