Entrevista: Earth Drive

Os Earth Drive regressam, três anos após Stellar Drone, com um novo álbum intitulado Helix Nebula que mostra um coletivo cada vez mais focado nas suas criações e cada vez mais envolvente nas suas ambiências. Para nos falar desta viagem cósmica de doom e stoner cravados de psicadelismo e fuzz, fiquem com as palavras eloquentes do vocalista e guitarrista, Hermano Marques.

 

Olá Hermano! Aí está o vosso novo álbum, Helix Nebula. Que sentimentos vos dominaram com o lançamento deste trabalho?

Boa tarde Pedro e cumprimentos para todos os que estão a ler esta entrevista! Foi um sentimento de enorme de gratidão perante todos os que estiveram envolvidos nesta produção pela forma como todo o processo decorreu e de como nos relacionamos e comunicamos para que conseguíssemos alcançar este objetivo comum. O tempo que tínhamos para trabalhar era bastante limitado, mas devido à boa organização e workflow que fomos otimizando desde que iniciamos o processo de composição, pré-produção e fase efetiva de captações, conseguimos completar o trabalho nos prazos que tínhamos estabelecido. Não havia qualquer pressão, no entanto sentimos que os timings que fomos definindo ajudaram-nos a ter o foco necessário para acabar o trabalho com a qualidade que expectávamos. Foram sentimentos de muita gratidão e felicidade com o concluir do disco, mas confessamos que também de alguma ansiedade pelo desejo enorme de estarmos a trabalhar juntos com o tempo limitado. Usufruímos bastante do processo e das relações que se solidificaram com todos os envolvidos desde a banda, produtor e editora.

 

Se te perguntasse como analisas o vosso percurso enquanto Earth Drive, o que me responderias?

Tem sido um percurso muito pautado por uma convicção enorme de que este é o nosso caminho e que o mesmo tem, como na vida em geral, muitas vicissitudes em que é necessário e fundamental ser resiliente, persistente e apaixonado pelo trabalho que se desenvolve pela banda, sermos gratos pelas oportunidades que vamos tendo e humildes para sentir que cada elogio e cada degrau que a banda alcança seja mais uma responsabilidade de continuar a trabalhar mais e não como motivo de vaidade.  A partir dessa convicção temos tido a felicidade de ir recolhendo muitos incentivos e reforços para que sintamos cada vez mais que este é o nosso caminho e um dos nossos propósitos de vida enquanto pessoas e artistas.  Tem sido um percurso difícil e real com tudo aquilo que é fundamental um grupo passar para que tenha cada vez mais história e conteúdo para partilhar da forma mais autêntica e honesta com as pessoas que nos seguem. Pretendemos que quem nos segue também se divirta com a banda e tenha a oportunidade de tornar a sua vida mais equilibrada naquele momento e encontre na banda também algo que se sincronize com o seu desenvolvimento pessoal. Voltando à tua questão sentimos que tem sido realmente um percurso muito interessante com altos e baixos mas que nos continua a fazer sonhar, não para sermos rockstar´s mas para que possamos ir continuando a poder ter o privilégio de fazer isto com muita dedicação, paixão e com a qualidade que a nossa maturidade enquanto pessoas e artistas for exigindo correspondendo também sempre que possível à expectativa de quem nos segue e apoia.

 

Quando partiram para a composição de Helix Nebula, quais eram as vossas ambições?

Não partimos exclusivamente para um processo de composição. A banda tem vindo sempre a trabalhar e mesmo quando andamos em concertos e a ensaiar para os mesmos vamos tentando experimentar uma ou outra ideia e por isso vamos guardando material para ir compondo ao longo do tempo. Para este disco, sinceramente até se pode dizer que a certa altura nos dedicamos realmente a olhar exclusivamente para o processo de composição sem estar paralelamente a ensaiar para concertos. Para gerirmos o tempo que tínhamos disponível tivemos mesmo de deixar de agendar concertos e concluir realmente o processo de composição apesar de algumas ideias terem sido de alguma forma trabalhadas anteriormente. A ambição era a mesma, era a ambição de estarmos juntos entre amigos e experimentarmos riffs novos, sentir e usufruir do poder catártico e de insights que o processo de composição sempre nos traz e potenciar assim o nosso equilíbrio enquanto pessoas. No entanto não há como negar que está sempre implícita a motivação de querer partilhar o resultado do que fizemos com as pessoas e sentir o feedback relativamente ao mesmo. Há a ambição de viajar e conhecer mais pessoas através da música e de podermos ir solidificando também a nossa carreira e a nossa identidade enquanto artistas. Concretamente tínhamos a ambição de criar algo com qualidade que nos pudéssemos orgulhar, dar mais um passo no caminho que a banda vai trilhando e perceber qual a consequência de todo este investimento emocional e financeiro que vamos fazendo. 

 

E sentes que essas ambições e objetivos foram plenamente atingidos?

Quanto ao orgulho que sentimos do trabalho realizado e do feedback que vamos tendo sim, tal como também de todos os momentos que partilhamos durante o processo de composição e gravação que foram muito intensos e nos proporcionaram mais uma vez um enorme crescimento e aprendizagem pessoal e artística. No entanto devido à pandemia não o podemos partilhar ao vivo. Tínhamos já uma boa quantidade de concertos agendados que tiveram de ser adiados, mas continuamos com muita esperança de que quando for possível voltar tenhamos as nossas oportunidades. 

 

Este álbum surge três anos após Stellar Drone. Foram três anos de preparação para este novo álbum ou não?

Foram três anos em que tivemos várias experiências que contribuíram para o conteúdo do disco, no entanto não foram 3 anos em que só estivemos a trabalhar no disco. Mas sem dúvida que toda a existência ao logo do tempo nos vai preparando para certos momentos. Portanto acho que esta resposta é um sim e um não. 

 

A questão cósmica é central nos vossos álbuns. O que vos fascina nesta temática?

Não temos isso definido nem tem que ser uma questão central. É um assunto de certa forma recorrente na banda porque o processo artístico assim o tem ditado e talvez cada um de nós enquanto membros da banda sinta inconscientemente esta ligação ao universo, à sua luz, sombra, beleza e harmonia. Ao fim ao cabo fazemos todos parte integrante deste universo e somos todos seres cósmicos e é natural que numa comunicação autêntica através da arte este tema se manifeste em toda a sua complexidade e os assuntos intrínsecos de cada um se expressem musicalmente e acabem por definir a estética da banda sem que algo seja imposto.


Pode afirmar-se que este álbum é conceptual?

Não sentimos que seja conceptual no sentido de que não o fizemos com esse propósito ou não foi de todo assim pensado. Sinceramente foi algo que foi crescendo e surgindo de forma progressiva e naturalmente encadeada com uma fluidez surpreendente para nós. De facto, já tínhamos o nome do álbum guardado há algum tempo, mas ainda não lhe tínhamos atribuído qualquer significado simbólico. Foi algo que surgiu ainda no tempo do Stellar Drone e que guardamos como um dos nomes possíveis para um próximo álbum. O interessante é que fomos compondo e há medida que os conteúdos iam surgindo a atribuição simbólica e a dimensão do seu significado se ia edificando. Como temos sempre muito presente um conceito de sincronicidade nas nossas vidas fomos estando atentos a isso e a certa altura percebemos que o grande tema do álbum estava relacionado com processos de mudança e transformação pessoal e social. Quando percebemos também que a Helix Nebula se localiza astronomicamente na constelação de Aquário e por estarmos atentos também a alguns conteúdos relacionado com a mudança de ERAS astrológicas tudo se encaixou neste processo de atribuição simbólica do álbum. Vivíamos internamente na banda muitos sentimentos relacionados com a mudança e transformação e foi interessante conectarmo-nos com essa atribuição simbólica de mudança de ERAS astrológicas da ERA de peixes para a ERA de aquarius.  Assim foi algo que a partir de certo momento da composição este tema e conceito foi estando mais presente e a consciência do processo de transformação que a escrita deste álbum proporcionou foi muito enriquecedora. Longe estávamos de saber que estávamos mesmo também perto de assistir literalmente a uma mudança social e humana muito brusca conforme se veio a verificar com a pandemia. Nesse sentido é um disco que não tendo sido pensado para ser algo conceptual e assumindo que a arte também é passível de no seu conteúdo ter a sua margem de maleabilidade, flexibilidade ou mutabilidade conforme lhe queiramos chamar, possamos afirmar que este álbum foi ganhando características conceptuais ao longo do tempo se é que isso é possível e talvez também vá ganhando outros significados mediante as experiências pessoais que cada um de nós e de quem nos segue e ouve possa viver. 

 

Helix Nebula tem 12 faixas, mas na prática é como se tivesse apenas… uma! Todos os temas seguem um encadeamento perfeito. Foi essa a vossa intenção criar a obra assim e qual ou quais as principais dificuldades para conseguir fazer encaixar tudo?

Sinceramente não tínhamos intenção de criar o disco desta forma. Foi mesmo uma sequência que foi surgindo à medida que fomos compondo e decidimos manter essa ordem. Fizemos inicialmente uma pré-produção para enviar para o Fernando e para o Daniel com esse alinhamento e o facto de o ouvirmos nessa ordem fez-nos imenso sentido e acreditámos muito nesse alinhamento.

 

Até agora a aceitação do álbum tem sido muito boa. Como estão a receber o feedback deste álbum?

A aceitação tem sido mesmo muito boa e é um carinho que sinceramente nos faz sentir muito bem e mais confiantes. No entanto este tipo de feedback ainda nos eleva mais a responsabilidade de nos apresentarmos ao vivo e representarmos bem a banda e o disco que realizamos. Sinceramente recebemos as reviews com enorme gratidão por quem dedicou um pouco do seu tempo a ouvir o disco e a escrever sobre o que sentiu.  É o aplauso que nos faltou porque não podemos apresentar o disco ao vivo e de facto tem sido muito importante o feedback das pessoas porque é com elas que vamos partilhar ao vivo essas emoções e essa partilha é fundamental para nós e para o público. Também somos ouvintes e espetadores e pretendemos honrar também o privilégio de ter uma banda.  É fantástico editar um disco e sentires que te podes conectar com essas pessoas e ainda mereceres que escrevam sobre ti, paguem para assistir aos teus concertos e ter acesso aos teus discos. Tudo isto é um privilégio e é com muito orgulho e sentido de responsabilidade que recebemos esses elogios.

 

O processo de gravação decorreu como planeado? Têm alguma coisa curiosa (ou cósmica, risos!) que tenha interferido com o processo?

Sim correu tudo muito bem. Gravámos tudo dentro dos timings estabelecidos e foi tudo muito rápido até. Ficamos com muitas saudades do todo o processo porque foi como um sonho sinceramente. A forma como o Fernando nos tranquilizou e nos relacionamos durante o processo e a forma como nos preparamos com a pré-produção foram determinantes. Foi uma excelente colaboração que esperamos repetir assim que possível. Quanto a coisas mais cósmicas o tema Deep Amazon teve uma particularidade interessante aquando da sua génese e depois durante as gravações das vozes que estão lá presentes. Quando interlúdio foi criado no nosso estúdio e lhe atribuímos um nome de trabalho, o nome Amazon surgiu sem sabermos porquê e quando chegámos a casa tinham iniciado os fogos na Amazónia. Logo aí foi algo estranho e depois quando eu (Hermano) gravava as vozes finais no estúdio do Fernando foi algo muito intenso e em que me senti completamente fora de mim e conectado a algo transcendente como nunca tinha sentido. Quando acabei e retirei os headphones o pessoal entrou na sala de captações e estavam boquiabertos a dizer que eu tinha feito chover naquele momento (risos). Obviamente eles estavam com um ar de gozo, mas que efetivamente tinha começado a chover durante a gravação e performance intensa que estava a ter. Foi de facto uma coincidência, mas o valor da mesma reside na atribuição simbólica que eu lhe dei. Para mim foi de facto algo de uma conexão profunda em que não me senti eu, não havia EGO, havia conexão com o TODO e talvez com algum sofrimento do que se estava a passar naquele local do planeta e que a chuva era fundamental. Não é que chover no Olival de Basto faça alguma diferença para os incêndios na Amazónia, mas foi interessante sentir este simbolismo e sentir que de alguma forma estamos mesmo ligados a algo profundo e transcendente que ainda desconhecemos.

 

Obrigado, Hermano. Queres acrescentar mais alguma coisa que não tenha sido abordado nesta entrevista?

Queremos agradecer muito mesmo o apoio que nos estão a dar e a atenção perante o nosso álbum e a entrevista que nos proporcionaram. É um prazer refletir sobre tudo isto e partilhar a nossa verdade com quem nos segue. Fazemos um convite a todos para que nos possam visitar assim que possível num dos nossos concertos e se possível dar uma ajuda à banda e editora ao comprar um dos nossos discos no bandcamp ou enviando um email para a banda. Um abraço para todos e cuidem bem uns dos outros sem preconceitos ou racismos. One world, One conscience. We are all Earth Drive!

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