Entrevista: Boisson Divine

 


Quatro aldeões dos Pirinéus, três jogadores de rugby, um vitivinicultor… Uma verdadeira família dedicada ao metal e às suas tradições locais. Por isso cantam na sua língua, o Gascão, e baseiam toda a sua temática nas tradições da sua região. Falamos dos Boisson Divine que apresentaram, recentemente, o seu terceiro disco La Halha, um verdadeiro hino ao metal e ao folk. Com o líder Baptiste Lebenne em plena vindima, foi o baixista Florent Gilles-Waters quem nos falou desta aventura musical e deste álbum.

 

Olá Florent! Obrigado pela disponibilidade e espero que esteja tudo bem nestes tempos de crise! Podes apresentar os Boisson Divine aos metalheads portugueses?

Boisson Divine é uma banda de folk metal da Gasconha (sudoeste da França). O projeto Boisson Divine começou originalmente em 2005 quando Baptiste (vocalista/guitarrista) e Adrian (baterista) eram adolescentes (14 e 15 anos) no ensino secundário, e tocavam música para se divertir, jogavam rugby e bebiam muito depois do jogo. As coisas não mudaram muito desde essa altura (risos). Mas agora somos 6 e a formação não mudou desde que o grupo se expandiu. Quatro de nós vêm da mesma aldeia, três de nós jogamos na mesma equipa de rugby, dois de nós são irmãos e somos todos uma família.

 

La Halha é já o vosso terceiro álbum, quatro anos depois de Volentat. Como ocuparam esse tempo entre os álbuns?

Queres dizer que somos uns bastardos preguiçosos?! Bem podes dizer isso (risos)! Agora a sério, Baptiste (vocalista/guitarrista), o nosso frontman é enólogo e tem o seu próprio negócio para gerir. Enquanto te respondo, está na altura das vindimas. Significa que para ele todo o sucesso do ano depende deste curto período. É por isso que estou encarregue de te responder. Adrian (baterista) é treinador de cães; Ayla (flautas) trabalha como professora de música, assim como Pierre (bagbipes/acordeão). Luca é ... bem, nunca soube o que ele faz! E eu sou um editor de vídeo. Portanto, além dos Boisson Divine, a nossa vida cotidiana é bem preenchida. E entre dois álbuns, criamos mais material para os álbuns seguintes. Baptiste, que compõe todas as músicas, é prolífico. Depois de La Halha, temos músicas em stock para fazer 2 ou talvez 3 novos discos. Mas gostamos de levar o nosso tempo. Para nós não há agenda, exceto para ser consistente.

 

Quando começaram a trabalhar em La Halha?

De um modo geral, não compomos para fazer um álbum. Compomos porque a inspiração vem - a qualquer momento! Como disseste, são 4 anos entre os nossos dois últimos álbuns e 3 anos entre o primeiro e o segundo álbum. Isso significa que pelo meio criamos muitas músicas novas. Escolhemos algumas delas para fazer um novo álbum e algumas outras serão lançadas mais tarde ou não serão lançados. Para La Halha, algumas canções como Rei de Suèda são bastante antigas (4 ou 5 anos). Outras têm apenas um ano.

 

Para quem não conhece a banda, podes descrever a vossa sonoridade?

A nossa música é uma mistura de metal e música tradicional. Os transístores encontram a madeira dos instrumentos tradicionais da Gasconha. Usamos o Gascão para cantar. É mais melodioso do que o francês e, originalmente, era a nossa língua aqui.

 

Em relação a La Halha, por que a escolha deste título? O que significa?

O significado da palavra Halha (pronuncia-se simplesmente como Hi em inglês) em Gascão é fogo, chama. Está especialmente relacionado com as celebrações solsticiais que ainda se podem encontrar aqui Halha de Nadau (solstício de inverno) e Halha de la Sent Jan (solstício de verão), onde se acendem grandes fogos! Pensa-se que se origina nas primeiras práticas agrícolas em que o restolho era queimado. Ainda podes ver no inverno e é uma visão poderosa quando uma montanha de neve está a arder! Fogo e gelo, o começo de tudo. A capa representa a Cruz de Beliou que realmente existe no topo de uma montanha na área de Bigorre. Beliou/Abellion é o deus do sol. Na verdade, era um disco antes de ser cristianizado numa cruz e Jesus entalhado num dos seus lados. Mas, do outro lado está o rosto de Beliou/Abellion da Antiguidade. Diz-se que Milharis, o pastor de 999 anos, jaz debaixo da pedra.

 

Enquanto banda que mistura estilos diferentes nas suas composições, quais são as vossas principais influências?

Costumamos dizer que compartilhamos principalmente 3 ramos musicais:

- A música tradicional/folclórica local, com vozes polifónicas dos Pirinéus: bandas como Nadau, Lous de L'ouzoum, Los Pagalhos, Vox Bigerri...

- Os clássicos do heavy metal, principalmente inglês e alemão: Helloween, Iron Maiden, Saxon, Running Wild, Blind Guardian, Judas Priest, Manowar...

- A energia do rock/punk rock: Dropkick Murphys, Motorhead...

 

Deste álbum já lançaram três singles, certo? Podes falar a respeito dessas escolhas?

Estás certo. O primeiro foi Xivalièr de Sentralha. É uma música de ritmo acelerado com grandes partes instrumentais. Pareceu-nos ser representativa do álbum. O segundo single foi Novempopulania (que é o antigo nome da Gasconha). É mais uma música mid tempo do estilo Manowar com instrumentos tradicionais. É um hino à nossa pátria. O terceiro é Libertat. Uma música com energia punk rock, com um refrão cativante. Teve um videoclipe que foi filmado na cruz de Beliou (a cruz da capa).

 

Como é o processo criativo na banda, principalmente com a inclusão de tantos instrumentos folk e tradicionais?

Toda a composição musical é feita por Baptiste (vocalista/guitarrista). Primeiro de uma forma muito simples e intuitiva. Ele é um vitivinicultor, e enquanto trabalha nas suas vinhas pensa em melodias, canta e grava ali mesmo no seu telefone. Ele é um rapaz talentoso com vários instrumentos. Quando regressa a casa à noite, ele grava tudo: guitarras, baixo, bateria, todas as vozes polifónicas, até gaitas de foles e outros instrumentos tradicionais para fazer uma demo. Nesse ponto, essa demo já soa perfeita para nós! Quando começa a criar uma nova música, ele geralmente tem o tema da letra em mente ou, se não, tem o sentimento geral. Quando não escreve as letras sozinho, pede a alguém da banda que se possa inspirar para criar algo. Pessoalmente escrevi algumas delas neste álbum, assim como os outros membros. Quando temos músicas suficientes, geralmente cerca de 20, votamos nas nossas favoritas. Nessa altura, telefonamos a Patric do estúdio WSL (www.wsl-studio.com), o nosso engenheiro de som dedicado para dizer “podes começar a reclamar, vamos trabalhar juntos mais uma vez”. Acho que ele não era careca antes de trabalhar connosco! Ele é muito exigente e mandão, mas sabe como lidar com os gascões! Ter ouvido os seus conselhos fez realmente toda a diferença.

 

Também costumam tocar eventos medievais/folk?

Sim, já o fizemos. Acho que o maior que fizemos até agora foi Trolls et Légendes na Bélgica. Também tocamos em festivais de vinho, festivais de black metal, festivais de folclore pagão... Acho que o nosso estilo é bastante cruzado. Somos ouvidos por metaleiros, é claro, mas também por malta do rugby, crianças, idosos. É por isso que não estamos presos num domínio.

 

Muito obrigado, Florent! Queres acrescentar mais alguma coisa ou deixar uma mensagem?

Como disse antes, usamos nossa linguagem tradicional, o Gascão. Existem duas maneiras diferentes de escrever. Por exemplo, Halha poderia ser escrito Haille e é pronunciado da mesma forma, algo próximo da palavra inglesa Hi. Quando usamos a forma escrita anterior, os franceses tentam pronunciá-la como espanhol, mas está errado. Na verdade, é mais parecido com o português. Dá uma olhadela nas nossas letras em https://boissondivine.bandcamp.com/ e tenho certeza que, sendo uma língua romana, irás conseguir entender algumas frases. Siatz hardits! (sejam corajosos e tenham cuidado).

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