Entrevista: Eilera

 

Eilera, ou melhor Aurélie Potin Suau, francesa de Montpellier, tem sido uma inovadora e derrubadora de barreiras. Foi pioneira no death metal francês nos Chrysalis, mas é o projeto Eilera que agora ocupa o seu tempo. E depois de uma fase dificil Waves surge como a redenção. Foi tendo este novo álbum como pano de fundo que Aurélie dedicou algum tempo a abrir a sua alma numa conversa longa e profunda.

 

Olá Eilera, obrigado pela tua disponibilidade e parabéns pelo teu novo álbum. A criação deste álbum aconteceu depois de um período difícil para ti. O que aconteceu efetivamente?

De nada e obrigado! O que aconteceu comigo é o que está sempre a acontecer com muitas pessoas: tive um esgotamento. Trabalhei muito no meu disco anterior, desde a sua produção até ao financiamento e promoção. O trabalho de colaboração tinha terminado e mudei-me definitivamente para Helsínquia e tinha tudo para reconstruir: o meu método de trabalho, o meu trabalho e espaços de convivência, o financiamento do meu trabalho e da minha vida. Comecei a escrever Face Your Demons enquanto ainda dormia nos sofás de amigos! Naquela altura, tudo o que eu tinha comigo era o meu laptop, uma guitarra que o Kiko Loureiro me deu e eu própria. Estava realmente a começar a minha vida do zero novamente. Trabalhei muito e reconstruí o edifício, uma pedra de cada vez. E o edifício ficou maravilhoso! Enfrenta os teus demónios e serás uma fénix voando das cinzas. Tenho muito orgulho disso e de tudo o que foi conquistado naquela altura. No entanto, isso teve um custo. A minha vida privada da altura também me queimava muito. E quando o verão de 2017 chegou, senti-me tão exausta e morta por dentro que duvidei que pudesse sequer fazer música novamente. Tinha perdido a vontade de cantar... Foi quando decidi que estava na altura de atender ao chamamento do Oceano. Isso já vinha ressoando em mim há muito tempo. Finalmente, nesse verão, embarquei numa viagem que me levou ao longo do Mar Céltico. Cada caminhada que fiz em praias desertas, cada mergulho que dei, cada momento de paz curou-me e encheu-me de energia renovada. Após cinco semanas deste tratamento, parei em casa da minha família, no sul da França. E assim, as músicas vieram até mim e comecei a cantar novamente.

 

E onde foste encontrar a força suficiente para voltar à música e às composição?

Eu acredito que a força ainda estava em mim. Só precisava ser reativada. Foram as ondas do oceano que fizeram isso por mim. Sempre fui sensível às ondas do oceano. Carregam beleza e força. Ligam-nos aos mistérios do mundo enquanto nos lembram, muito concretamente, que somos apenas homens neste planeta, visitantes que podem ser facilmente derrubados pelo poder do Oceano.

 

Então a tua fuga para Palma de Maiorca foi uma boa opção, já que o mar te ajudou?

Palma De Maiorca foi a primeira paragem na minha viagem. Uma das minhas amigas mais próximas morou lá durante um curto período da sua vida e convidou-me para compartilhar um pouco disso. Para mim, que estava a fugir do Inferno, de repente foi o choque do Céu e lentamente, enquanto descansava, tornou-se gentil, revitalizando-me. Eu voltava da escuridão e, de repente, vi uma luz brilhante. Voltava de poucas cores e, de repente, havia muitas, ricas e lindas. Havia vida, risos, o amor pela amizade. Lá estava a filha de dois anos da minha amiga, que conheci pela primeira vez. Houve a visita e descoberta de novos lugares. Achei a arquitetura de Palma excelente! Também havia boa comida e claro, nadar no mar. Eu sou nadadora, a minha família sempre me chamou de peixe. Foi um passo importante para eu poder olhar para o mar novamente e nadar nele novamente. Ou seja, esta presença em Maiorca trouxe-me de volta à vida e preparei-me para o resto da minha viagem.

 

E este álbum, Waves, mostra exatamente o quê? O passado e os tempos sombrios ou a liberdade que encontraste no oceano?

Definitivamente, Waves é um portador de energia positiva e liberdade. É o meu presente para aqueles que passam pelo mesmo tipo de dificuldade que passei. Está repleto de histórias de personagens que são como tu e eu. Vivem na costa celta e experimentam a bondade e a dureza da vida. Em Aquarius, um homem e uma mulher de uma aldeia costeira estão separados pelas suas escolhas de vida e não podem amar-se. Em Sea Widow, uma mulher ouve a respeito da morte do seu marido pescador. Em Soulmates, uma alma feminina comunica-se com uma alma masculina que vive na parte oriental da Finlândia e oferece-lhe para fazer as pazes. She Makes Waves fala sobre os portadores de luz deste mundo. Em Roll With The Waves, uma pessoa encontra a liberdade. Em Rebellious Town, uma música inspirada na cidade de Ales, na França, as pessoas lutam pela sua liberdade de crença. Em Shades of Blue, uma pessoa liberta-se de uma relação tóxica e pervertida de jogos de poder. Lili é a história de uma pescadora do Alasca. Une Vague é uma história de liberdade e tolerância, cantada em francês. La Quest é uma canção de aventura. Waves é um álbum libertador. Fi-lo como uma força contrária às forças desumanizantes da cidade. Fi-lo antes da Covid-19, mas dentro das minhas entranhas de artista, senti a urgência de trazer de volta a natureza para a cidade. Senti a anormalidade das nossas vidas. Senti a cultura do dinheiro e do individualismo a tomar conta de Helsinquia, uma cidade onde inicialmente senti a cultura da tolerância, honestidade e respeito. Esses valores, felizmente, ainda lá estão. Mas precisam de ser defendidos e é preciso lutar por eles. Nunca são totalmente adquiridos e certamente nunca devem ser tomados como garantidos. Isso, claro, não é apenas em Helsinquia. Como podemos ver claramente agora, tornou-se uma luta internacional. O desrespeito que temos demonstrado ao nosso planeta, à nossa espécie e às outras espécies tem consequências dramáticas sobre todos nós, das quais não temos a certeza de poder viver… Waves é “apenas” um álbum de música. Mas acredito no poder da música. Acredito no poder do oceano. Reuni-os neste álbum, a fim de oferecer a sua energia ao mundo. Esta energia não é um óbvio “leva na tua cara”. É mais subtil que isso. Carrega nuances e emoções. É vulnerável e forte. Porque a vida não é a preto e branco. Nada é. Só a música má é que é.

 

Mas é uma grande diferença para uma mulher que um dia foi guitarrista e compositora de death metal...

De facto! Mas eu ainda sou essa mulher? Eu fui. E desde então passei por tanta coisa na minha vida! Que tipo de pessoa permanece a mesma durante toda a vida? A vida é crescimento. Eu cresci muito como pessoa e como compositora musical. Jamais esquecerei as minhas raízes. Ainda tenho o mesmo prazer em ouvir o trabalho de Chuck Schuldiner. Mas desde os dias em que tocava guitarra nos Chrysalis que aprendi a usar a minha voz. Na verdade, encontrei a minha voz. Explorei outros géneros musicais e compus canções que fundem elementos desses géneros. Já morei em dois países diferentes, com culturas e línguas muito diferentes. De jovem, tornei-me mulher. Encontrei muitas barreiras no meu caminho, porque ousei fazer as coisas de maneira diferente e porque, até recentemente, as mulheres não eram tão bem-vindas a fazer isso. Até me senti rejeitada no meu país de origem há alguns anos atrás, por causa das minhas atividades artísticas. Mas eu continuei, independentemente disso. Nem sempre foi agradável, muitas vezes me magoei. Mas os metalheads não desistem, não é? Eu sei que não.

 

De qualquer forma, é uma maneira brilhante de continuar a tua carreira, não achas?

Talvez... É um pouco complicado para mim dizer essas coisas sobre mim própria ou sobre a minha carreira. Uma coisa que posso dizer é que estou orgulhosa do trabalho realizado. Este é um álbum que eu não poderia ter feito há dez anos atrás. Foi preciso maturidade, compreensão de mim mesma e do mundo, habilidades de escrita e produção. Aprendi muito mais no processo. Estou agora no ponto como compositor em que tanto posso fazer grande com o pequeno. Eu sei que a força reside na simplicidade. Já não preciso de vinte camadas de instrumentos para criar força, como costumava fazer na época dos Chrysalis. É preciso coragem para ir tão longe do caminho mais fácil do mundo do metal, onde mais pessoas me conhecem. Mas, honestamente, isso foi feito sem pensar. Não tentei fazer algo brilhante. Na verdade, eu decidi primeiro fazer o que chamava na fase demo de “meu álbum de Kurt Cobain”. Mas tinha que torná-lo meu. Trabalhei e trabalhei nos arranjos, até que o álbum não se tornou apenas um álbum de Post Folk Rock, mas também, um álbum da Eilera... Talvez seja mesmo o começo de outra coisa, ou apenas uma progressão natural.

 

Em termos de músicos, quem trabalhou contigo neste álbum?

Reuni uma equipa de amigos músicos da França, Finlândia e Chile. Da França, os meus colaboradores anteriores dos Chrysalis e dos primeiros álbuns de Eilera: o guitarrista Loïc Tézénas e o teclista Dominique Dijoux. Também da França, Pereg Ar Bagol (Celtic Bastards, Skiltron), que podes ouvir na introdução do álbum, a tocar gaita de foles e  acordeão diatónico e a cantar. Da Finlândia, o baixista Sami Hinkka (Ensiferum), o contrabaixista Juho Martikainen (Puer), o guitarrista Roni Seppänen (Wheel) e o baterista Toni Paananen. Do Chile, o guitarrista Zé Javier.

 

Em relação a Waves, como foi a tua abordagem em termos de composição?

Desta vez, decidi desde o início que a alma do álbum seria folk e que tentaria manter-me o mais próximo possível de uma base sonora acústica. Quando fiz as primeiras demos, eram da minha voz e de uma guitarra folk. Tecnicamente falando, estava na casa dos meus pais quando comecei o processo do álbum e tive que trabalhar com muito poucos recursos. A guitarra que eu tinha era muito desconfortável ao tocar. Portanto, construí muitas das músicas com a minha voz e com a minha imaginação. Mandei demos para os músicos que concordaram com o projeto e recebi de volta as suas partes, que gravaram nos seus estúdios caseiros. Começámos com as guitarras e voz. Algumas das linhas permaneceram exatamente como eu as havia criado. Algumas outras linhas trazem modificações que vêm dos sentimentos de Loïc e Roni. Às vezes, eles estavam muito longe do que eu teria feito, mas eu estava determinada a incluir nas músicas os seus sentimentos e inclinações músicas. Quis preservar e proteger a espontaneidade dos outros. Logo que as bases ficaram estabelecidas, comecei a adicionar as outras camadas de instrumentos que eram necessárias para contar as minhas histórias da forma mais vívida possível, preservando o conceito do álbum.

 

Foste a primeira mulher francesa a assinar com a Inverse Records. Enfim, em muitas situações, sempre foste uma pioneira, portanto, foi apenas mais mais um passo... Como é que isso se proporcionou?

É da minha natureza afastar as barreiras, para o melhor e às vezes para o pior, porque quando abalas as ordens estabelecidas, não fazes apenas amigos para ti próprio. Lembro-me de que, quando andava na escola católica, pintava as minhas roupas de roxo e o meu cabelo de vermelho, usava saias curtas e Doc Martens e uma cruz invertida no pescoço. O meu objetivo não era chocar os outros. Era para dizer "não" ao conformismo que sentia que estava em meu redor. Disseram-me em voz baixa e em mensagens altas que eu não poderia ser uma música do mundo extremo. Mas era quem eu era. E acostumei-me. Acredito que é o meu trabalho como artista trazer luz onde há obscurantismo e trazer beleza onde ela não existe. Porém, não o faço com um sentimento de superioridade, nem mesmo com um sentimento de propósito. Quando eu faço músicas, simplesmente faço músicas, aqui e agora, no momento. O que sai, sai em grande parte do meu subconsciente. Sou apenas a ferramenta que organiza o que sai dele e que o transforma em forma musical.

 

Que outros projetos tens em mente para o futuro?

Atualmente já estou a compor novas canções. O meu projeto era focar-me ao vivo e tocar as músicas do Waves, assim como as músicas mais antigas, nos palcos. No entanto, como sabes, apareceu a Covid e como não queria ficar parada sem fazer nada, permiti que minha mente começasse a compor novamente. Nesta fase, ainda não está claro como irei proceder. Sou eu e o meu computador, a minha programação e a minha guitarra. Posso dizer, entretanto, que a ideologia nas novas canções continua o que comecei com Waves. Estou a dar o que sinto que a humanidade mais precisa, no presente e no futuro próximo.

 

Muito obrigado Eilera, por esta fantástica conversa! Queres acrescentar mais alguma coisa ou deixar uma mensagem para os teua fãs?

Obrigado. Convido todos que gostariam de ouvir e compartilhar com a nossa comunidade a se juntarem a nós no Spotify para ouvir, no Youtube para ouvir e assistir, no Facebook, Instagram e Twitter. Eilera.com também está disponível para todos. Vou continuar a dar tanto quanto eu puder, enquanto eu puder. A interação que recebo com os seguidores é sempre rica e preciosa para mim. A música é antes de tudo uma troca. Se não pudermos tê-lo ao vivo, podemos tê-lo online. Vamos fazer isso.

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