Omitir é um dos muitos projetos onde Joel Figueiredo
tem estado envolvido. No caso particular deste, a produção tem estado algo
parada, pois desde Cotard de 2011 que não se tem ouvido nada. O ano de 2020 trouxe o
lançamento do EP Outono e do álbum Ode, mas foi sobre este
fantástico lançamento que fomos conversar com o prolífico músico e multi-instrumentista.
Olá, Joel, tudo bem? Ode
surge quase dez anos depois de Cotard. O que se passou para um intervalo tão
longo entre lançamentos?
Tudo ótimo, Pedro! Ode
surgiu de uma forma bastante natural, durante a quarentena, nesta fase de vida
diferente e inédita que se anda a passar. Acabei por jogar com o tempo que tive
para então construir a Ode, pegando nos poucos esboços que tinha e fui
avançando com novos temas. Acho que lançando 10 anos ou um ano depois acaba por
ser um pouco irrelevante na minha forma de ver. O que é realmente relevante é
chegar à conclusão com o sentimento, a consciência e o discernimento bem
presentes de que algo está pronto para sair, que está completo e finalizado.
Em Ode optas
por um caminho ligeiramente diferente. Como foi a génese e o crescimento deste
conceito que acabaria por se transformar neste disco?
Não sei se foi exatamente
uma opção, mas sim uma fluidez de ideias e pontas soltas que arranjei para orquestrá-las
e formar um todo de um modo livre e sem auto-pressões. Não existe uma
linha, uma regra que eu deva seguir e, como disse anteriormente, acabou por
surgir de uma forma muito natural. A génese deste conceito tem vários
tentáculos de expressão que me influenciaram que vão desde a literatura,
pintura, música até à vida do dia-a-dia.
Esta ideia de juntar o black metal às tradições rurais portuguesas é uma coisa recente ou
já vinhas a matutar nela há algum tempo?
Estas ligações creio que
de uma certa maneira já estavam presentes, posso mesmo dizer que existe um
paralelismo significativo do primeiro álbum Old Temple Of Depression com
este Ode. Embora, claro, com pontos líricos e de sonoridade bem
diferentes. Depois disso, já tinha lançado em 2015 o álbum Vinda do meu
outro duo projeto Forgotten Winter, embora não seja tão claramente direcionado
à ruralidade portuguesa e, sim, ser mais épico e teatral. Existem algumas
influências nesse sentido.
De qualquer das formas, sendo a cena black metal nacional muito ativa (e este ano contando
já com inúmeros lançamentos), a tua abordagem acaba por ser diferente e,
sinceramente, muito mais enriquecedora. De que forma te enquadras (ou não)
nessa cena black metal?
Obrigado! Eu sinceramente
não te sei dizer de que forma me enquadro porque na verdade isso é irrelevante
para mim. Apenas faço as coisas por
gosto e vontade em explorar, como faço com todos os outros géneros musicais que
me interessam. Se calhar é por isso que as abordagens têm tendência a se
inovarem de disco para disco, é simplesmente haver liberdade de consciência na/e
durante a criação.
Aliás, até na capa mostras ser diferente. Como surgiu a
ideia de incluir uma pintura do José Malhoa?
A pintura Sétimo
Mandamento de José Malhoa surgiu durante as pré-produções e composição
quando andava a explorar fontes em pinturas/imagens que me direcionassem para o
que andava a fazer. Quando me dou com esta obra imaculada, criou-me logo um
forte impacto e acabou por influenciar diretamente na construção do disco. E
sinto-me especialmente contente, não só por conhecer melhor este fantástico
pintor, como por ter espalhado e despertado curiosidade em muita gente em
relação à pintura, sendo ela bastante portuguesa. Principalmente a pessoas de
outras nacionalidades.
E, curiosamente, fazendo tudo por ti próprio. Sentes-te
bem neste formato? Nunca pensaste “ampliar” o projeto?
Sim, mantive-me solitário
neste formato durante estes anos todos e não sinto vontade em ter mais gente
comigo, como faço também com o outro projeto Joel Fausto & Illusion
Orchestra. Não sei o dia de amanhã, mas conheço-me relativamente bem para
ter esta visão.
Voltaste a manter a aposta na língua portuguesa – aliás
com a temática escolhida, não poderia ser de outra forma. Será para continuar
ou não?
Sim, com esta temática faz
claramente sentido. Bem, se no futuro achar que tem lógica no momento que eu
estiver a compor, vai continuar de certeza. A verdade é que sou um livre
arbítrio de consciência quando faço alguma coisa, por isso, todas essas
questões são sempre incertas no presente e no futuro.
Já agora, de onde veio aquele discurso a respeito da
reforma agrária? É o líder da CDU, Jerónimo de Sousa, não é?
Só para retificar, a CDU é
uma coligação de há mais de 30 anos do PCP com o partido Os Verdes. O discurso
é de Jerónimo de Sousa, o secretário geral do PCP, que advém da comemoração do
40º aniversário da Reforma Agrária, em Évora.
Desta forma, também há em Ode alguma conexão política ou politizada da sociedade
portuguesa?
Pelo discurso que está
presente no disco eu não diria que Ode tem alguma conexão politizada,
mas sim uma conexão histórica, factual e que faz sentido desde os tempos do
feudalismo. Claro que ao ter um político no centro das atenções é mais fácil
identificá-lo como “A ou B” e pronto, está feito! A verdade é que esse discurso,
para quem realmente estiver aberto a ouvir, relata a realidade desses tempos
anteriores e dos tempos de hoje. Para infelicidade e/ou felicidade de muitos,
foi um discurso de um membro de um partido, partido esse que esteve e está
sempre presente desde da altura da clandestinidade até aos dias de hoje, a
lutar pela liberdade e por direitos democráticos de um país, país esse que foi
ferido por uma opressão agressiva de um estado fascista e moralista, como são
os ‘bons’ católicos, que nos levou a um atraso brutal no desenvolvimento da
sociedade portuguesa. A história e a verdade são indestrutíveis.
Qual é ponto da situação dos teus outros projetos?
Os projetos mais ativos
neste momento são Joel Fausto & Illusion Orchestra, com o último
álbum Inside The Throat Of A Giant Insect lançado há menos de um ano e Cajado
ao qual estamos a explorar e a experimentar novos temas/ideias com o tempo
necessário para um futuro lançamento, quando nos fizer sentir que está pronto
para isso.
Comentários
Enviar um comentário