Entrevista: Lionheart

 


Será mesmo caso para dizermos abençoado covid! Foi o aparecimento da pandemia que levou os Lionheart a focarem-se na conclusão do seu quarto trabalho que acabaria por ser lançado com o título genérico de The Reality Of Miracles. E, sendo ou não considerados um supergrupo, o certo é que esta foi a mais brilhante maneira (à falta de outra melhor – desgraçado covid!)  de celebrar os 40 anos da banda. As lendas Steve Mann e Lee Small juntaram-se para falarem connosco sobre este novo disco e sobre a história da banda. Uma grande entrevista em exclusivo a não perder!

 

 

Olá Steve e Lee! Obrigado pela disponibilidade! E antes de mais nada, parabéns pelo 40º aniversário dos Lionheart! O que planearam para esta celebração que a covid não tenha evitado?

STEVE MANN (SM): Obrigado pelos parabéns e é um prazer reservar tempo para esta entrevista. De momento é muito difícil planear qualquer coisa por causa da Covid-19, mas temos em mente pelo menos montar um vídeo que cubra os últimos 40 anos. Seria ótimo fazer outras coisas como uma celebração, mas veremos o que podemos fazer. Por agora, estamos concentrados em soprar 40 velas entre nós os 5!

LEE SMALL (LS): Infelizmente, nenhum de nós foi capaz de se reunir por causa da Covid, mas todos nós conseguimos tomar um copo de alguma coisa e brindar ao Good Ship Lionheart!

 

Como têm ocupado o tempo durante estes dias loucos?

LS: Tem sido uma época bem estranha, de repente descobrir que tens todo esse tempo nas mãos com muito pouco trabalho. Pessoalmente usei o tempo para recarregar as minhas baterias, já que está bastante cheio com projetos de gravação e tournées por todo o mundo desde outubro.

SM: Temos sorte de todos termos projetos fora de Lionheart nos quais nos envolvemos quando não estamos a trabalhar em coisas de Lionheart. No meu caso, fui tocar com os The Sweet e Michael Schenker. Estávamos a trabalhar na tournée de Schenker pelo Japão pouco antes da Covid e tínhamos planeado um espetáculo incrível com 11 músicos, incluindo Simon Phillips, Ronnie Romero e Barry Sparks. E 2 dias antes de voarmos, em março, fomos informados que estava cancelado. Foi muito dececionante, mas para mim significou que, de repente, tinha todo o tempo livre que podia, e então enterrei a minha cabeça no meu estúdio e concluí The Reality Of Miracles. É bastante estranho porque se não fosse a Covid-19, o álbum poderia ainda não ter sido concluído! Desde então, tenho recebido muito trabalho de mistura e masterização em estúdio e, atualmente, estou a trabalhar num álbum com um cantor fabuloso chamado Chris Ousey.

 

De qualquer forma, a melhor maneira de comemorar é com um álbum novo e fantástico. Como foi a vossa preparação para a criação de The Reality Of Miracles?

SM: A preparação para The Reality Of Miracles começou logo após o lançamento de Second Nature em 2017. Pessoalmente, nunca consigo sentar-me sobre os louros e tenho sempre que começar a pensar em novos projetos assim que o último é lançado. Levamos 3 anos para montar The Reality Of Miracles, em parte por causa dos nossos outros compromissos, mas principalmente porque, como produtor, eu estava absolutamente determinado que cada faixa seria marcante, sem fillers. Se alguma música não estivesse a funcionar a 100%, eu deitava-a fora. Isso obviamente significa que leva muito tempo para fazer um álbum, mas no final vale a pena o esforço extra.

LS: Eu concordo, este álbum está a ser trabalhado há mais de dois anos. Foi um trabalho de amor, mas definitivamente foi beneficiado por ter tanto tempo para viver e trabalhar nas músicas.

 

No entanto, apesar dessa longa carreira, este novo álbum é apenas o quarto. Porque é que isso acontece?

SM: Originalmente, no início dos anos 1980, quando a banda se juntou pela primeira vez, não havia forma de gravar um álbum, a menos que tivesses uma editora a financiá-lo. E parecia que nós, nos Lionheart, estevámos sempre a nadar contra a corrente no que dizia respeito ao negócio e demoramos 4 anos antes de finalmente assinarmos com a CBS Records nos Estados Unidos. Lançámos o álbum Hot Tonight pela CBS, mas tivemos um longo hiato de 1986 a 2000 por vários motivos. Lançámos um álbum duplo de demos pela Pony Canyon Records no Japão por volta do ano 2000 e começamos a conversar seriamente sobre como seria ótimo colocar os Lionheart de volta ao ativo. No entanto, a oportunidade não surgiu até 16 anos depois, quando nos tornamos oficialmente uma banda de trabalho novamente e nos últimos 4 anos dobramos o número de álbuns que lançamos!

 

Bem, mas chegaram a separar-se em 1986? O que aconteceu efetivamente?

SM: Na verdade, nunca nos separamos - mas tornamo-nos seriamente desmotivados. O problema era má gestão. Tudo o que sempre quisemos fazer foi tocar a nossa marca de rock and roll, que apresentava harmonias vocais em três partes, harmonias de twin guitars e ótimas canções melódicas. Tudo isso mantendo a nossa herança NWOBHM. O que não percebemos foi o frenesim de tubarões do mundo da música que tínhamos em nosso redor e acabamos por ser processados ​​por uma grande quantidade de dinheiro que foi gasta por outras pessoas em nosso nome. Claro que não podíamos pagar advogados de primeira linha e éramos como cordeiros para o matadouro. Toda a banda inteira fugiu e escondeu-se, faliu ou pagou com as suas economias. Foi uma lição amarga que tivemos que aprender e essa foi a causa da retirada dos Lionheart de cena.

 

E regressam em 2016 com esse espetáculo no Rockingham Festival. O que motivou esse regresso?

SM: Como já mencionei, há muitos anos que vínhamos a discutir um regresso dos Lionheart e em 2016 os promotores do Rockingham Festival, que eram grandes fãs nossos, ofereceram-nos a oportunidade. Então, aproveitamos a oportunidade, mas fizemos o espetáculo com a condição de que veríamos como ele correria. Bem, a resposta que recebemos no festival, bem como as mensagens que recebemos no Facebook, foram francamente impressionantes. Ficamos totalmente surpresos que tantas pessoas ainda se lembrassem de quem éramos! E o pedido mais importante dessas pessoas era gravar outro álbum. Foi assim que surgiu o Second Nature e a banda estava de volta!

 

The Reality Of Miracles está a ter um grande sucesso no Japão. Esperavam isso? E por que acham que está acontecer lá?

LS: Acho que todos nós ficamos maravilhados com o quão bem este álbum foi recebido por lá. Queríamos aproveitar o sucesso do Second Nature e a nossa tournée por lá em 2017, mas a resposta deles a este álbum foi simplesmente impressionante.

SM: Depois de todos os anos difíceis na década de 1980, acho que, honestamente, todos temos a sensação de que Lionheart estava destinado ao fracasso – naquela altura parecia termos muito azar. Desde 2016 parece estar a acontecer o contrário para nós. Hoje em dia, somos muito cuidadosos para não comemorar nada muito cedo e, com o lançamento do novo álbum, esperávamos, é claro, que daria certo, mas aceitaríamos o que viesse. Portanto, não, certamente não esperávamos o tipo de sucesso que teve. No dia do lançamento, olhamos as tabelas de hard rock da Amazon no Japão e fomos # 1 em todos os tops que eles tinham. Mesmo assim, pensamos que iria cair no dia seguinte, mas ficou lá em # 1 semana após semana e lentamente começamos a perceber que se estava a tornar um álbum de sucesso. Acho que há várias razões para isso acontecer no Japão. Firstly Hot Tonight foi um álbum meio cult em todo o mundo. Em segundo lugar, tivemos o álbum duplo de demos em 2000, que por si só manteve o entusiasmo dos nossos fãs japoneses. Second Nature foi muito bem promovido pela nossa editora japonesa King Records e nós apoiamos esse lançamento com uma tournée japonesa. Depois, há as conexões que temos com os Iron Maiden, Michael Schenker e UFO. E, finalmente acho que The Reality Of Miracles é um trabalho brilhante e positivo que traz um pouco de vida e cor de volta ao que se tornou um mundo bastante deprimente com a covid. Acho que a King Records também viu uma oportunidade com esse álbum e eles usaram a sua influência para nos conseguir grandes displays em lojas como a Tower Records. Foram todos estes fatores combinados no momento certo.

 

Bem, de facto, o sucesso está a acontecer em todo o mundo. Consideram este o vosso melhor álbum até agora?

SM: Sem dúvida. Este álbum teve mais cuidado, mais atenção aos detalhes, mais paixão e certamente mais tempo. Nós desenvolvemo-nos como compositores e eu pessoalmente desenvolvi-me como engenheiro e produtor e, com o meu dinheiro, estamos a produzir de longe as nossas melhores músicas. A boa notícia é que este é um processo contínuo.

LS: Com certeza, acho que é o trabalho mais completo até agora dos Lionheart. Continuamos a elevar a fasquia cada vez mais em termos de escrita e esforçamo-nos mais para obter melhores resultados e temos uma química muito boa quando se trata de escrever. Steve é um compositor fabuloso, também todos nós conhecemos muito bem o estilo, o que é uma coisa ótima para se ter - a mesma compreensão musical.

 

Portanto, de que forma descreveriam este álbum? E onde o colocaria no vosso caminho evolutivo?

LS: Acho que o som dos Lionheart evoluiu com as pessoas envolvidas à medida que cresciam como músicos e compositores. É uma grande lacuna de 1984 a 2017, os estilos mudam, as pessoas aprendem mais sobre si mesmas como escritores e amadurecem, acho eu. Como um bom vinho, Lionheart definitivamente fez isso. Hot Tonight para mim estava muito acima de muitos álbuns da época, mas com o Second Nature, podias ouvir uma mudança natural no som, mas ainda tinha as marcas registadas do som da banda. The Reality Of Miracles evoluiu novamente à medida que trabalhamos mais uns com os outros.

SM: Esta é uma boa pergunta. Em fevereiro passado, ficamos muito cientes do estado em que o mundo estaria quando este álbum fosse lançado. A nossa editora, a Metalville, estava convencida de que deveríamos seguir em frente com o nosso lançamento, apesar da maioria dos outros artistas desistir deles. Concordamos com eles e imediatamente percebemos que o álbum poderia e deveria ser um farol durante o que, para todos, é um momento extremamente difícil. Portanto, este tornou-se um álbum excecional para condições excecionais. O nosso artista gráfico, o incrível Tristan Greatrex, também percebeu toda a abordagem e produziu a capa do álbum como eu nunca tinha visto - tão cheia de luz e positividade. Ele representou perfeitamente a música do álbum e olhando para trás em todo o processo agora parece que este álbum foi, como eles dizem, “feito para ser”. No entanto, é apenas mais um marco no processo evolutivo dos Lionheart que, após 36 anos, está finalmente em andamento. Enquanto eu estava a mistura e masterizar The Reality Of Miracles já tinha na minha cabeça como o próximo álbum se pode se destacar deste. Existem tantos caminhos que podemos explorar. Pessoalmente gostaria de continuar a influência da boa música clássica e acho que desta vez chegamos tão perto de produzir um álbum conceptual que podemos muito bem ir até o fim da próxima vez. O que quer que façamos, nunca posso imaginar que chegará o dia em que os Lionheart ficarão sem ideias sobre como avançar consistentemente de um álbum para o outro.

 

É perfeitamente evidente que os Lionheart não são um projeto de um homem só ou algum tipo de projeto pessoal. São uma banda de verdade. Mas... consideram-se um supergrupo ou não?

LS: A banda foi classificada assim no início dos anos 80, mas não, não nos vejo como um supergrupo hoje em dia.

SM: Lionheart sempre foi e sempre será um grupo. Eu também trabalho a solo, mas há uma mágica em Lionheart que é difícil de expressar em palavras. Sempre existiu e é por isso que nunca podemos dizer que alguma vez tivéssemos terminado. Sempre fomos amigos íntimos, ainda somos amigos íntimos e a soma é muito maior do que as partes individuais. Quanto a sermos um “supergrupo”. Bem, no início, um jornalista do Sounds (jornal de música do Reino Unido) chamou-nos de “o primeiro supergrupo NWOBHM”. É um rótulo que tínhamos e que talvez ainda tenhamos. Mas os rótulos realmente não significam nada, embora eu suponha que seja bom ouvir. É a música que é importante, não os rótulos.

 

Como funciona a composição nos Lionheart, especialmente para este novo álbum? Foi um esforço coletivo?

SM: Sim, muito mesmo. Todos os compositores da banda têm ideias iniciais e eu transformo essas ideias em algum tipo de forma musical para a qual Lee então escreve o seu vocal, isto é, se ele não escreveu a música em primeiro lugar. Normalmente trabalho em todas as músicas do álbum ao mesmo tempo, o que aos meus ouvidos mantém as coisas frescas e envio regularmente MP3 das versões brutas para o resto da banda para comentários. Dessa forma, toda a banda se envolve muito na criação das músicas. Podemos ser muito honestos uns com os outros e se uma ideia for uma porcaria, deitamo-la fora. Hoje em dia não temos egos a atrapalhar! Provavelmente rejeitei material suficiente para fazer de The Reality Of Miracles um álbum triplo, pelo menos - mas queremos qualidade, não quantidade - nisso todos concordamos.

LS: Sim, é coletivo, acho que todos nós tivemos certas ideias para músicas, essa é a beleza de ter compositores diferentes. Todos nós temos estilos ligeiramente diferentes também que se moldam ao som da banda.

 

Com dois álbuns em três anos, podemos dizer que os Lionheart são definitivamente uma banda para ficar e continuar a produzir álbuns?

LS: Enquanto as pessoas quiserem comprar a nossa música, espero que possamos ficar por mais anos.

SM: Sim, podes dizer isso absoluta e definitivamente com total confiança. A menos que um asteróide atinja a Europa, é claro. Mas, mesmo assim, encontraremos uma maneira...

 

E presenças ao vivo? Com tantas limitações, existe alguma coisa que possa ser feita?

LS: Estes são tempos de teste, dias sombrios e todos precisamos de nos unir para tentar superá-los a uma escala mundial. Espero que possamos todos sair do outro lado em breve e voltar a tocar ao vivo novamente.

SM: Temos observado o que outras bandas têm feito com interesse e tiro o chapéu para o que tem sido feito pelas bandas até agora. Mas é um momento tão difícil e para ser perfeitamente honesto, é tão difícil ter que tocar para um pequeno punhado de pessoas por causa do distanciamento social. Dito isto, todos apoiamos totalmente as medidas que estão a ser tomadas e é uma pena que tantas pessoas não o façam. Acho que tudo o que podemos fazer é esperar e ver se uma vacina vem, ou se os testes em massa permitem que os espetáculos ocorram novamente da maneira tradicional. Até esse ponto, acho que tudo o que podemos fazer é começar a preparar-nos para o próximo álbum enquanto temos tempo.


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