Entrevista: Cabrita

 

Se a música é uma linguagem universal, os seus diferentes estilos ou géneros não são mais que sotaques. Quem o diz é João Cabrita que, numa altura em que celebra 30 anos de carreira, lança o seu primeiro álbum em nome próprio. E em nome próprio não significa a solo, porque em Cabrita, há um trabalho colaborativo com muita gente de talento. E porque é mais um trabalho riquíssimo na carreira do saxofonista, voltámos a conversar com o João Cabrita para saber mais sobre este projeto e o futuro.

 

Olá, João, tudo bem? Bem, tu não paras! Para já, os nossos parabéns por mais este projeto! Depois dos CSFC, não perdeste tempo a criar mais um registo. O que te motivou para este passo?

Na verdade, este disco nasceu fruto de uma série de acasos: no inverno de 2018 acabei a 1ª volta da tour Misfit do The Legendary Tigerman, e ainda estava a finalizar as misturas do Back On Track dos Cais Sodré Funk Connection. Assim, com poucos espetáculos e muito tempo livre nos 2, 3 meses seguintes, desatei a compor sem objetivo. Assentei numa base de quarteto de saxofones com secção rítmica e fui por ali fora. Ao fim de uns 10 temas comecei a perder o entusiasmo, liguei ao Tó Trips e pedi-lhe que me enviasse um riff, loop, ou ideia inacabada. O tema que se veio a tornar o Dancing With Bullets despoletou novas colaborações com o Ivo Costa (Snake Eyes) e o Sam The Kid (We Andrea), e mais à frente comecei a chamar as pessoas que ia sentindo que seriam as mais apropriadas para darem input nos restantes temas.

 

Quando e onde é que esta ideia surgiu?

Primeiro foram as colaborações. Havendo amigos a disporem do seu tempo e talento no trabalho, não fazia sentido ficar na gaveta. Depois surgiu o pretexto, os 30 anos de carreira. E por fim, no Indiegente Live juntei a banda e fui tocar 3 temas ao vivo. O Hugo Ferreira, da Omnichord Records estava lá e gostou tanto que me propôs editar o disco. Assim fiquei com o que faltava: a editora.

 

O que é diferente neste álbum é que é o teu nome que aparece na capa… mas são muitos os músicos que te acompanham. Foi fácil juntar tanta gente (ou nem se chegaram verdadeiramente a juntar – risos)?

Mais ou menos. Felizmente hoje em dia, com a informatização dos estúdios, é mais fácil a partilha de ficheiros. Muita gente gravou e mandou, outros fui ao estúdio deles ajudar a gravar, outros emprestaram o estúdio, e muitos vieram cá a casa almoçar e gravaram por cá. Foi um processo bem variado, onde depois centralizei eu as operações.

 

Chegaste a trabalhar cara-a-cara com todos eles ou a pandemia (ou qualquer outra coisa) não permitiu?

Na verdade, como respondi acima foi variado. Quando a pandemia apareceu já estava na fase das misturas, a trocar ficheiros com o Guilherme Gonçalves e a fazer as Quarantine Sessions.

 

E o que surgiu primeiro? O convidado que orientou a direção do tema ou a direção da criação que levou à escolha do convidado?

Na maioria dos casos fui eu com os temas quase completos. No caso do Tó, do Ivo e do Sam foi uma reação às ideias iniciais deles. No resto dos temas houve de tudo. Desde ambientes que ficaram melhorados até mudanças grandes de estrutura, como por exemplo, no Afronaut's Lament, onde a bateria do Hélio mudou a direção do tema.

 

E há (houve) algum convidado com quem tivesses vontade de trabalhar e não tivesse sido possível?

Oh, pá, tantos!! Até aqueles que convidei e, por um motivo ou outro, acabaram por não entrar no disco

 

Em termos logísticos foi complicado pôr em prática um projeto desta envergadura?

Foi um pouco, mas na verdade como as coisas foram feitas num arco largo de tempo, correram sem stress, tirando na fase final, do fecho das colaborações. Aí já tinham os prazos e tivemos de apertar mais as coisas.

 

E, como sempre, sem impores limites de estilos nem de géneros. Um verdadeiro hino à diversidade, não concordas?

Plenamente. Sendo a música uma linguagem universal, os estilos e géneros para mim não são mais que sotaques. Mais tecnicamente, o alinhamento do disco também ajudou a contar uma viagem, com o saxofone ao centro, em que começas num tom mais rock’n’roll, escuro e denso e vais progressivamente transitando para outros géneros mais luminosos, celebratórios.

 

Como te sentes quando vês um tema teu a servir de fundo musical na apresentação de um programa televisivo? Como se proporcionou essa situação? 

Na verdade, soube por terceiros. O mais interessante é que neste tipo de circunstâncias ouço as canções como se fossem de outros, ou seja, como que de fora. Já aconteceu com outros temas meus de Cais Sodré Funk Connection e foi igual.  

 

E houve muito espaço para a improvisação ou nem por isso?

Sim, claro. Neste caso não escrevi nada antes de gravar, por isso pode-se considerar que todos os riffs que começaram os temas foram improvisados. E, até certo ponto, a abordagem de todos ao arranjo também.

 

Este disco acaba por acontecer na comemoração do teu 30º aniversário de carreira. Era esta a melhor prenda ou ainda há mais alguma coisa a caminho?

Era esta, sim. Nada melhor que fazer música nova para celebrar o passado. Melhor que isto, só mais música nova, que espero continuar a fazer por muitos anos.

 

Novembro trouxe, também, a edição em vinil duplo. Traz alguma diferença em relação à edição em CD?

A maior diferença é termos incluído um disco de 10” bónus, que reúne algumas Quarantine Sessions feitas ao longo do primeiro confinamento. Ficou um objeto muito bonito!

 

Muito obrigado João, e como está sempre a criar, pergunto-te que projetos estão a ser preparados para os próximos tempos?

Neste momento estou a montar um espetáculo novo em que os Cais Sodré Funk Connection convidaram o Paulo de Carvalho para revisitar alguns temas do seu repertório, que nos está a dar muito gozo. Entretanto falta acabar o próximo álbum do Paulo Furtado e ao mesmo tempo começar a pré-produção do próximo Cais Sodré Funk Connection. Mais à frente há já algumas ideias para o projeto CABRITA, como um disco de LoFi, ou de fado. Mas para já ainda estão muito no início... E, claro, tocar este disco o mais possível na estrada com a minha banda incrível: Gonçalo Prazeres, André Murraças, João Capinha, João Rato e Filipe Rocha. Felizmente ideias não faltam!

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