Entrevista: Sandra Bullet



Nascida em Setúbal, mas residente em Coimbra, Sandra Bullet é uma cantautora e multi-instrumentalista de Rock Alternativo, com um toque Indie e um som old school. Aos 18 anos juntou-se a uma banda de garagem como vocalista, mas sem qualquer formação musical, sentia alguma dificuldade em explicar como idealizava as suas composições. Essa necessidade esteve na origem da aprendizagem de outros instrumentos. E depois do EP Longe, Somewhere In The Crown recria 15 das canções que essa banda criou. Compositora, instrumentista, vocalista, engenharia mecânica (ainda chegou a exercer), streamer e freelancer, eis Sandra Bullet na primeira pessoa.

 

Olá, Sandra, obrigado pela disponibilidade. Somewhere In The Crown é o teu álbum de estreia, estou certo? Embora já tenhas o EP Longe, em 2017. Em que é que difere este álbum desse EP?

Olá, obrigada pelo convite! São dois trabalhos muito diferentes. Longe foi a minha primeira produção, que celebra a minha conquista de viver exclusivamente da música. Estava apenas a começar, tinha equipamentos, software e conhecimentos muito rudimentares. Tenho muito orgulho do que consegui fazer com o que tinha; mas à medida que a minha qualidade de equipamentos, performance e software foi aumentando, sentia que aquele trabalho não representava mais as minhas capacidades. Paralelamente através de concertos online comecei a criar uma comunidade de fãs, que adorou o EP mas, que queria mais. Ainda lancei dois singles entretanto, mas o que eles queriam mesmo era um álbum. E acho que isso foi o empurrão que bastou. Este álbum é um trabalho muito mais cuidado e completo, que contrariamente ao meu primeiro EP que foi feito integralmente por mim, contou com o feedback e o talento dos meus antigos companheiros de banda. E isso fez toda a diferença.

 

Estes 15 temas vêm todos dos teus tempos de uma banda de garagem. Alguma vez foram lançadas anteriormente?

Nunca foram lançadas, nem sequer gravadas condignamente. Nunca fomos para estúdio, com muita pena minha. Para os meus companheiros de banda a música era um hobby e nunca houve vontade de investir. Ensaiar e dar uns concertos de vez em quando era suficiente. Houve uma altura em que tentámos gravar as nossas próprias músicas, mas cedo percebemos que sem o equipamento e os conhecimentos de gravação necessários não conseguíamos bons resultados. No entanto conseguimos bastantes concertos com essas demos; quase todos os sítios que recebiam as nossas demos nos chamavam. Acho que isso já foi por si só uma prova da qualidade das músicas.

 

E, para este lançamento, houve algum processo de recriação?

Sem dúvida que foi uma recriação. O nosso processo criativo era muito simples: alguém inventava uma linha melódica e os outros iam atrás. Nunca se pensava muito, e como nunca gravámos decentemente também não tínhamos referência sobre como as músicas iriam soar. As linhas de bateria e baixo permaneceram mais ou menos as mesmas, com poucas alterações. Onde concentrei mais os meus esforços foi sem dúvida onde me sinto mais confortável, nas guitarras e vozes. A maior parte das composições apenas tinha uma linha de guitarra e voz, pois apenas tínhamos um guitarrista e eu como vocalista, e quando gravávamos nunca pensávamos muito nisso. Para este álbum, como fui gravando em casa isso deu-me uma liberdade criativa muito grande. Às vezes surgia uma ideia para segundas vozes quando estava a gravar a guitarra ou vice-versa, e fazia uma gravação rápida só para não perder a ideia e gravar mais tarde. O mesmo aconteceu nos synths; foram todos acrescentados só agora neste álbum. Como resultado as músicas ficaram mais completas e vibrantes.

 

E os músicos que te acompanham são os mesmos desse período ou houve remodelações a esse nível?

Para a gravação deste álbum fez muito sentido convidar e incluir os antigos membros da banda, pois sei perfeitamente o quanto estas músicas representam para eles. O baterista (Ricardo Gaspar) e o baixista (Eduardo Maduro) aceitaram prontamente e envolveram-se imenso no projeto, o nosso primeiro guitarrista (Rui G. Bilóba) decidiu não se envolver tanto, mas sem dúvida que foi uma grande ajuda e suporte em todo o processo.  Apesar de já não tocarmos juntos, somos muito próximos e eu sei que posso contar com eles; tanto que os convidei para apresentarmos o meu primeiro EP ao vivo. Gostaria muito de fazer uma tour nacional e apresentar este álbum nos palcos; mas para isso sei que terei de encontrar músicos que tenham os mesmos objetivos e disponibilidade do que eu, o que nem sempre é fácil.

 

De que forma descreverias, para quem não te conhece, as tuas músicas?

Gosto de as descrever como as pessoas normalmente as descrevem. Sou muito comparada com Alanis Morissette e The Cranberries, P!nk ou Avril Lavigne. Já ouvi muitas vezes também que tenho um estilo old-school, o que para mim é um elogio pois adoro músicas desde os anos 20 até ao início dos anos 2000. Gosto de instrumentos reais e som orgânico, portanto é isso que faço. O meu estilo é Rock, sem dúvida, mas não Metal. Infelizmente hoje em dia quando se fala em Rock assume-se logo que é música “pesada”.

 

Para além destes temas já outras criações em curso?

Como artista estou constantemente a “criar”, mas existe um tempo para tudo. Agora o meu foco está em divulgar este meu trabalho e crescer a minha base de seguidores. Sinto que precisava muito de fazer um trabalho que me representasse completamente como artista, e agora já o tenho, portanto está na hora de sair do estúdio e ir para os palcos.

 

Acima de tudo tens feito tudo em formato DIY. Voltou a acontecer o mesmo para este lançamento?

Sim, mais uma vez foi tudo feito no meu estúdio, com a exceção de a bateria e o baixo não terem sido tocados por mim. Neste momento já possuo um estúdio construído de raiz por mim, com vidros duplos não paralelos, parede dupla independente, tratamento acústico, algo que não tinha aquando da gravação do meu EP. Fez uma diferença enorme nas gravações, principalmente da bateria, que é um instrumento tão exigente.

 

De alguma forma pode considerar-se este como um lançamento que é fruto da pandemia?

Sem dúvida que sim. Nos últimos 4 anos tenho trabalhado maioritariamente para outros artistas, gravando vozes, guitarra, produzindo, misturando ou masterizando. Nos últimos 2 anos consegui também um contrato com uma app americana que me pagava 12 horas de concertos semanais. Tudo isto me deixava muito pouco tempo para as minhas próprias músicas. Infelizmente com a pandemia tive uma quebra enorme de trabalho; os outros artistas também foram afetados e não têm dinheiro para investir nas suas músicas; e a app deixou de pagar o que pagava pelo simples facto de todos os artistas estarem agora a descobrir o online por não poderem tocar ao vivo; tornou-se insustentável. A minha vida virou-se do avesso há cerca de 3 meses, mas isso só me motivou a acabar este álbum.

 

Como é que a engenharia mecânica se cruza com o rock?

O Rock surgiu bem antes da Engenharia Mecânica. Cresci a ouvir Roberto Carlos dos anos 60, quando o Rei era o embaixador do Rock no Brasil; ainda oiço hoje. Quando era adolescente idolatrava o Pop como quase toda a minha geração, Britney Spears era a minha maior inspiração. A minha melhor amiga adorava H.I.M., mas para mim aquele Metal melódico era demasiado. Até que um amigo meu me emprestou um cd de uma nova banda chamada Linkin Park, Hybrid Theory. Eu achava aquilo muito pesado também, mas ele praticamente obrigou-me a ouvir do início ao fim. Foi uma transformação. Fiquei agarrada àquilo. Depois veio Green Day com American Idiot, e quando entrei na banda comecei a descobrir outras bandas e sons, como Red Hot Chili Peppers, My Chemical Romance, Simple Plan, The Offspring. A Engenharia Mecânica surgiu simplesmente por não pensar ser possível viver da música, e pelo descontentamento geral por empregos não qualificados. Então resolvi voltar a estudar em 2010, terminei o curso em 2015 e trabalhei dois anos como Engenheira. Mas também não era para mim. A música sempre falou mais alto. No entanto o curso deu-me uma estrutura de pensamento muito sólida, e sem dúvida que isso faz a diferença na forma como trabalho.

 

Além da tua carreira a solo também és música freelancer e streamer. O que tens feito ultimamente?

Continuo a fazer alguns trabalhos como freelancer, nomeadamente segundas vozes, mas muito poucos. Mantenho o contacto com parceiros recorrentes, mas todos dizem o mesmo; “vamos lá ver se a pandemia passa para eu conseguir voltar à minha vida normal”. Em relação ao streaming, deixei a app onde estava, mas continuo a fazer dois concertos por semana, um no Twitch e outro no Youtube, e simultaneamente no Instagram e Facebook. É uma forma de conexão fantástica e acho que é o que me tem permitido manter a sanidade nestes tempos de confinamento.

 

Queres falar-nos das tuas Bulletized Covers? Em que consistem? Como tem sido a reação a este projeto?

Foi uma realização de um desejo antigo. Quando comecei a ser freelancer um dos trabalhos mais recorrentes era paródias de músicas conhecidas ou versões totalmente diferentes. Divertia-me imenso com aquilo. Quando comecei a fazer streaming as pessoas que me viam começaram a perguntar pelo meu canal de YouTube, que existia, mas estava totalmente abandonado. Durante algum tempo pensei como queria fazer; não queria apenas cantar karaokes ou tocar versões acústicas, queria ser criativa em vários instrumentos. Então decidi embarcar num projeto que agora vejo como hercúleo: produzir uma versão de uma música completa, com vários instrumentos, com uma produção profissional, e ainda fazer uma edição vídeo a condizer, uma vez por semana. As reações foram ótimas. Toda a gente adorou, e em breve o meu pequeno canal começou a crescer, tudo de forma orgânica. Comecei a convidar outros artistas para colaborar comigo; isso trouxe-me mais público. Mas em breve se tornou insustentável aquele ritmo, então comecei a fazer covers de piano ou apenas versões acústicas, mantendo os Bulletized covers mas em formato mensal, e ligado a uma página no Patreon que permite aos meus fãs apoiarem estes meus covers.

 

A terminar, mais uma vez obrigado e dou-te a oportunidade de acrescentar algo mais ao que já foi abordado nesta entrevista...

Obrigada, eu! Gostava apenas de acrescentar que nunca é tarde para seguirmos os nossos sonhos, e que tudo é possível se nunca deixarmos de tentar e acreditarmos mesmo no nosso caminho; e agradecer a todas as pessoas que me encorajaram e me apoiaram no meu percurso. Uma palavra amiga de um desconhecido tem um poder imensurável.

Comentários