O projeto O Gajo de João Morais
avança a cada lançamento. Mesmo que seja um lançamento que surja apenas aparece
impulsionado por uma pandemia. De facto, este ano não havia previsões para um
novo disco de originais de O Gajo, mas com os concertos parados, João Morais
dedicou-se à composição tendo alargado a sua base instrumental. Não é a
primeira vez que acontece em temas de O Gajo, mas é a primeira vez num álbum
completo. Confiram o que o criativo músico tem para nos contar em mais uma
interessante conversa.
Olá,
João, mais uma vez obrigado. E já começam a faltar os adjetivos para
caraterizar o teu trabalho. Desta vez, foste ainda mais longe com Subterrâneos.
Quando começaste a trabalhar neste disco já era com a ideia de incluíres outros
instrumentos?
Este disco é fruto desta pandemia. Não tinha ideia de
gravar um disco em 2020, mas quando percebi que o país ia parar, resolvi
manter-me ocupado para não me deixar ir abaixo. A primeira coisa que pensei foi
como poderia reformular o meu método de trabalho para manter o processo
interessante. A decisão foi trabalhar para o formato trio em vez do formato
solo já habitual e por isso sim, todo o disco foi pensado para receber outros
instrumentos.
Efetivamente,
pode ler-se no booklet que este disco foi criado como resposta à
pandemia. Foi uma espécie de terapia?
A música sempre foi para mim uma terapia, uma forma de
resposta a tantas coisas que me oprimem ou me frustram no dia a dia. Quando a
pandemia se instalou, eu estava a descansar das composições para atacar os
palcos e promover o disco de 2019 As 4 Estações do GAJO. Ora, sem
concertos, o plano deu uma reviravolta e como parar não me faz muito bem à
cabeça, decidi voltar à composição que tanto gosto e tanto prazer me dá. Sem
pandemia não haveria Subterrâneos.
E
desde o início que a tua ideia estava virada para o contrabaixo e percussão, ou
chegaste a ponderar outros?
O meu plano “A” foi ligar ao Carlos Barretto com
quem já me tinha cruzado nas 4 estações do GAJO em 2019. A experiência,
a técnica e acima de tudo a sensibilidade deste contrabaixista seriam os
ingredientes chave para a minha nova abordagem. O Carlos aceitou o meu desafio
e sugeriu o José Salgueiro para a percussão. Eu só posso dizer que a
minha motivação subiu a pique pois estaria longe de pensar ter este privilégio
nesta altura da minha caminhada. Com a secção rítmica arrumada, o resto seria
trabalhar muito para dar corpo a esta aventura. Para além do contrabaixo e da
percussão eu já andava a pensar juntar alguns cordofones tradicionais para
criar um momento um pouco orquestral e por isso reservei um tema para dar asas
a essa ideia.
E
como é que o Carlos Barreto e o José Salgueiro chegam ao O Gajo?
Conheci o Carlos Barretto através do José Anjos
com quem tenho desenvolvido algum trabalho e numa determinada altura fiz ao Carlos
Barretto um convite para partilharmos uma música. Essa parceria resultou
muito bem e, portanto, ele passou para o topo da minha lista de convidados a
ter em conta no futuro e foi por isso a primeira pessoa a quem liguei para esta
nova aventura. Ele e o José Salgueiro já tocam juntos há mais de 20 anos
e como eu não tinha ainda percussionista para o disco o Carlos falou com o José
Salgueiro. Já conhecia o trabalho do Salgueiro há bastante tempo e as
referências eram muito boas.
Achei
muito curiosa a forma como foste apresentando os temas, ainda antes do seu
lançamento. O que te motivou a levares a efeito esse procedimento?
Normalmente uso os concertos para ir apresentando os
temas novos e tentar criar alguma expetativa relativamente a um novo trabalho.
Este novo disco deixou-me muito orgulhoso e como não havia concertos decidi
fazer uns vídeos com uma pequena explicação do que inspirou cada tema. Às vezes
penso que ninguém vai querer saber do que estou a falar, mas depois vou
recebendo bom feedback e avanço… São experiências. Umas mais
interessantes que outras.
E,
na sua sequência ficámos a saber que quase todos (se não mesmo todos!) os temas
têm uma história por trás. Queres fazer uma breve abordagem a isso?
Eu neste momento faço apenas música instrumental, mas a
motivação para passar uma mensagem continua muito presente. Como não tenho
letras, tenho um contexto ou uma história que motivaram aquele ambiente e a
música é a banda sonora de algo. Isso facilita o meu trabalho porque me orienta
na progressão de cada tema. No Subterrâneos, mais de metade das músicas
são inspiradas em textos ou frases de poetas portugueses e um poeta catalão,
mas não há uma regra.
Ou
seja, o teu olhar sobre Lisboa tem-se alargado e aberto a outras vivências?
Completamente. Já vou para as 45 músicas originais e não
posso circunscrever o tema a apenas uma cidade mesmo que goste muito dela.
Lisboa foi o ponto de partida onde nasci e cresci, mas agora quero levantar voo
e olhar à minha volta com um espectro cada vez mais alargado.
Podes
falar-nos de como surgem os convidados, nomeadamente o trompete do José
Salgueiro e outros executantes da campaniça?
O José Salgueiro para além da bateria, toca também
trompete e estava certo dia a ensaiar com esse instrumento antes do nosso
ensaio. Eu gostei muito do que ouvi e lancei logo o desafio de trazermos o
trompete para uma música.
A ideia de juntar várias Campaniças numa música já vinha de trás. Este trabalho
tinha de ter novidades e por isso seria uma boa altura para avançar com essa
experiência. O Thomas Attar Belier vive em Paris, mas já tocou em
Portugal várias vezes. Em 2019 esteve num concerto meu e no final veio dar-me os
parabéns e dizer-me que tinha gostado muito do som da viola. Antes de voltar
para Paris ainda comprou uma Campaniça para usar nos seus projetos. Mais tarde
desafiou-me para partilharmos uma música e eu depois retribui com o convite que
lhe fiz para participar neste disco. O Tó Zé Bexiga eu conheço há mais
tempo e é um excelente músico que já anda a explorar a Campaniça há muito
tempo. É uma excelente pessoa também e por isso seria o tocador ideal para
entrar nesta aventura.
E
já agora, para a capa escolheste uma obra de César Amorim/Mutes. Podes
contar-nos como essa ligação se proporcionou?
O Mutes enviou-me um vídeo de uma peça que estava
a fazer em que no pano de fundo tocava uma música minha na rádio. Foi uma
coincidência que ele achou interessante e por isso resolveu enviar-me esse
vídeo. Eu gostei da peça e por curiosidade fui descobrir o trabalho dele. Achei
que os nossos trabalhos comunicavam muito bem e na hora de decidir qual seria o
design para a capa do Subterrâneos, contactei o Mutes para
chegarmos juntos a uma solução. Fiquei com A Marcha em Escarlate que se
adequou muito bem ao conceito por detrás do nome do disco.
Como
surgiu aquela hipótese de fazeres a apresentação do álbum no Convento das
Flamengas?
Eu e a equipa da agência com que trabalho estamos sempre
a sondar hipóteses de parcerias para expor este meu projeto. Como vivo em
Alcântara, lembramo-nos de fazer uma proposta à Junta de Freguesia de Alcântara
que se mostrou muito recetiva. Com a chegada da pandemia essa proposta
adaptou-se ao formato digital e como a junta tem alguns protocolos com espaços
aqui na Freguesia, eles sugeriram o Convento das Flamengas. Foi uma excelente
parceria e ficamos todos muito satisfeitos com o resultado!
Entretanto,
tens participado em outros eventos como as celebrações do 25 de Abril e o
Campaniças em Beja. Portanto, há cada vez mais reconhecimento pelo teu
trabalho? Sentes isso?
Sem dúvida. Acho que o trabalho que desenvolvo não pisa
os calos a ninguém e tem um caminho próprio. Tenho tido cuidado com isso.
Respeito muito a herança da viola que toco, pois isso é o que este projeto tem
de mais forte. Sejam tocadores de Viola Campaniça, sejam alentejanos, sejam
músicos da vertente mais tradicional, acho que todos sentem que o que faço tem
valor criativo e deixa bem vista esta viola e o seu legado.
Que
vídeos deste álbum já foram produzidos? Há previsões para mais algum?
Para já temos o Electro Santa e estou a trabalhar
(devagarinho) noutro videoclipe para o tema Morfeu. Está a ser um trabalho
complicado pois não tenho meios muito aprimorados para o que me propus fazer,
mas julgo que mais 1 semana e estará disponível. Às vezes atiro-me para certas
aventuras que se transformam em desafios complexos.
Definitivamente,
a Campaniça ocupa o teu lugar de eleição nos tempos atuais, mas ainda tens
tocado na elétrica?
Não. O problema é que são sensibilidades muito diferentes
e a Campaniça é de longe mais exigente. Tenho de tentar ser bom a tocar uma
delas e se andar a virar de uma para outra, parece que nunca chego a ser
razoável em nenhuma. Esse projeto O GAJO requer foco total para ter
profundidade.
A
terminar, mais uma vez obrigado e dou-te a oportunidade de acrescentar algo
mais ao que já foi abordado nesta entrevista e enviar uma mensagem para os teus
fãs…
Obrigado, mais uma vez pelo apoio do Via Nocturna.
Em relação às pessoas que vão seguindo O GAJO, para além de um grandioso
agradecimento, espero ver-vos por aí! A cultura levou um grande abanão com esta
paragem e espero que saia disto mais forte pois o país precisa deste
ingrediente para criar seres humanos mais completos, sensíveis e encontrados. Apareçam!
[Créditos: Fotos por Jorge Buco; Fotos ao vivo por Adriana
Pardal]
Comentários
Enviar um comentário