O
ano começou em alta para a música nacional! O novo projeto Santa Clara
Blues (novo, mas com gente com muita experiência) avançou para a gravação
do seu álbum de estreia, ao vivo, sem rede, de forma sentida e orgânica. Montes
Altos é uma lufada de ar fresco no panorama nacional. Traz ainda um
sentido de simplicidade e ruralidade que se enaltece e que se revela um fator
decisivo na sua identidade. E como resultado, assume-se, para já, como um dos
grandes lançamentos deste novo ano. E para nos falar desta obra, que promete
ser marcante, conversámos com Miguel Ângelo e José Mendes.
Olá,
Miguel e José, obrigado por despenderem algum tempo com Via Nocturna. Os Santa
Clara Blues são um jovem projeto, mas, neste curto espaço de tempo, como tem
sido a vossa existência?
MIGUEL ÂNGELO (MA): Este “projeto”
(não gosto muito de usar este termo para o que fazemos) funciona a um passo
lento, sem stress nem pressas. Eu vivo no Reino Unido, o que também
influencia o modo como trabalhamos. Vamos escrevendo, gravando e planeando
conforme nos cai bem.
A
amizade entre os diversos membros dos SCB já remonta há mais de trinta anos.
Porque só agora surge este projeto? Qual foi o precursor do mesmo?
MA: Porque tudo na
vida tem um tempo e uma hora para acontecer. Todos tivemos, e temos outras
coisas a correr na vida, família, trabalho e música, mas só agora e que tudo se
conjugou nas nossas vidas para que isto acontecesse. O precursor disto tudo
foram os nossos retiros na Aldeia dos Artistas no Alentejo. Onde fomos beber
vinho, pescar e passar tempo juntos. Inicialmente só eu e o Zé (José Mendes) e
outros amigos de adolescência. Na segunda vez que fomos levamos guitarras e aos
poucos as coisas foram acontecendo musicalmente, foi tudo totalmente
espontâneo. O resultado está no álbum Montes Altos.
Já
agora, conta-me lá como tudo aconteceu…
MA: (risos) Parte
desta resposta esta na resposta anterior. Ao longo de um período de tempo eu e
o Zé já tínhamos alguns temas alinhados. O Zé sugeriu convidar o Fast Eddie
Nelson para participar e eu, por razoes óbvias, sugeri o João Sérgio
para o baixo. Fizemos uns ensaios com o Fast Eddie nos quais os temas
começaram a tomar mais forma. Depois disso aconteceram mais uns ensaios com o
João e a coisa foi por aí.
JOSÉ MENDES (JM): Sim, a génese
do projeto foi nas nossas fugas para o Alentejo, e daí saíram os rascunhos das
músicas, que eu e o Mike continuamos a compor via whatsapp, zoom,
etc, entre Portugal e Inglaterra, mas depois mais tarde nas jams com o Fast
Eddie Nelson, que se tornaram em ensaios onde já o João já participou, é
fase que as músicas ficam estruturadas, as ideias de arranjos aparecem aqui,
solos, etc. Que ainda foram completadas mais tarde pela percussão e sonoplastia
do Miguel Lima.
E
porque Santa Clara Blues? Como é que surge este nome e tem algum significado?
MA: Santa Clara
Blues foi o primeiro tema a sair das jams lá em baixo. O sítio onde
vamos fica perto da Barragem de Santa Clara e a coisa saiu dai. No entanto, não
foi a ideia inicial para o nome da banda, mas com o passar do tempo foi o que sabia
bem como nome da banda.
Que
objetivos procuraram atingir com este projeto e com o lançamento deste álbum?
MA: Do meu ponto de
vista quero tocar o mais possível pelo país fora, mostrar a nossa música a quem
a queira ouvir. Não quero que haja barreiras ao que podemos fazer. Inicialmente
é o que gostaria que saia deste primeiro trabalho.
JM: O álbum foi
concebido como um objeto que abre uma janela sobre o nosso tempo de partilha em
Santa Clara e no momento gravação em take direto no teatro Arte Viva no
Barreiro, se a empatia que existiu nesse momento passar para quem o ouve, para
mim esse objetivo está cumprido. Como banda queremos tocar para partilhar o
álbum, continuar a compor, e manter a porta aberta à participação de mais
músicos com nós os 5.
Sendo
que já tinham algumas experiências anteriores, que know
how trouxeram para esta nova entidade?
MA: Beber vinho.
Agora a sério, acho que o que trouxemos foi a maturidade. As experiências de
vida e trabalhos musicais anteriores que nos permitiram amadurecer e fazer com
que isto seja uma realidade.
Mas,
suponho que acabem por se afastar do vosso passado criativo…
MA: Sim e não.
Falando por mim, nunca tinha feito nada com esta sonoridade. Sempre fiz rock
e metal. Mas há sempre migalhas dessas experiências que são transferidas
para o que faço agora.
JM: Acho que somos
todos muito ecléticos, e embora todos os projetos que temos, ou que tivemos,
pudessem estar dentro de categorias, como o Blues, Folk, Rock,
Punk, Metal, Indie, etc., são só categorias que são
coladas posteriormente, elas nunca foram discutidas ou de alguma maneira
moldaram este projeto. O importante é a música, e que ela seja feita no sentido
de partilha e realização pessoal entre nós, e essa é a magia, porque são as
migalhas das experiências anteriores que o Mike fala, que são partilhadas. Por
exemplo, um dos melhores concertos que já vi, foi uma visita do Fast Eddie
Nelson aos Pink Floyd chamada Between Barret And The Moon, e
no solo do tema Santa Clara Blues, consigo sentir lá essa influência.
O
nome do projeto está em português, o título do álbum também. Mas cantam em
inglês. Porquê?
MA: Primeiro porque
podemos. Segundo porque não há regras a seguir. E terceiro porque não nos
queremos limitar a nada. Criatividade não tem regras, seja na música, pintura,
escultura, etc. Fizemos assim porque saiu assim e nos soube bem. É simples.
E,
curiosamente, o título do álbum acaba por ser uma faixa que capta o final da
vossa experiência de gravação, mais como uma
brincadeira. Primeiro, por que razão decidiram incluir essa faixa
e, depois, porque foi precisamente essa que acabou por batizar o disco?
MA: Era um tema que
já tínhamos brincado com ele, gostamos da ideia e decidimos que ia ficar no
álbum. Montes Altos era, inicialmente o nome da banda e quando decidimos
adotar Santa Clara Blues, Montes Altos tornou se o nome do álbum.
Montes Altos é um sítio especial na Barragem de Santa Clara e tinha que
estar incluído neste trabalho.
JM: Não queríamos
este tema mais desenvolvido, queríamos que fosse uma passagem, sem narrativa,
como uma janela para te levar a um lugar.
Este
trabalho foi gravado ao vivo. Querem contar-nos como foi essa experiência? Onde
ocorreu, como foi a preparação, como decorreram as gravações?
MA: O álbum foi
gravado no Teatro Arte Viva (Teatro Municipal do Barreiro). Queríamos captar a
atmosfera orgânica de estarmos todos a tocar juntos, no mesmo espaço. Coisa
difícil de recrear num estúdio. Ensaiamos separadamente umas poucas vezes e
nunca chegamos a ensaiar juntos uma única vez antes de gravar. Não por escolha,
mas por necessidade, tendo em conta que eu tinha pouco tempo disponível aí em
baixo, e o evento do Covid complicou as nossas opções ainda mais. Uma vez que
começamos a gravar, pouco a pouco, ficamos mais à vontade uns com os outros
(musicalmente) e a coisa correu bem.
JM: Sim e é aqui
que começa a importância Miguel Lima como músico e técnico neste projeto.
Nós falámos com ele com esta ideia de captar o som ao vivo para o álbum ter
este lado orgânico que o Mike fala, e ele foi ver o teatro, e durante um fim de
semana “micou” todo o palco e captou as músicas. Depois todo o trabalho e
mistura, sonoplastia e percussão que acrescentou foi imprescindível para o
resultado final.
E
como se deu essa ligação à Raging Planet Records?
MA: O Zé (José Mendes) e a pessoa mais indicada
para responder a esta.
JM: Eu conheço o Daniel
Makosh há alguns anos, por partilhar um atelier num espaço dele e
por fazer capas para álbuns de bandas da Raging Planet, onde cresceu uma
amizade e uma admiração pelo trabalho que faz, que facilitou poder mostrar-lhe
este projeto. Ele também editou vários álbuns do Fast Eddie Nelson e o
segundo dos Lisbon South Bay Freaks, fazia todo o sentido querer
pertencer ao portefólio da Raging Planet.
Village Song foi
o primeiro single. Porque o escolheram? Sentem que, de alguma forma, representa
o trabalho na sua totalidade?
MA: Não, não
representa o trabalho na totalidade. Mas representa o início desta coisa.
Gostamos todos deste tema e como tal foi escolhido para ser o primeiro tema a
sair para a rua. Claro que antes já tínhamos posto o Montes Altos como
um aperitivo.
De
que forma Carla Passinhas se cruza convosco no acordeão em Shoulder
To Shoulder?
MA: Nos sempre tivemos a ideia de que seria nice
colaborar com outros músicos e convidá-los para fazerem parte disto. O Zé já
conhecia a Carla e nós achamos que o Shoulder To Shoulder ia beneficiar por
ter um acordéon. E assim foi, ficamos felizes que a Carla aceitou o convite e
fez de uma canção bonita uma bonita canção.
JM: A Carla é
professora de música, pianista, e toca teclado nos The Brooms, uma banda
aqui do Barreiro. Em conversa achávamos que o Shoulder To Shoulder
precisava de outro instrumento, um acordéon ou violino. Já não sei se vi a
Carla a tocar acordéon num vídeo, ou foi o Fast que me disse que ela tocava,
mas achámos a ideia perfeita. A Carla aceitou o convite, e ao segundo take
no estúdio Estrela de Alcântara do Miguel Lima, estava feito, e a
música elevou-se com a gravação dela.
Este
será um projeto de um disco apenas ou têm ideias de continuar a criar?
MA: Já temos ideias
e algum material para o próximo álbum. Mas, como até agora, será uma coisa para
se trabalhar ao nosso ritmo. No meu ver,
os Santa Clara Blues são para a vida. Quando for velho quero sentar-me
com os meus amigos a tocar e beber vinho.
Obrigado.
Querem acrescentar mais alguma coisa que não tenha sido abordado?
MA: Por agora acho
que é tudo. Obrigado.
JM: Queria
agradecer à Eliana da Ride The Snake pelo belo trabalho de promoção que
tem feito com o Daniel da Raging Planet a promover o álbum.
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