Entrevista: João Navarro

 


João Navarro já tem um percurso atrás de si que não torna o seu nome desconhecido. Mas, em nenhum momento, atingiu um nível tão alto como o faz neste EP Limited Edition. Em seis temas e pouco menos de 20 minutos, Navarro mostra-se um exímio contador de histórias brincando com a métrica e os tempos das suas canções. E por isso, quisemos conhecer melhor o músico, o vocalista e o compositor.

 

Olá, João, obrigado pela disponibilidade. Limited Edition é o teu mais recente disco. Antes de falarmos dele, podes apresentar-te e falar um pouco do teu trajeto musical?

Eu é que agradeço a oportunidade. Muito obrigado. Havia um velho piano vertical lá em casa, quando eu era miúdo. Esse piano acabou por se transformar mais num brinquedo do que num instrumento, e pelo qual me apaixonei. Em bom rigor, e como eu não sabia tocar, acabava por tentar inventar canções porque não conseguia tocar os temas que eu gostava de ouvir. Creio que terá sido mesmo essa limitação e falta de noção e formação musical que acabou por ser a razão que me levou a fazer canções. Confesso que tenho alguma dificuldade em ouvir as dezenas de canções que fiz ao longo dos anos e porque estavam precisamente cheias de erros e imperfeições. E o mesmo se passava com as letras, algumas que considero mesmo tontas e que me embaraçam quando as descobrem cá em casa em registos antigos. Acabei por integrar uma banda de blues na adolescência e só em 2000, já a morar em Coimbra, iniciei a minha primeira banda de originais. Capitães, com o Flávio Tavares na guitarra e João Pedro Amado no baixo, aos quais se juntaram o Nené na bateria, Toy Reis na percussão e posteriormente o Ramiro Evanhanga no saxofone. Comecei a cantar por acidente e porque não havia quem o fizesse. Como eram as minhas canções, alguém me disse… “porque não as cantas tu…” A verdade é que nunca soube cantar e, um pouco como no piano, acabei por ir arriscando aqui e ali para sofrimento dos que me iam ouvindo (risos). Surgiu a oportunidade de gravar o primeiro disco em 2003 e vieram os concertos.  Em 2005 iniciou-se um novo ciclo com Chauffeur Navarrus. Dividi a autoria das músicas com o António Neves da Silva que assumiu a direção musical da banda, continuei a escrever letras e a teimar dar a voz ao projeto, em conjunto com o Guilha Marinho no baixo, Paleka na bateria, Sónia Castro e Carla Galvão nos coros. Gravámos no estúdio Nascer do Som com o Francisco Rebelo, e foi assim que nasceram os registos que existem de CN, entre concertos que fomos fazendo nos Casinos Lisboa, Casino do Estoril, Casino da Figueira da Foz, entre outras datas e passagens por Aveiro, Coimbra, Guarda, Pombal, Porto, São Pedro do Sul, Tavira. Contudo, fui continuando a escrever e a fazer novas canções. É certo que, no piano, de tempos a tempos procurei aprender com pessoas como Klara Pankovych em Coimbra, depois José Carmo em Viseu, mas confesso que tenho uma dificuldade gigantesca em aprender a teoria que é tão importante para que possas evoluir. Nos últimos anos começou a crescer a vontade de fazer novo trabalho, em nome próprio, mas que tivesse a colaboração de um produtor. Nelson Canoa foi quem o José Carmo me recomendou e era alguém com quem queria muito trabalhar porque sabia da sua experiência. E aqui estou eu, com este trabalho, mas consciente da necessidade de aprender mais, muito mais, e foi por isso que me inscrevi numa escola agora em Lisboa, tendo o Ricardo Pinto como professor de Formação Musical e Combo, e o Rui Caetano como professor de piano e até porque é um pianista que muito admiro também.

 

Limited Edition é o teu primeiro registo em nome próprio. O que procuraste atingir quando começaste a escrever este conjunto de temas?

Pretendia conseguir uma evolução em relação aos trabalhos anteriores. Não apenas na minha performance ao piano e na composição em si, mas muito pelas letras também. Francamente envergonham-me algumas das letras que escrevi no passado. Era muito jovem e muito preguiçoso a escrever. Ficava-me pelos primeiros versos, ou por ideias menos bem conseguidas ou infelizes até e muito pouco elaboradas. Tive como objetivo fazer as melhores canções que alguma vez fiz e, ainda que reconheça que não serão do agrado de todos nem as melhores canções, acredito que serão as melhores que eu consegui fazer até agora.

 

De que forma as tuas experiências musicais anteriores se refletem neste teu novo trabalho?

De todas as formas. Há um padrão na forma como canto, como toco, da mesma forma como também senti a preocupação em corrigir erros do passado como os que referi na questão anterior. Portanto há uma continuidade, uma evolução, mas, e francamente, reconheço que há todo um caminho gigante para fazer ainda. Existem provas de 100 metros, de 110 metros barreiras, as maratonas… dir-te-ia que estou a meio de uma maratona com barreiras (risos).

 

Em termos de composição este é um trabalho todo construído por ti ou tiveste algum trabalho colaborativo?

Músicas e letras minhas, contudo contei com a ajuda preciosa do Nelson Canoa na produção e arranjos. Também é verdade que o talento e criatividade dos músicos fazem toda a diferença quando se gravam os temas. Cicero Lee no contrabaixo, Joel Silva na bateria, Ricardo Pinto no trompete, Guilha Marinho na guitarra, as Patrícias nos coros e o Miguel Camilo no arranjo de cordas e programação do Piano Cupido.

 

É notória a tua capacidade para contares histórias nas tuas músicas, bem ao jeito de Palma, por exemplo. Consideras-te um verdadeiro contador de histórias?

Considero-me um contador de histórias, e gosto de o fazer, sim… Se verdadeiro ou não… enfim, creio que só o público o poderá confirmar. Não escondo que tenho uma admiração gigantesca pelo Jorge Palma e que é para mim um dos músicos com as melhores canções, não deixando de referir evidentemente a magia dos versos do Carlos Tê e o quanto me marcaram as canções do Rui Veloso. Atualmente verifica-se muito talento em músicos que gosto muito de seguir: Luísa Sobral, Miguel Araújo, João Só… entre tantos mais.

 

Já agora, essas histórias são reais ou fictícias?

Há histórias reais e outras que são apenas fantasia. Diria que a maior parte têm uma base real e um mergulho na imaginação… O que me diverte imenso quando o consigo fazer.

 

Em termos dos músicos que te acompanham, quem são e como se proporcionou essa escolha?

Cicero Lee no contrabaixo, Joel Silva na bateria, Ricardo Pinto no trompete, Guilha Marinho na guitarra, as Patrícias nos coros e o Miguel Camilo no arranjo de cordas e programação do Piano Cupido. Ficou com o Nelson Canoa a decisão dos músicos a selecionar para este trabalho, para que se conseguisse a sonoridade pretendida. Não é um disco de jazz, nem se pretendia que fosse, mas queríamos uma sonoridade que juntasse o que fazia com o blues e alguma linguagem de jazz. Apenas tinha em mente as Patrícias e o Guilha Marinho, com quem queria mesmo trabalhar, mas percebi no processo que eram já as pessoas que o Nelson Canoa tinha em mente, até porque já tinha trabalho muito com os três.

 

Independentemente do que atrás referiste, da audição deste trabalho ressalto o teu desempenho tanto vocal, quanto ao nível do piano. Que tipo de formação tens para cada um deles?

Não tenho qualquer formação vocal. Aliás, sinto uma dificuldade imensa e que é uma área que tenho que desenvolver rapidamente. Canto o que consigo e com muitas limitações quando vejo outros músicos com um talento gigantesco. Admiro-os imenso. No piano tive umas luzes aqui e ali, e uma sucessão de tentativas falhadas para aprender. Como te fazia referência nas primeiras questões, tenho imensas falhas de formação musical e uma imensa dificuldade em aprender.

 

Sensatez foi a escolha para primeiro vídeo. Porquê?

Tenho muita dificuldade em selecionar um single e raramente acerto. Temos uma ligação emocional aos temas tramada e por vezes cai-se no erro, eu pelo menos, de que o último tema que fiz é melhor que o último. Acabei por pedir ajuda ao meu amigo Rogério Carvalho, com uma grande sensibilidade musical, a quem pedi que pedisse aos seus amigos (que não me conhecessem) para mostrar os temas e percebesse se havia uma tendência. O Rogério fez um trabalho fantástico e percebeu-se que num determinado grupo de pessoas registava-se uma tendência para a Sensatez.

 

Na própria capa do CD tens uma citação de um pianista cubano, Victor Zamora. Quão importante foi essa sua declaração na tua vida artística, a ponto de a colocares no teu próprio CD?

Conheci o Victor depois de ouvir um disco do Paulo Carvalho. O piano impressionou-me imenso nesse trabalho. Aliás, todos os músicos eram fantásticos, mas como compreenderás, dei mais atenção ao piano. Acabei por pesquisar, procurar saber quem era e proporcionou-se conhecer. Tenho uma profunda admiração pela forma do Victor Zamora tocar e, mesmo como pessoa, é extraordinário. Perguntei se ele não se importava de ouvir o disco e se ficasse confortável e o sentisse, se partilharia algumas palavras. Fiquei muito grato e sensibilizado, e francamente muito orgulhoso também.

 

Tens alguma coisa planeada para promover este disco ao vivo?

Conto com a assessoria de imprensa da Cristina Pereira e da Paula Cabeçadas, que tem sido fundamental nesta fase. A ideia é promover, promover, promover antes de se perspetivar ou avançar para concertos ao vivo. Estão a surgir os primeiros contactos nesse sentido, mas parece-me importante avançar apenas quando se conseguir cumprir os objetivos de promoção.

 

Obrigado. Queres acrescentar mais alguma coisa que não tenha sido abordado?

Apenas convidar a ouvir os temas no Spotify e a ver os vídeos no Youtube. Tanto o José Garcês, como o Miguel Tobback, como a Corvo Filmes através do realizador João Pais da Silva fizeram vídeos cujo resultado final vale a pena a ver.

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