Entrevista: José Moz Carrapa

 


Por um fio, é a metáfora que José Moz Carrapa escolheu para o seu primeiro disco. Composto por quinze músicas, que foram sendo registadas ao longo de 30 anos em vários locais onde, por um fio, o autor se ligou aos 220V que alimentaram o hardware necessário para o registo sonoro. Sozinho ou com convidados de nomeada assim se gravou Por Um Fio, apresentando pela primeira vez 14 desses 15 temas. Fomos perceber o que motivou José Moz Carrapa a promover este lançamento e porquê só agora.

 

Olá, José! Obrigado pela disponibilidade! Antes de mais, podes começar por te apresentar aos nossos leitores?

José Moz Carrapa, tocador de viola há um pouco mais de cinquenta anos…

 

É dito que Por Um Fio reúne temas que foste juntando ao longo de 30 anos. Mas estes temas nunca tinham tido um lançamento ou já?

Das quinze peças que compõem este CD só uma, Terra de Ninguém, foi gravada em 1989 e fez parte da banda sonora da série da RTP Claxon, onde se ouviu em fundo menos de 15 segundos. Foi depois integrada no CD com temas da série, mas resolvi juntá-la a esta coleção mais pessoal.

 

Isso significa que estes temas abrangem uma época muito abrangente em que, de forma natural, as tuas influências e gostos também podiam ir mudando. Isso é notório nesta coleção de canções?

Nesta coleção de temas só dois são cantados. Decerto que todas as peças são fruto de influências várias, ao longo do tempo, mas não sei referenciá-las nem discernir tendências.  Há alguns guitarristas, nacionais e estrangeiros que me chamaram a atenção e me alargaram os horizontes, grupos vários, com e sem guitarras, de famílias musicais diversas…

 

Também dizes que vêm de locais diferentes. Isso também influenciou, de alguma forma, a composição?

A principal motivação para o aparecimento destes temas foi a necessidade de exercitar os dedos e capacidades quando em períodos mais solitários, sem grupo ou músicos por perto disponíveis para troca de ideias. Fui adquirindo equipamento que me permitiu ir elaborando suportes rítmicos e harmónicos sobre os quais improvisava, experimentando ideias.

 

Todos os temas desta coleção estão integrados nos parâmetros anteriormente referidos ou não?

Terra de Ninguém tem uma génese diferente. Foi um tema que toquei numa formação dos Ficções, grupo liderado pelo Rui Luís Pereira “Dudas”.  Tempos depois, já fora do grupo, numa sessão de estúdio em que me encontrei com três dos músicos que já conheciam o tema, tive oportunidade de o gravar.

 

Se são temas dos últimos 30 anos, o que te motivou a lançá-los agora? Ou o que proporcionou o seu lançamento agora?

Um belo dia dos forçados confinamentos, ocorreu-me que podia tentar uma candidatura ao Fundo Cultural da SPA para a edição e publicação destes temas em CD. A candidatura foi bem-sucedida e parti para o fecho e finalização das peças. O motivo terá decerto uma dose de narcisismo, claro. Tantos anos a participar em criações alheias, ó pra mim… À beira dos 70 anos era agora ou nunca, a oportunidade de deixar um registo da minha “natureza” musical.

 

Estilisticamente, em que nomes ou movimentos procuras encontrar as tuas inspirações?

Essa é a mais difícil porque não consigo avaliar o que fiz. Tenho referências e preferências, mas muito ecléticas. Não há um género musical nem tenho heróis em nenhuma modalidade da existência. Instintivamente há coisas que aprecio e outras que me podem incomodar, se não puder desligar a fonte…

 

Na composição esteve apenas o José Moz Carrapa. Portanto pode afirmar-se que são faixas altamente individualizadas ou personalizadas?

Como disse atrás, foi em períodos mais solitários e sem nenhum objetivo ou destino, só a experimentação estética e a terapia ocupacional. Mas há também dois temas que não são meus.  Prelúdio Molero é uma composição do Pedro Luís Neves, do tempo em que tocámos juntos no Circo da Vida, em 1977/8. Ficou gravado numa k7 de ensaio, de onde o repesquei por ser um   dos temas de que mais gostava desse repertório. Soma-se uma das primeiras músicas do José Afonso que   toquei, Já o Tempo se Habitua, num arranjo instrumental.  Há um terceiro tema em que dividi a autoria, Em Casa de Elisa, com o Edgar Caramelo. Um dos motivos para esta edição tardia prende-se com o facto de a música instrumental ter pouca audiência entre nós e neste caso só pude fazer a edição de autor porque subsidiada. Nunca seria apoiada por uma editora, mas também é facto que não bati à porta de nenhuma. Durante os contactos de trabalho que tive com a indústria discográfica, percebi que não lhes iria pedir coisa alguma, nem sequer opinião. Por isso fui adquirindo os meios para gravar e desenvolver o que aqui publico, as que achei mais interessantes de entre o que fui acumulando em discos rígidos.

 

E para as executar, com que contaste?

Excetuando Terra de Ninguém, que foi gravado nos anos em que havia condições para gravar live nos estúdios, o que aconteceu, todos os outros têm origem em locais diversos por onde passei ou vivi e foram finalizados mais recentemente com participações de amigos e excelentes músicos também em locais fortuitos, como salas de ensaio ou quartos de hotel… Este mais antigo, com o Yuri Daniel - baixo, Alexandre Frazão - bateria e Alexandre Manaia - Rhodes e Synth, outro menos antigo, E as Nuvens a Passar, com o Rui Alves – baterista e coprodutor comigo, que toca em mais seis temas, Bernardo Fesch - baixo, Diogo Santos - piano e Nanã Sousa Dias - saxofone… Há mais dois temas com amigos, Edgar Caramelosaxes, Tomás Moital - xilofone, Gabriel Gomes - acordeão…

 

Mas há algumas no formato one-man-band, não há? Porque avançaste nesse sentido?

As faixas em que estou sozinho em todos os instrumentos, ou, por outras palavras, não convidei ou recorri a outros músicos, são peças que achei que estavam completas. Tenho a tendência para o “menos é mais”. Os motivos para a composição podem ser a experimentação de um novo instrumento, um sintetizador, um software novo, a avaliação de um pedal de efeitos… Um acorde inicial, um timbre interessante e passo a passo, peça a peça, vai-se andando e compondo. Compor é escolher.

 

Muito obrigado, José! As maiores felicidades! Queres acrescentar alguma coisa que não tenha sido abordada?

Obrigado, eu pelo interesse manifestado e não, não me ocorre nada que tenha ficado por dizer.

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