Entrevista: From Atomic

 


Love Fate Now & Forever (assim mesmo, sem vírgulas) é um compêndio de experiências aliando as formas de sentir à música e a música às formas. Com texturas sonoras que mantém a essência da banda, os From Atomic apresentam no seu segundo disco, 11 canções negras, intensas, densas que tanto nos aconchegam como nos levam a abanar a anca. Um segundo disco que mostra o processo de maturação da banda e onde se percebe uma transição para uma nova musicalidade, mesmo que se continue a reconhecer o seu som caraterístico. Vejamos como se sente o trio conimbricense com este lançamento.

 

Olá, pessoal, tudo bem? Segundo álbum, para os From Atomic… o que se vos apraz dizer a este respeito?

Este 2° álbum é o resultado destes dois anos de e pós pandemia; uma mistura de sentimentos, de mudanças, de readaptação a um mundo que se transformou e nos transformou com ele. É a nossa resposta a tudo isto, é tanto um grito de raiva como uma ode ao amor, pela música.

 

Para o primeiro disco resumiam os vossos sentimentos como realização e impotência. E agora para o segundo?

Se no primeiro trabalho existiam esses sentimentos, típicos do pensamento em sociedade, em 2022 podemos dizer que se mantêm esses e se acrescentam uns outros tantos. Inevitavelmente as nossas vivências dos últimos anos estão ligadas aos acontecimentos externos que afetaram toda a humanidade. As nossas músicas mantêm as letras intensas e negras, com reflexos de tristeza, de sentimento de impotência, de ansiedade, mas também de aceitação, esperança e vontade de mudança.

 

Ouvindo Love Fate Now & Forever, parece que a urgência do rock está mais comedida e enveredam pela criação de cenários mais subtis. Concordam com esta leitura?

Não diria que está propriamente mais comedida. O primeiro álbum da banda não arriscou tanto musicalmente: tem guitarras mais floreadas, baixos e batidas mais limpos, as músicas são mais diretas, mais agressivas. No segundo álbum assiste-se a uma transição, arriscámos mais nas sonoridades e, apesar de mantermos as caraterísticas que nos são conhecidas, há variações de som: as guitarras dão uma camada de feedback com sons rasgados e etéreos, o baixo ficou mais sujo com fuzz e overdrive qb e a bateria procura o efeito 80’s/90’s com muito reverb à mistura; a estes junta-se uma maior predominância de synths. Aquele indie pop/rock acaba por se transformar num registo mais dream pop, post punk e por vezes com laivos que lembram o shoegaze. A urgência está lá na mesma, mas mais sentimentalista, talvez.


Por sua vez o título faz sobressair alguma dicotomia. Também existe essa dicotomia nas vossas composições musicais?

Sem dúvida; aliás era essa a ideia; mostrar a diversidade de sentimentos que passa por nós a um ritmo avassalador: luta, resignação, aceitação, amor, raiva, desespero, indignação, apaziguamento. Talvez por isso, ao ouvir o álbum não encontrem um fio condutor, um ritmo comum nas músicas, típico em álbuns de bandas, em que as composições são todas pensadas num registo semelhante. Destas 11 músicas o que encontramos é precisamente o contrário, apesar se se notar que são nossas, parecem feitas em alturas diferentes. No fundo foi o que aconteceu. Em dois anos, a concentração de diferentes sentimentos e pensamentos foi tão grande que resultou num ecletismo atípico naquilo que se considera o habitual álbum no seu conceito mais tradicional.

 

De que forma é que esse conceito e título se cruzam com essa enigmática imagem da capa?

Nós escolhemos 4 palavras soltas; não têm vírgulas propositadamente. Deixamos a interpretação livre, a quem o queira fazer. Queremos fazer pensar, refletir, analisar, sentir. Nenhum dos três membros interpreta as palavras de maneira igual, porque somos diferentes, temos vivências diferentes, almas diferentes. Amor, destino, agora e para sempre, são tantos os significados, as leituras que se podem fazer… Daí a associação à capa; simples, sóbria mas igualmente com tantas variáveis de interpretação. Uma estrada, infindável, um caminho, sempre diferente, dependendo de quem o está a percorrer. É isso que procura ser este álbum - libertar o pensamento, chamar à autorreflexão, cruzar ideias, ser de todos e para todos.

 

Deliverance tinha sido lançado em março de 2020 e, de repente, tudo parou. Sentiram um forte impacto ao nível da promoção do primeiro álbum?

Claro que sim. Foi um período de alguma frustração, não só para nós, mas para todos os artistas. No nosso caso, a expetativa era grande; tínhamos concertos de apresentação marcados um pouco por todo o país e na Galiza, o feedback à volta do disco era muito positivo, queríamos muito mostrar o nosso trabalho, porque afinal de contas é na estrada que o público nos fica a conhecer melhor. Com o confinamento tudo se alterou. Cancelaram-se os concertos, entrevistas presenciais e por mais que se tentasse fazer divulgação com vídeos de novos singles e entrevistas em revistas online, não era a mesma coisa.


E a resposta foi começar a pensar em novas composições?

Eventualmente sim, mas no início não. O trabalho que dedicámos ao álbum, com todo o processo criativo, as gravações, a edição, a preparação à volta do Deliverance e a posterior frustração do confinamento, deixaram algumas mazelas em termos de criação, até porque não podíamos estar juntos nesse processo. Com o tempo é que começou a existir uma adaptação ao novo estilo de vida imposto e começou a brotar a partilha de novas ideias e sonoridades. Entre estes dois anos que separam os dois álbuns, aprendemos a criar músicas de maneira diferente e surpreendentemente, gostámos do resultado. Houve um crescimento enquanto indivíduos e um renascimento enquanto grupo.

 

Entretanto trocaram Márcio Paranhos por Samuel Nejati. O que se passou? E o Samuel já teve oportunidade de contribuir para a composição deste disco?

Provavelmente não se sabe, por no início ninguém conhecer a banda, mas o assento da bateria já teve vários intervenientes; e curiosamente, o Samuel foi o nosso primeiro baterista oficial; aliás quem estiver atento ao videoclipe do primeiro single, Heavens Bless, verifica que é precisamente ele que está a tocar. Inclusive a percussão de uma parte significativa das músicas presentes no álbum de estreia, Deliverance, são da sua autoria. Por vicissitudes da vida, como acontece com inúmeras outras bandas, por vezes temos de nos readaptar para seguir em frente. Por motivos profissionais (porque infelizmente é muito difícil viver só da música), ou simplesmente porque as ideias já não convergem para um todo comum, há uma necessidade de mudança. Não tem de ser necessariamente negativo; o Márcio trouxe uma energia diferente e contribuiu de maneira indelével para o nosso crescimento e reconhecimento enquanto banda, tendo colocado o seu cunho no processo criativo do álbum e em singles como a Heartbeat e Dancing Demons, entre outros. Com a pandemia, seguiram-se caminhos diferentes, sendo que até se ponderou primeiramente manter a banda apenas em formato duo, como nas suas origens. Mas num twist típico de um livro de receitas vegan, surgiu a possibilidade do regresso do Samuel e não pensámos duas vezes. Com ele, criámos estas 11 músicas de Love Fate Now & Forever e esperamos criar muitas outras.

 

O vídeo de apresentação foi para o tema Quiet. Porque essa escolha?

Para quem já ouviu o álbum, a escolha da Quiet pode ser controversa; poderíamos ter optado por um tema mais comercial, ou mais rock ou mais dançável. Depois de muito pensar seguimos o nosso instinto e fomos por um caminho alternativo e arriscado: um dos temas mais intensos, mas também com uma mensagem tão e cada vez mais necessária nos dias de hoje.

 

Porque a inclusão de uma versão de um tema dos The Passions, I’m In Love With A German Star?

Esta é uma versão que nos é muito querida. Graças ao grande Rui Ferreira, que tem o conhecido programa de rádio Cover de Bruxelas, na RUC, surgiu a oportunidade de participarmos numa coletânea com algumas versões de músicas icónicas: um dos temas escolhidos foi precisamente a I’m In Love With A German Film Star. Gostámos tanto dela que era obrigatório integrá-la no álbum. É parte de um período da nossa vivência nestes últimos anos.

 

E quanto a convidados, Tracy Vandal e Toni Fortuna. Como se proporcionaram estas colaborações?

São figuras incontornáveis da nossa cidade, músicos incríveis com um currículo invejável e decidimos arriscar e convidá-los a participar em temas em que a voz deles ficaria perfeita. Eles aceitaram, nós adorámos, as músicas ficaram a ganhar, todos ficaram a ganhar! Foi uma experiência única.

 

Um dos aspetos mais relevantes para a banda suponho que tenha sido o lançamento do álbum em simultâneo em Portugal, no Brasil e na América Latina. Como está a ser a receção nesses mercados?

Sim, primeiro que tudo sentimo-nos afortunados: para além da fantástica Lux Records que continua a apostar em nós, tivemos muita sorte com o interesse do Bruno, da Before Sunrise Records, de S. Paulo, em querer divulgar o álbum noutro continente. É o sonho de qualquer banda poder ter o seu trabalho ouvido além-fronteiras. Para já, tanto em Portugal como no Brasil, ainda estamos numa fase de promoção e divulgação, aqui, com a Eliana, da Ride The Snake And Enjoy The Sound e no Brasil, com o Erick Tedesco. O disco saiu a 25 de novembro, há menos de um mês, então ainda não temos noção do que pode ou não resultar. Seja qual for o retorno, já estamos muito felizes com o interesse manifestado.

 

Obrigado, pessoal. Querem acrescentar mais alguma coisa?

Só dizer ao público que não se fique pelo que é habitual ou está na moda, ou é conhecido e por isso deve ser bom e o resto não vale a pena. Deem-se ao trabalho de arriscar, de ser quem querem e não o que os outros querem que sejam.

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