Fernando Girão tem vindo a espalhar a sua
revolta contra as cada vez mais gritantes injustiças de um mundo desequilibrado
a viver no compadrio e da corrupção. Depois de R. A. I. V. A. o combate segue
com os M. C. U. (Música Combate Urbano), aqui apenas em formato duo (com
Vicente Pereira), mas com os mesmos objetivos. Quatro anos depois voltamos a
falar com o músico e poeta, agora a respeito desta sua nova proposta que se consubstancia
no álbum Bem-Vindos Senhores ao Circo da Vida.
Olá, Fernando, tudo
bem? A última vez que falámos foi há quatro anos a propósito do teu projeto R.
A. I. V. A. Agora regressas com M. C. U. Qual é a ligação entre os dois
projetos e pergunto-te se ainda continuas a trabalhar em R. A. I. V. A?
R.A.I.V.A está sempre no ar, assim
como todos os projetos que faço. Se haverá uma continuação do primeiro álbum,
será o futuro e os “deuses da música” a decidirem… quanto à ligação entre os
dois projetos, poderia dizer-te que ambos estão no espectro Rock, embora
no caso concreto do M.C.U, a maior diferença é o som, os instrumentos utilizados, variantes na
parte harmónica e nas melodias. R.A.I.V.A é Metal e M.C.U (mesmo sendo “pesado”) eu considero Rock
Alternativo. Por outro lado, a temática, tanto num como no outro é a mesma:
denunciar as injustiças sociais, a corrupção do sistema e ser uma voz
(felizmente cada vez mais os povos de todas as latitudes estão a revoltar-se
contra a misérias e as mentiras dos “patrões do mundo) que luta pela defesa da
dignidade dos mais desfavorecidos.
Existe alguma razão
para estes teus projetos serem sempre siglas ou acrónimos?
Como poeta e contador de histórias, tenho mais de duas dezenas de
álbuns em meu nome, outras em que faço parte de algo com mais pessoas. Neste
momento uso as siglas que podem ou não querer dizer alguma coisa. R.A.I.V.A
é o sentimento do que diz a própria palavra. M.C.U significa Música Combate Urbano.
Mas, uma das
diferenças, é a redução do grupo de trabalho. Desta vez é apenas em duo.
Porquê?
M.C.U é um projeto feito no
estúdio 107, que é nosso (do Vicente
Pereira, meu parceiro neste projeto e sócio e eu).
Este é um projeto composto, gravado e misturado por nós dois, além disso, todos
os instrumentos (e vozes) que ouves nos temas foram tocados por mim e pelo
Vicente. Ou seja: a divisão das tarefas (menos a masterização que foi feita
pelo Ricardo Mendonça e por mim no estúdio do Ricardo) está totalmente nas mãos de duas
pessoas.
À semelhança de R. A.
I. V. A., também aqui deixas bem clara a tua revolta. Achas que essa raiva se
tem vindo a acentuar ou atenuar?
Totalmente a acentuar-se, basta que vejas a guerra na Ucrânia, as cada
vez maiores desigualdades entre ricos e pobres, o que homens e mulheres com
muito poder e poucos escrúpulos estão a fazer ao Planeta, a corrupção exercida
pelos mesmos aos olhos de todos e que ficam impunes nas gavetas dos tribunais
dos que mandam, os Partidos que enchem o
povo de esperança antes das eleições e depois, nada cumprem do que foi proposto
nos seus programas e promessas eleitorais e tantas coisas mais que beneficiam
os que tudo têm e desfavorecem os que não têm nada!!
O lançamento do álbum
foi sendo adiado algumas vezes. O que se passou?
Problemas normais, num caso como este ou de qualquer lançamento de
algum produto relacionado com arte ou que possam ter algum interesse cultural
num País que deixa a palavra cultura numa estante cheia de pó esquecida na
estupidez das mentes que não entendem que a cultura é essencial na vida e no
futuro de qualquer povo. Também se deve à falta de profissionalismo de toda uma
indústria quase inexistente neste momento.
Entretanto, também
foram lançando alguns EPs. Foram dois, não é verdade? Qual foi o objetivo?
Esses lançamentos, são sempre uma tentativa de dar visibilidade aos projetos,
já que atualmente as editoras quase nada gastam (em países da dimensão de
Portugal) para terem os seus produtos na rua. Se disso resulta alguma coisa
positiva, é difícil, pois é preciso investir para obter algum proveito (plantar
para colher). As poucas editoras portuguesas, com mais ou menos culpa, não têm
na realidade capacidade financeira para investir, vai daí…
Quando começaste a
compor Bem-Vindos Senhores ao Circo da Vida?
Eu e o Vicente, trabalhamos de forma quase constante na busca de ideias
para realizar. Depois de encontrarmos um caminho, tudo anda de forma intuitiva.
Trabalhamos geralmente com os textos que eu levo e buscamos a melhor forma
(embora possamos trabalhar de várias maneiras) de vestir esses mesmos textos,
até aparecer um tema completo (ou canções) que satisfaça o que pretendemos. O
tempo em que começamos algum projeto nosso, é irrelevante, quando trabalhamos
para outros artistas que usam o nosso estúdio para os seus fins, aí sim estamos
sujeitos a cronologia daqueles que utilizam o estúdio.
Já agora, houve alguma
motivação especial para a escolha deste título tão sugestivo?
O Circo da Vida, era o nome de uma banda
de culto que nunca gravou um disco!! Era formado pelo Moz Carrapa
nas guitarras, pelo Pedro
Wallenstein no baixo, pelo Quim M´Jojo
na percussão, pelo grande e saudoso Zezé
N`Gambi na bateria e pelo Pedro Luís nos teclados. Além
disso, é totalmente uma descrição do que vivemos nestes tempos e também a
incerteza do futuro dos mais jovens, dos nossos filhos e da própria humanidade.
Sugestiva também é a
capa. Quem foi o responsável?
A capa é da responsabilidade de três pessoas, eu, o Alex Guzzo
e a Carolina Luna, com a inestimável contribuição de um amigo de longa data: o Pedro Neves.
A tua temática está
muito associada à podridão política, mas sendo tu um homem ligado (ou já
ligado) ao futebol, já pensaste abordar essa podridão associada a esse mundo em
particular?
As experiências que tive na vida, e massacrantes covardias que são
praticadas hoje em dia, são mais que suficientes para que grande parte do que
escrevo seja poesia de guerra, de descontentamento. Acho que como artista tenho
a obrigação de alertar as consciências para este mal que cresce dia a dia. No
caso do futebol a injustiça é a mesma, o dinheiro que é gasto pelos grandes clubes
na compra de jogadores por todo o mundo e as negociatas que são feitas por
baixo da mesa, transformam um desporto que provoca tanta paixão e que também é
uma arte, numa falta de respeito pelos que para porem na mesa um prato de
comida trabalham horas e horas por salários de miséria.
Há uma música tua, de
1996, intitulada Racismo Não. Tem alguma coisa a ver com o tema que tem o
mesmo subtítulo presente neste álbum?
Sim, esta letra que (como bem dizes) foi escrita em 1996, é um exemplo
do que digo que se passa com o que vive o mundo, por mais que se resolvam ou
corrijam alguns males, outros aparecem imediatamente e a história repete-se
vezes sem conta. O Racismo (e os racistas) continua presente e bem ativo no ano
2023, e embora hajam atenuantes pontuais, o racismo ideológico, étnico,
religioso, sexual, desportivo, monetário e tantos outros, parece ser um mal que
ainda não tem fim!!
Já tiveste a
oportunidade de apresentar este disco ao vivo. Como está a ser preparada a
agenda para o próximo ano?
Não, o álbum é um recém-nascido e começa agora a gatinhar… a agenda do
ano de 2023, estará (sempre) dependente da aceitação e do entendimento real que
o publico tenha sobre este projeto. Com certeza haverá várias oportunidades de
tocar ao vivo, para mim e para Vicente
Pereira, neste momento, o importante é atingir o
maior número possível de pessoas com esta “mensagem”, o resto virá de forma
normal.
Obrigado, Fernando. Queres acrescentar mais alguma coisa?
Só agradecer o teu convite e esperar que as coisas mudem de forma
palpável e visível na vida de todos que trabalham por um mundo melhor e justo
para todos. Muito obrigado, Pedro.
Comentários
Enviar um comentário