A
preparar o seu segundo trabalho, God Villain avança para um EP de avanço, com o
título de Faith & Dope. Um
trabalho composto por cinco temas que serve de transição entre álbuns e que,
para além de música, vem acompanhado de videoclipes cinematográficos e obras de
pintura. Para nos levantar um pouco o véu do que está para chegar, o próprio
mentor deste projeto nortenho teve uma conversa profunda com Via Nocturna.
Olá, God, tudo bem? Em breve temos aí um novo EP, Faith & Dope. Um EP que teve uma génese curiosa.
Queres contar-nos?
É
um prazer ter mais uma conversa contigo, Pedro! Olha, surgiu em março de 2022,
fomos convidados para gravar umas canções no Groovewood Studios do Serafim
Borges (Classificados), com o João André e alunos de Sound
Design da Restart - Creative Education, que participaram nas sessões. Eu
gosto de envolver-me com o lado do ensino na música, e também gosto de envolver
futuros músicos ou produtores nos meus projetos, portanto foi a aliança
perfeita. Gravámos 3 músicas ao vivo em 2 sessões e eu, não sendo muito fã de
EPs, decidi fazer um para dar sentido ao que gravámos, e para dar algo às
pessoas enquanto preparamos o 2° álbum. Dia 1 lançarei o single Fear Peaks
com o respetivo videoclipe. A data oficial do lançamento do EP completo é dia
13 de março.
Este EP irá trazer cinco temas orientados para
a… Roma Antiga! Podes explicar-nos melhor este conceito?
É
a melhor descrição imediata que encontro! As canções têm uma sonoridade dark,
e todo o ambiente instrumental, as melodias e o sofrimento na voz, levam-me a
pensar em Tirania. Ouço as 5 canções e lembro-me daqueles quadros do século 19
que já expressavam o desespero humano do mundo moderno. A parte poética e a
parte musical fundem-se numa sonoridade muito particular, que a mim faz lembrar
Roma Antiga. Aquela imagem que temos do exército romano e as suas idas às
vilas, as suas invasões para criar divisões, o Calvo, o Calígula... Mas o
Império Romano também contribuiu muito para as Artes. Teve um lado mau e um
lado bom, como tudo. Faith & Dope é mais direcionado para isso do
que para a religião. Acho que caí no alçapão que eu próprio criei, ao usar
referências religiosas como metáforas para falar sobre outras coisas,
provavelmente muitas pessoas irão pensar que é uma crítica direta ao
Cristianismo, em certos momentos. Quando muito, abordo a hipocrisia da Igreja.
Cada um com a sua religião, a minha é acreditar no poder que está dentro de mim
para provocar inspiração e mudança. No fundo, há outro lado de mim que gosta de
causar uma impressão errada para perceber até que ponto as pessoas conseguem
ver o que está por trás disso. Ao usar palavras fortes como God-Jesus-Flower
e Jah (Deus) estou propositadamente a sugerir o lado divino para depois
poder abordar o lado mundano, o lado mau do ser-humano, ao usar palavras fortes
como Villain-Dope-Fear-Evil-Gun-Hell, e inevitavelmente compará-lo a esse
lado que temos, da Ilusão, acharmos que o milagre tem de acontecer se pedirmos
ao Universo, mas o Universo só te ajuda se tu começares a trabalhar no milagre.
Tem tudo a ver com dualidade e a forma como vivemos cercados de conceitos
distorcidos pelos homens que controlam a sociedade, e também muitas vezes mal
interpretados por todos nós.
Já agora, se for possível podes levantar um
pouco o véu a respeito do que estás a preparar e que, pelo que sabemos, inclui
videoclipes e pinturas?
Primeiro,
vou lançar o vídeo oficial do single Fear Peaks. A imagética toda deste
EP fez-me lembrar muitos clássicos europeus que estudei há 10 séculos atrás,
então decidi fazer uso de alguns elementos cliché do cinema e dos próprios
videoclipes, para contrastar com o conteúdo peculiar do vídeo. Escrito,
realizado e editado por mim, representando também o papel de God Villain
omnipresente, a observar o mundo ditado pelo Medo, medo esse que pode ver-se
até nos mais desvalorizados momentos do quotidiano de qualquer ser-humano. Inicialmente,
inspirei-me no Expressionismo Alemão dos anos 20 e num filme de 1987, o Asas
do Desejo, do Wim Wenders. Juntei isso a um pouco de Tim Burton
aqui, um pouco de Robert Rodríguez ali... E o resultado final é... Um
vídeo à God Villain. Até o Putin está no vídeo, mas escondido. Tens de
analisar o vídeo frame by frame para o encontrar. Ele está no vídeo
porque é claramente o símbolo do momento, representando tudo o que está errado
na humanidade, e para eu ter a minha chance de fazê-lo desaparecer, mesmo que
simbolicamente. Mas não permiti que ele tivesse muito tempo de antena na minha
obra, então só aparece durante 1 milésimo de segundo... Tive também a
colaboração de espaços históricos da cidade do Porto, o Museu de Marionetas,
o Teatro Seiva Trupe e a Papelaria Modelo, e terei a oportunidade
de promover esses espaços, relembrando as pessoas sobre a identidade que esta
cidade não pode perder. O Teatro Seiva Trupe neste momento não tem
apoios da entidade competente, e pode mesmo fechar, por exemplo. Quero, cada
vez mais, chamar a atenção para estas questões, quero apoiar com atitudes e não
apenas com palavras, porque a Mudança começa sempre numa comunidade, então se o
meu humilde apoio fizer com que o tema se alastre, my work is done. O vídeo tem, também, algumas imagens do meu
arquivo pessoal, do God's Own Junkyard em Londres - um armazém perto da
casa onde eu vivi no norte da cidade. Em relação às pinturas, há uns tempos eu
tive um episódio que me obrigou a ir de maca para o hospital (nem um Deus Vilão
se safa disso, certo?) e isso deveu-se ao facto da minha vida se resumir a
trabalho non-stop, então o dia de fazer reset... chegou. Com esse
episódio, voltei a pintar de forma ativa, descobri que me relaxa, permite-me
limpar a mente sem deixar de ser criativo. Então, como sou uma alma que gosta
de complicar, lembrei-me de fazer uma pintura a representar cada canção do EP.
O título de cada pintura é o título da canção que a pintura representa. Então,
as primeiras pessoas que comprarem o formato digital do EP receberão, por
correio, uma pintura à sua escolha. Na parte de trás da pintura terá um texto
meu escrito à mão a falar sobre a canção em questão, e algo direcionado à
pessoa. Eu não sou pintor, mas acho que não devemos esconder essas diferentes
formas de expressão só porque somos considerados "apenas músicos".
Agrada-me a ideia de expandir a visão em relação a uma criação, o Faith
& Dope não precisa de ser apenas um EP de 5 faixas com música. Até
porque eu imagino um mundo completamente à parte em cada criação minha, e só
uma percentagem mínima de tudo o que imagino chega a público. As pinturas
estarão disponíveis numa espécie de catálogo para todos verem e escolherem, eu
divulgarei na altura.
De que forma a fé e os narcóticos se cruzam na
tua música?
Podia
responder-te de várias formas. Mas digo-te assim: graças à minha fé, ou seja, a
crença em mim próprio, consegui libertar-me da Dope, e de várias formas
de autodestruição e ilusão, se quiseres. E isso está bem presente na minha
música, não só ao abordar experiências pessoais, mas também a forma como esses
vários veículos de autodestruição vêm sempre do mesmo sítio: medo, frustração,
repressões sociais, culturais, familiares, as ilusões constantes, situações que
somos obrigados a viver ao longo da vida, que deixam cicatrizes que demoram
muito tempo a fechar, entre outras coisas. A lista não acaba. Pessoalmente,
foco-me em mim e no meu bem-estar, que é o mais importante, sem sentir a
necessidade de mostrar ao mundo como eu consegui sobreviver e o que construí a
partir dessa grande mudança. Acabo por mostrar a força que ganhei, aparecendo
enquanto God Villain. De outra perspetiva, o título Faith & Dope
é um trocadilho com aquela expressão Faith & Hope. Achei que faria
sentido alterar para Dope, porque às
vezes a esperança também pode ser viciante. Digo que pode ser, porque... já
experimentei! Ter uma cega esperança de que algo pode ser reversível e, com
isso, perder noção da dura verdade que está à minha frente, perdendo anos de
vida sem realmente viver o presente. Vivemos viciados em tanta coisa que, por
um lado, chega a ser hipócrita condenarmos o uso de certas substâncias. Agenda built for godly thrones, como eu
digo na nova Jesu$ Priced - que poderão todos ouvir no dia 13 de março!
Quando começaste a trabalhar na composição para
este novo registo? Foi um trabalho em solitário ou não?
A
Hellelujah já vem de 2021, mas fiz questão de incluí-la no EP porque
nunca foi oficialmente lançada num álbum, e porque tem tudo a ver com os outros
4 temas. As outras 4 canções foram escritas entre 2021 e 2022. Uma delas foi
produzida por mim, chama-se Gun Carries The Hand, onde aproveitei para
experimentar outras abordagens, com a inclusão de guitarra clássica, ukulele,
uma caixa de guitarra virada ao contrário para percussão, bombas a explodir...
vale tudo. É o momento mais anárquico do EP. Mas sim, foi e é um processo
solitário porque sou eu o escritor das canções, primeiro crio a obra em casa e no
meu estúdio, a banda depois entra no processo de gravação do álbum, fazendo a
sua interpretação da minha visão. God Villain é um projecto a solo, e
por ser a solo, tenho o peso todo nos meus ombros, ninguém vai preocupar-se com
isto da mesma forma que eu, naturalmente. É assim que tem de ser. De certa
forma, tem mesmo de ser solitário, para surgir de um sítio muito íntimo,
peculiar, único.
Para a produção trabalhaste com o João André e
com o Andrés Malta. Como foi essa experiência e que input deram ao EP?
Estar
em estúdio com eles, automaticamente faz de ti um melhor músico, não há tempo
para dramas ou inseguranças, tens de estar no teu melhor. Mesmo quando não
estás, a fasquia é alta, então a tua performance é good enough. Com o João André, gostei de gravar ao vivo, e a
energia e postura positiva que ele tem. Estava lá muito pessoal na régie, essa
boa energia era inevitável por parte de todos nós. São momentos especiais, e
foi aí que comecei a acreditar muito mais no EP, com o feedback constante de quem estava lá, a dizer que as canções são
incríveis. Claro que isso não seria possível sem os rock gods Pedro Santos e Gonçalo Salta na secção
rítmica. Então, as 3 primeiras canções do EP têm a banda ao vivo, em trio. Os
outros elementos foram gravados posteriormente com o assistente dele, o Pedro
Pulga, que trabalha muito bem, profissional absoluto! Damo-nos bem a
trabalhar, então acabou por ser ele a misturar e masterizar essas 3 canções
comigo. Estamos agora a finalizar a mistura e masterização. Com o Andrés, é uma
energia diferente, é mais cerebral, sem deixar de ser funny no estúdio, acho que somos parecidos nisso. Ele misturou e
masterizou a Hellelujah, e também gravou o baixo, aprendeu a música em
10 minutos (literalmente... 10 minutos) e gravámos. No geral, deram todos uma
dica ou outra, e resultou sempre na melhoria das canções, que é sempre o meu
maior objetivo. Tudo para o bem da canção!
À semelhança de Down To Earth, Faith & Dope volta a ter uma
capa muito desfocada. Porque segues essa tendência?
Tem
a ver com a minha postura em tudo, penso assim: Qual é o interesse em ter a
minha cara na capa? Para fazer marketing? Não é mais interessante ter a
minha cara desfocada precisamente porque God Villain ainda está um pouco
desfocado, ainda não se revelou completamente? Não é mais interessante e
importante criar um certo mistério, do que ter tudo esfregado na cara das
pessoas de forma fácil e descartável? Em termos conceptuais, se reparares na
cara da capa, sou eu a olhar para o mundo e a observar os conceitos humanos
todos distorcidos. Acho que é a grande vantagem de não ter pessoal de editoras
ou agentes atrás de mim a tentar convencer-me que a minha cara sorridente (ou sexy) num álbum... seria melhor para a
minha carreira. Ter uma imagem faz parte do ofício, mas não sinto necessidade
em forçar isso, até porque o meu foco está no reconhecimento do meu trabalho, e
só quero que a minha imagem apareça como consequência desse reconhecimento.
Este EP tem como objetivo preparar a vinda do
segundo álbum? Se sim, os trabalhos já começaram?
Sim,
serve de transição do 1° para o 2° álbum. Principalmente porque a sonoridade do
Faith & Dope é tão específica, que tem de existir só ali naquele
espaço, isolada. No final do EP podes ouvir uma passagem que já anuncia (mas
não denuncia) o 2° álbum. Estamos a começar a gravar, agora mesmo, apenas eu e
a banda em estúdio, para dependermos apenas da nossa dedicação, e para criarmos
memórias em família, que também é importante. Era suposto termos começado em
2022, mas enquanto o Faith & Dope não estiver lançado, não é tão
fácil colocar toda a gente com o mesmo mindset
e foco total no álbum. Quando esse foco está lá, tudo acontece num estalar de
dedos. Tem a ver com... esperar pelo melhor timing,
de maneira sábia e relaxada, sabendo que tudo acontece na hora que tem de
acontecer.
Quanto a palco, o que tens agendado para este
novo ano?
Nada,
para já. Há a expetativa de ir a um festival conhecido nosso, mas não posso
adiantar nada. Tenho, ao mesmo tempo, outra situação em mãos. Quando filmei no Teatro
Seiva Trupe, vim a perceber que o teatro está com dificuldades, então
sugeri fazer lá um concerto com outra banda, uma banda grande, para chamar a
atenção das pessoas para este espaço cultural, e o Teatro concordou. Mas
logisticamente é complicado, eles não têm o material necessário para a
realização de concertos, e era preciso a banda grande ter interesse em fazer
aquilo com paixão pela causa, sem pensar em fazer dinheiro, apenas focados na bigger picture, que é enviar uma
mensagem clara às entidades que apoiam estes espaços: não deixem o Seiva Trupe
morrer, porque ele tem vida e continua a ter a sua importância. Falei com
algumas bandas, mas nada avança, para já. Portanto, se algum músico ou artista
do Porto estiver a ler isto e estiver interessado em fazer parte, pode entrar
em contacto comigo. De resto, olha, eu abraço o que estiver reservado para mim,
não me concentro mais nas coisas que demoram a aparecer. Enquanto não aparecem,
foco-me noutras vertentes da minha arte.
O segredo para a realização pessoal de um artista está em não esperar
nada da indústria. E, quando há oportunidade de tocar ao vivo, fazê-lo como se
fosse o último concerto da nossa vida!
Obrigado! Queres acrescentar mais alguma coisa?
Estejam
bem atentos ao que vou lançar dia 1 de março. Depois do lançamento do EP
completo, outras coisas interessantes surgirão… sejam os primeiros a
testemunhá-las! Stay free – Obrigado.
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