Entrevista: Hoofmark

 


Evil Blues deu o mote e os Hoofmark aproveitaram a sua veia inspiradora para, rapidamente, colocarem cá fora outro álbum, Blood Red Lullabies. A principal novidade é o uso da língua portuguesa e aqui concordamos com o nosso interlocutor de que resulta muito bem. Nuno Ramos que também é El Vaquero Ungulado fala-nos deste álbum e do seu elevado sentido de portugalidade e tradicionalismo. E originalidade, acrescentamos nós.

 

Olá, Nuno, tudo bem? Antes de irmos para o novo álbum, podem contar-nos como tem sido o trajeto deste tão peculiar projeto, os Hoofmark?

Olá, Pedro! Obrigado pela oportunidade para falarmos sobre HOOFMARK e o Blood Red Lullabies na Via Nocturna. Para um projeto com um output ainda modesto, HOOFMARK já percorreu um caminho, até ver, bastante interessante. Os seus primórdios são tímidos e essencialmente privados, mas com o passar dos tempos o projeto foi deixando entrar “mais mundo” e ganhando mais confiança e jeitos muito seus. Nesse sentido o Evil Blues foi um álbum marcante para a história de HOOFMARK, pois foi ali que a nossa identidade musical começou realmente a ganhar forma e a destacar-se. O Blood Red Lullabies reafirma essa identidade sem margem para dúvidas e deixa antever um futuro que nos deixa simultaneamente felizes e entusiasmados por continuar a trabalhar. Aos poucos penso que temos tido sucesso a projetar HOOFMARK como uma banda com um grande horizonte musical. Por esta altura ninguém espera de nós música de género x ou y e isso é libertador.

 

Blood Red Lullabies segue-se imediatamente à estreia Evil Blues. São dois álbuns em dois anos – tem sido um momento muito criativo para a banda?

O período entre discos foi, de facto, muito produtivo. As canções surgiram de rompante e teria sido ingrato se não tivéssemos aproveitado o momento para executar. Algumas músicas em especial mereciam que lhes fizéssemos essa justiça. As coisas são mesmo assim. O Evil Blues foi um disco muito trabalhado e “mastigado”, mas a história do Blood Red Lullabies é uma de espontaneidade. Não teria feito sentido de outra maneira. Ainda estamos a experienciar um forte momento de criatividade, embora com outros contornos. Além disso é oportuno agora desfrutarmos deste disco.

 

Apesar de tudo, oficialmente já existem desde 2012. O que se passou para ter demorado tanto tempo até atingirem os longa-durações?

Foi preciso alinhar muita coisa antes quer do ponto de vista logístico, quer do conceptual. Eu comecei HOOFMARK para realizar um sonho de adolescente, mas também como veículo de expressão artística. Contudo, durante muito tempo, eu não sabia o queria, não conseguia tomar decisões e, além disso, faltava-me efetivamente técnica para concretizar. Traz-me algum desconforto carecer de intencionalidade. Traz-me muito desconforto executar frouxamente. Enfim, o projeto precisou desses anos para ir amadurecendo qualquer coisa. Com isto tudo em perspetiva, o nosso primeiro lançamento, a demo Stoic Winds, faz sentido; é realmente o produto de uma ideia em processo de amadurecimento. Embora tenha sido a primeira coisa que lançámos, já comentei que a demo tem a proeza de estar o mais próximo possível de ser uma compilação sem realmente ser, tal é o seu caráter quase-esquizofrénico. Depois vieram dois singles sem sinais de metal. E só depois o Evil Blues. De certa maneira o catálogo pré-Evil Blues é uma espécie de preparação (rascunhos ou studies) para um trabalho final. Neste caso, para o nosso primeiro longa-duração.

 

Em termos de criação, os Hoofmark são dos nomes mais criativos do rock/metal atual. De que forma fazem a gestão das vossas influências e da panóplia de instrumentos (metaleiros e tradicionais) que usam?

Wow, obrigado! Gestão de influências de facto não fazemos. Óbvio que temos as nossas preferências, além de que eu e o Ricardo estamos constantemente a partilhar música entre nós. Mas não há uma relação linear entre referências e depois o que gravamos. Em todo o caso, a base é rock and roll. Os instrumentos escolhemos de acordo com o equilíbrio de o que há ao dispor e o que sentimos que as músicas estão a pedir. Temos o cuidado de pôr os instrumentos ao serviço das músicas, evitando acrescentar instrumentos “porque sim”. Essa última abordagem nota-se bem quando se ouve música sobre produzida.

 

E é nesse sentido do uso do tradicionalismo que surge uma máscara que parece surgir dos Caretos de Podence?

Os álbuns de HOOFMARK têm portugalidade e esse é um dos elementos culturais explícitos que o sustentam. Porém gosto de enfatizar que a máscara (do artesão Carlos Ferreira) é uma adaptação em estilo tradicional dos mascarados transmontanos de uma figura que vi num sonho e que é uma espécie de musa de HOOFMARK. Eu chamo-lhe El Vaquero Ungulado.

 

O título do primeiro álbum serve também para vos identificar e colocar num estilo – evil blues. Em que consiste extamente?

Eu chamo-lhe evil blues, embora sem intenções de inventar mais uma sub-não-sei-quê. HOOFMARK não está acima dos géneros, mas não tem de querer ser metido numa caixa. Penso que evil blues resume o melhor possível o nosso som e os nossos focos de atenção: vida e morte, humano e Natureza, idolatria e lenda. Além disso, usei esse termo originalmente como homenagem ao Mance Lipscomb, que é um dos meus músicos de blues favoritos.

 

Bem, e quanto a Blood Red Lullabies, o que nos trazem os Hoofmark neste seu novo trabalho?

Tenho dito que o Blood Red Lullabies simplesmente aconteceu. As novidades em relação ao disco anterior são muitas, mas destaco em especial o seu caráter espontâneo e dinâmico, com uma forte relação entre a intensidade e o sossego, a impulsividade e a introspeção. Há aqui metal, rock, blues e mais qualquer coisa em equilíbrio; há uma viagem de impermanência; há histórias do presente. Mas, a dar chão a tudo isto, há consistência interna. O Blood Red Lullabies é um álbum, não uma coleção de temas desligados uns dos outros.

 

Quando começaram a trabalhar na composição para este novo registo?

Imediatamente a seguir ao lançamento do Evil Blue. Diria que fevereiro ou março de 2021. Houve apenas uma música que já tinha sido escrita antes (a Naughty Little Men) e que quis recuperar e gravar pela primeira vez no Blood Red Lullabies.

 

E desta vez utilizaram a língua portuguesa. Foi acidental ou propositado? Será para continuar?

Foi, primeiro que tudo, uma questão de conforto. Novamente, insisto na ideia de fazer as coisas de acordo com o que as músicas pedem. Confesso, ainda assim, que durante muito tempo partilhei da ideia que o português europeu era pouco musical, sobretudo para rock e derivados. Entretanto a minha opinião mudou e quero continuar a experimentar mais com a língua portuguesa.

 

Quanto a palco, o que têm agendado para este novo ano?

Para já estamos a preparar-nos para apresentar HOOFMARK ao vivo. Iremos revelar mais no momento certo. A minha sugestão é seguirem HOOFMARK nas redes sociais para não perderem nada do que estamos e vamos fazer.

 

Obrigado! Queres acrescentar mais alguma coisa?

Fica a recomendação de um disco que me tem acompanhado nos últimos meses: The Blue Mask do Lou Reed. Para quem gosta de guitarras, rock e, em geral, genial musicalidade.

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