Nascido
em São Paulo, Nilson Dourado é um multi-instrumentista, compositor, cantor,
produtor musical e arranjador, há alguns anos a viver em Portugal. Sabiá
foi o seu primeiro álbum, na altura em que o músico dava os primeiros passos em
Portugal e Silêncio é a sua nova proposta. Foi um intervalo de dez anos
marcado por uma intensa atividade artística. E o tempo necessário para fazer
crescer uma experiência sensorial e conceptual onde Silêncio revela
música e música revela Silêncio.
Olá,
Nilson, tudo bem? O teu novo disco já roda por aí e a primeira questão que me
surge é porque a escolha de Silêncio para título?
Olá, Pedro, tudo bem, obrigado. Sim o disco já esta
seguindo o seu caminho. E felizmente tem sido bonito receber as mensagens e feedbacks
de como o Silêncio tem tocado os ouvintes que já o encontraram pelo
caminho. O título do álbum surgiu muito espontaneamente já na fase onde consegui,
mais ou menos, escolher os temas que fariam parte do álbum, sendo que desta
escolha acabaram por escapar 3 canções, que por fim não encontraram espaço
neste Silêncio. Um dos temas que se mantiveram, e não por acaso o último
a chegar, é o tema homónimo ao álbum. A canção Silêncio foi mesmo
finalizada já em processo de gravação em estúdio e de alguma maneira sintetiza
a atmosfera do álbum, passando pelos conceitos de sonoridade, arranjos,
universo poético e por aí vai... No fundo sinto que as canções que compõe o
álbum comunicam e intercambiam vários pontos em comum dentro das minhas
próprias buscas pessoais por certo estado de silêncio, no intuito de seguir
sustentando algum equilíbrio na jornada entre corpo, mente e espírito. Portanto
elas, as canções neste álbum, revelam muito da minha pessoa, com profundidade
mesmo e sem filtros. Posso afirmar que este álbum me espoe de uma forma muito
transparente. Tanto que não sei se consigo um resultado tão transparente em
outro trabalho novamente.
Afirmas
que a música revela o silêncio e o silêncio revela a música. De que forma os
dois se interligam em Silêncio?
Pois é. Posso começar pela abordagem musical,
afirmando que só conseguimos concretamente delinear uma ideia de ritmo ou uma
melodia a partir da alternância entre som e silêncio. Ou seja... não há música
sem silêncio. Assim como no mundo real, natural, sem intervenções tecnológicas
ou mesmo em condições de absoluto isolamento acústico, também não haverá silêncio
sem som, sem vibração... Um vento que sopra, uma folha ou um galho que cai, as
ondas do mar, um mosquito, um passarinho, o ronco do nosso estômago, o alvoroço
dos nossos pensamentos... há coisas mais ou menos sonoras, mas tudo neste mundo
tem uma vibração, entre uma pedra e um leão, para rimar a filosofia (risos)... Portanto compreendo o silêncio muito mais
como um estado, onde alcançamos um tempo-espaço de quietude, onde a respiração
pode tornar-se mais consciente, e de alguma forma todo o resto acompanhar,
nesta integração entre corpo, mente e espírito. E o Silêncio que tece a
trama deste álbum é mais este. Um estado de silêncio.
Já
agora, e antes de mais, podes apresentar os músicos que te acompanharam neste
processo?
Claro que sim! Com imensa alegria! Tive o privilégio
de reunir uma família artística mesmo linda... A começar pelo Francisco
Pellegrini que gravou os pianos e teclados e participou muito ativamente no
processo de pré-produção e conceituação da sonoridade e até em algumas ideias
de arranjos. O Walter Areia que gravou contrabaixo com o seu som muito
singular. Areia é um grande parceiro também em vários outros projetos. O Diogo
Duque que gravou trompete e flauta, também um músico com uma assinatura
muito própria e com quem tenho tido a alegria de colaborar em outros projetos
também. A violoncelista Raquel Reis que trouxe toda a sua sensibilidade
e sonoridade linda. O saxofonista Yedo Gibson que é um amigo de longa
data, desde a adolescência em São Paulo, e tem também uma personalidade muito
própria na sua linguagem musical. A cantora carioca radicada em Lisboa, Marília
Schanuel, que cantou comigo no coro da faixa Lua Cheia. E concluindo
com as participações do meu parceiro, cantor, compositor, poeta e filósofo
baiano Tiganá Santana na faixa Estelar e da cantora portuguesa Susana
Travassos, minha amiga desde os meus primeiros anos de chegada em Portugal.
Realmente reuni uma família muito especial! Ah, mas também vale ressaltar que o álbum foi
gravado e misturado no estúdio Ponto Zurca em Almada pelo Sérgio
Milhano e masterizado em Braga no Mechanical Heart Mastering Studio
pelo Frederico Cristiano.
Já
que falamos no processo, como é que ele se desenvolveu? Foste o principal
compositor? Como foi a tua abordagem para Silêncio?
O processo se desenvolveu de maneira muito orgânica e
tudo foi sendo descoberto e desenvolvido de forma natural e fluida no decorrer
do próprio processo de trabalho. Sinto como produtor musical, que cada canção
carrega em si todo um universo próprio e normalmente quando estamos
sintonizados com este universo essencial da canção, os arranjos fluem
naturalmente, e a canção pede o que quer, como um organismo vivo mesmo, assim
como uma criança diz se tem fome ou sede, ou se quer brincar ou trocar de
brinquedo. Sim, as composições são todas de minha autoria, embora no caso de Estelar
tenha sonhado com o Tiganá cantando para mim a melodia principal e daí acordei
e fui para o meu home-estúdio pegar no violão e gravar para não
perder... então é quase como se fosse uma coautoria. Os arranjos também são
meus, de uma maneira geral, mas sempre gosto de deixar os músicos à vontade
para trazerem ideias e se sentirem livres e criativos... claro que sintonizados
dentro do contexto e propostas. De maneira geral a minha proposta para este
álbum passa por buscar uma sonoridade acústica, orgânica... e onde não houvesse
muita fronteira entre géneros musicais. Creio que essa seja uma caraterística
mais ou menos comum na minha música, claro que com algumas exceções mais
destacadas para um lado ou para outro. Mas Silêncio é um álbum que propõe
desacelerar, contemplar e também provocar ou mesmo estimular uma escuta ativa,
presente. Definitivamente não é um álbum para se ouvir como música de fundo.
Não é entretenimento. Silêncio é um álbum para se ouvir com o ouvido de
dentro. Contemplativo.
Ainda
no que concerne à composição, há alguns limites que imponhas à tua criatividade
ou tudo é possível e aceitável?
Penso que tudo seja possível e aceitável desde que
devidamente contextualizado. Às vezes é necessário delinear para focar, é
claro, mas de maneira geral gosto de ter espaço para poder me propiciar ir
além, encontrar algo novo no horizonte, desvendar ou só mesmo me surpreender
com os mistérios.
E
foi fácil encontrar os músicos certos para levar a bom termo esta aventura
musical?
Felizmente sim. Pois trabalhei basicamente com amigos
e parceiros da minha jornada. Então tudo fluiu de maneira simples neste aspeto.
O
teu álbum de estreia, Sabiá, já foi lançado há mais
de 10 anos. Como tem sido o teu percurso desde aí?
Pois é... Bom, a 10 anos atrás levantava voo o meu Sabiá,
ainda numa fase pré plataformas de streaming e nos meus primeiros passos
da chegada em Portugal, ainda com uma perna quase na outra margem do oceano. Sabiá
tem um caminho muito diferente do Silêncio em vários aspetos, embora
musicalmente já trouxesse alguns elementos que de alguma forma ainda seguem na
minha identidade musical. Aconselho quem estiver a ler esta entrevista a ir
ouvir os dois álbuns e tirar a sua própria conclusão. Sabiá é um álbum
onde ainda mesclo a minha música instrumental e a canção, um pouco diferente do
Silêncio, que é um álbum de canções, mas ainda preserva algum espaço
para as aventuras instrumentais. Mas seguindo em frente, muitas águas rolaram,
colaborei como músico, ou diretor musical, ou produtor musical, ou compositor e
arranjador com muitos projetos entre Portugal, Espanha, Noruega e Brasil. Em
Portugal colaborei com vários artistas. Para citar alguns: Susana Travassos,
Pierre Aderne, Eugénia Melo e Castro, Rita Joana, Celina
Da Piedade, Joana Amendoeira... produzi e coproduzi alguns álbuns e
bandas sonoras entre projetos realizados em Portugal, Espanha e Brasil. Integro
como artista o projeto Rua Das Pretas dinamizado pelo Pierre Aderne.
Com este projeto temos circulado por todo Portugal, para além da série Rua
Das Pretas Coliseu que está terminado de cumprir a segunda temporada na RTP
nesta semana. Mas enfim... voltando ao meu trabalho solo compus muita música,
mas fora o Silêncio não registei quase nada de forma concreta. Tenho
material para uns 4, 5, 6 álbuns diferentes... o que me anima a seguir
produzindo com consistência nos próximos tempos.
Sei
que já tiveste a oportunidade de apresentar este álbum ao vivo. Como tem sido a
receção?
Na verdade, na íntegra mesmo ainda não apresentei
nenhuma vez. Mas já fiz alguns concertos onde fiz algumas prévias, em modo de
pré-apresentação. E só em um deles é que estive com a banda completa, que foi a
pré-apresentação do álbum na Casa Da Cerca em Almada, ainda antes do
álbum sair. Este concerto esta disponível para assistirem na página do Facebook
do Público, para quem quiser conferir o link está nas minhas redes
sociais. Mas sim, tenho sido feliz com o feedback do público em geral.
Mais recentemente fiz também um concerto de pré-apresentação do álbum em Lisboa
no espaço B.O.T.A. e foi bem bonito. Acho que saímos todos muito felizes
com o que partilhamos ali.
Tens
outros eventos previstos para os próximos tempos?
Então, o primeiro concerto de apresentação do álbum
será no dia 3 de junho no B.Leza em Lisboa, com banda completa. Estarei
acompanhado por Katerina L´Dokova (piano/voz), Walter Areia
(contrabaixo), Ruca Rebordão (percussão), Raquel Reis
(violoncelo) e Diogo Duque (trompete/flauta), mais possíveis participações
especiais ainda por confirmar. Fiquem atentos! E em breve anuncio novas
datas...
Obrigado,
Nilson. Queres acrescentar mais alguma coisa?
Eu que agradeço, Pedro! Foi um prazer! Se puder venha
no concerto no dia 3 de junho no B.Leza para conferir o Silêncio
ao vivo. E aconselho a seguirem atentos aos próximos passos, eventos e projetos
nas minhas redes, para irem acompanhando o processo mais de perto. Um abraço
Pedro e obrigado!
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