Foi no
dia que cumpriu os seus 49 anos que João Cabrita acordou para si e para mais um
álbum. Dois anos depois, aos 51 e com muita coisa feita, entretanto, Cabrita
lança mais um álbum em seu nome. Um álbum que traz o nome que é da família,
pois os seus três filhos também tocam em Umbra.
A apresentação deste disco ao vivo ainda irá demorar, mas aproveitamos, mais
uma vez, para conversarmos com o saxofonista João Cabrita sobre este e outros
projetos.
Olá,
João, como estás? Mais uma vez, obrigado pela tua disponibilidade. E, de
repente, tens um novo álbum em teu nome. Quando começaste a trabalhar nos temas
que se viriam a transformar em Umbra?
Boas! Acho
que comecei no fim da primavera de 2021, ainda um pouco sem rumo, mas de certa
forma o assunto surgiu no meu dia de anos, 24 de junho, quando escrevi o 49th
Birthday Blues.
De que
forma é que este álbum se enquadra nos teus projetos delineados e de que nos
falavas há três anos atrás?
Na verdade,
na altura tinha pensado fazer uma coisa qualquer na área do fado, e outra que
já não me lembro. Depois de acabar o projeto do Cachorro Sem Dono ainda
ensaiei umas coisas com base em samples de clássicos da música ligeira
portuguesa, numa linguagem LoFi, mas a burocracia que envolve os
direitos dos samples deitou isso por terra. O Fado fica à espera de ser
pertinente no meu percurso. Por agora estou onde senti que queria estar.
Seguiste
a mesma metodologia de trabalho que tiveste para a estreia homónima ou mudaste
alguma coisa?
Mais ou
menos. Desta vez tentei ser um pouco menos imagético ou cinematográfico e ir
directo às emoções, e traduzi-las mais como na música clássica, por exemplo, as
polirritmias (diferentes ritmos sobrepostos) que ouves em temas como o Todo
Torto ou o pOLY representam
os vários sentimentos, por vezes contraditórios, que nos atravessam
quando pensamos no envelhecimento, ou na morte, há uma tensão mais ou menos
presente em quase todo o álbum, que também se relaciona com isso, o último tema
é cantado com a minha filha, que tanto simboliza um anjo, como o futuro...
E
porque Umbra? Como surge
este título? Tem algum significado especial?
No momento
em que estou, 51 anos, sinto que a morte é uma sombra que se vai aproximando de
mim aos poucos. Aos 20 nem pensava nisso. Depois comecei a ver desaparecer
avós, artistas que eram referências e que marcaram os meus tempos de
crescimento. A partir dos 40 sinto que é um assunto que me está próximo. Já
perdi recentemente amigos e familiares, e este disco foi a maneira que
encontrei para reflectir e lidar com isto tudo. E continuar a crescer enquanto
pessoa e artista.
Um dos
aspetos muito importantes no teu trajeto é a capacidade de, em cada álbum,
acrescentar ou mudar sempre algo. Desta vez isso volta a acontecer e, pela
primeira vez tens um tema cantado que é Dance.
Quando é que essa possibilidade surgiu?
Gosto muito
da energia da EDM. Embora não seja homem de saltar para a pista de
dança. Mas esse power sempre me fascinou. Por isso quis trazer essa eletrónica
para o disco. Sei que ao vivo vai funcionar muito bem. Neste tema em particular
quis experimentar a escrita automática, ou seja, gravar primeiro e pensar
depois para, como dizes, fazer algo diferente. Depois foi só “organizar” a
coisa. E no fim senti que faltava uma voz para “colar” tudo.
E
porque chamar a Larie para a cantar?
Já tinha
assistido a dois espetáculos de Larie e sempre
fiquei fascinado pela intimidade na sua voz. Sendo colega de editora na Omnichord, nem hesitei, e mandei logo o convite.
E,
para além de um cantado, tens um com narrações, Até Que a Morte nos Separe, com a colaboração de NBC, um
tema com um nível de experimentalismo ainda mais acentuado. Como surgiu esse
tema e essa possibilidade da participação do NBC?
Este tema
ficou de fora numa banda sonora que fiz em 2021. Voltei a regravar, desta vez
com a base de saxofones bem mais suave, com muito ar soprado, quase como se
fosse segredado, porque além de ser um tema muito pouco falado, é muito
pessoal. Entretanto o NBC entrou para os Cais Sodré Funk Connection. Começámos a privar juntos, e eu
gosto muito deste registo mais spoken word dele. Convidei-o, e ele mandou
logo dois takes no dia seguinte. Foi rapidíssimo!
Mas, para
além dos nome citados, voltas a trabalhar com um variado leque de artistas
nacionais. Podes apresentá-los?
Para além
do NBC e Larie tive de
chamar a Surma para o pOLY. Depois, nas
baterias tenho o Vasco Silva, dos Whales e o Filipe Rocha, do Sean Riley, do The Legendary Tigerman e da minha
banda, e o João Rato, também da
minha banda. Além deles tenho os meus três filhos a tocar no disco, o que me
deixa muito orgulhoso. E por fim a produção ficou a cargo do Rui Gaspar, dos First Breath After Coma, que
elevou o material para outro nível!
O
primeiro single retirado de Umbra
traz o curioso título de 49th Birthday Blues. Foi uma prenda que deste a
ti próprio no dia do teu 49º aniversário?
Foi, um
pouco. Nesse dia estava sozinho em casa, e logo de manhã comecei a gravar o
tema, aproveitando aquela “irritação” de me saber mais velho e convertendo-a em
energia rock’n’roll! Foi muito rápido, ao almoço estava duplamente
satisfeito. Estava a festejar os 49 e tinha encontrado um caminho para o disco.
O que
tens planeado para levar Umbra para palco nos
próximos tempos? E serão os músicos que referiste anteriormente que te
acompanharão?
Para já
temos 1 de fevereiro no Musicbox, 2 no Maus Hábitos, Porto e 3, Salão Brazil, Coimbra.
Mais virão, tenho a certeza. Vou começar por apresentar-me em trio, com o Filipe Rocha na bateria e o João Rato na
guitarra e teclados.
E como
sei que essa cabeça nunca para, já há ideias para o próximo passo dos Cais
Sodré Funk Connection? Ou para outros projetos?
Claro que
sim. Em CSFC já vamos a meio do disco novo,
onde as vozes serão repartidas pela Tamin e pelo NBC, e haverá mais surpresas a anunciar em 2024. Também estou a produzir um
novo álbum da Susana Félix, também
para 2024, E continuo em tour com o Zeitgeist do The Legendary Tigerman, com os PAUS e o CAOS e com Sangue Suor. Vai ser, espero, um ano bom!
Muito
obrigado, João, mais uma vez. Queres acrescentar mais alguma coisa?
Há
uma coisa que resulta da reflexão que este disco me fez passar. Nestes tempos tão difíceis em que vivemos, a
nossa humanidade e empatia são armas muito poderosas de que não podemos
abdicar, e o melhor antídoto para o nosso envelhecimento é a nossa imaginação e
curiosidade. Eu tenho sido muito afortunado por ter muita gente a ir aos meus
espetáculos, a maioria sem conhecer o projeto. Essa curiosidade, que faz as
pessoas saírem de casa dispostas a ouvir música nova é profundamente gratificante
e dá-me um pouco mais de fé na humanidade.
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