Após mais de uma década de silêncio, os Ethereal
regressam com um dos álbuns mais aguardados do prog-doom metal
nacional, Downfall. A banda, que marcou a cena musical portuguesa
com Towers Of Isolation em 2006, entra agora num novo capítulo
na sua carreira, trazendo uma abordagem renovada, mas mantendo a essência que
cativou os fãs. Ao longo desta entrevista, mergulhamos na trajetória do grupo
desde o hiato até ao renascimento, explorando os desafios do regresso, as
dinâmicas internas e o impacto das experiências musicais individuais no som
atual. Um testemunho de resiliência e criatividade nas palavras de Carlos
Monteiro.
Olá, Monteiro, tudo bem? Como tens passado? Obrigado pela
disponibilidade! Após um hiato de mais de uma década, o que motivou a reunião
dos Ethereal em 2021? Foi um desejo coletivo de reviver o som e o espírito da
banda ou algo mais?
Desde já, agradeço-te
a entrevista e sobre o regresso dos Ethereal, considero apesar de tudo,
o hiato na nossa atividade foi de alguma forma necessário, não só para que
pudéssemos abraçar outros projetos, que nos levassem musicalmente noutras
direções, como para crescermos individualmente e ganharmos outra maturidade. Pouco
antes do término, chegámos a um impasse relativamente aquilo que seria o futuro
da banda, aliado a algumas contrariedades, que já foram explicadas noutras
entrevistas, e que naquela altura, fizeram-nos sentir que não faria sentido
continuar. Quanto ao regresso, o mesmo foi equacionado algumas vezes, até
porque temos uma ligação entre nós de amizade profunda, mas esteve sempre fora
de questão voltarmos só para marcar presença. Entretanto num determinado
período, desenvolvemos algumas ideias musicais, sem nenhum compromisso, mas que
nos fizeram o clique de forma natural. Aliado ainda ao facto de, mesmo com o
fim da banda, ter havido um acordo tácito de que iriamos tocar na homenagem
póstuma ao Serafim "Frick" o principal organizador do Painho
Rock Fest, além de que tivemos elementos como o Marco Agostinho, que
ao longo dos anos sempre tentou de alguma forma que nos reuníssemos novamente.
Por isso foram uma série de fatores que contribuíram para que o nosso regresso
se concretizasse, e não poderíamos estar mais entusiasmados, por voltarmos a
tocar juntos.
Qual foi o maior desafio que enfrentaram ao trabalhar neste
álbum após tantos anos?
No regresso
enfrentámos dois desafios, o primeiro foi saber se ainda haveria química entre
nós e essa ansiedade sentiu-se antes do nosso primeiro concerto, mas quando
começámos a tocar tudo se dissipou. O segundo grande desafio foi adaptarmo-nos
a métodos de trabalho de composição um pouco diferentes, até porque somos
muitos elementos, e estivemos muito tempo separados, mas felizmente passadas as
dificuldades iniciais, adaptámo-nos gradualmente de forma intuitiva ao processo
de composição e trabalho de pré-produção que foi bastante exigente. As coisas
acabaram por fluir de forma natural e todos deixaram o seu cunho neste
trabalho.
Durante este período de hiato dos Ethereal, os membros da banda
estiveram envolvidos em projetos como Before The Rain e Collapse Of Light.
Sentem que essas experiências musicais de alguma forma influenciaram o som de Downfall?
De forma direta ou
indireta sempre ganhei sempre referências das bandas por onde passei, ainda para
mais sendo um fã incondicional de doom metal, e esta referência sempre
fez parte das influências da sonoridade de Ethereal. Tendo estado em BefortheRain
cerca de 6 ou 7 anos, como seria óbvio teve algum peso na minha forma de
compor, que se reflete indiretamente nalguns momentos de Downfall. Collapse
Of Light por seu lado, foi um registo mais sombrio e minimalista que teve
uma direção muito específica, e apenas participei nas gravações do álbum e nos
arranjos de guitarra, porque as faixas já estavam compostas quando entrei para
a banda.
A adição de Pedro Arsénio na terceira guitarra é uma novidade
interessante para os fãs. O que trouxe ele para a dinâmica da banda e como tem
sido o processo de integração de um novo elemento após tantos anos?
Ao contrário daquilo
que se possa pensar, não foi a primeira vez que tocámos com 3 guitarristas. O
último concerto de Ethereal, antes de cessarmos atividade foi nesse
formato com o Fred Brum (Ruttenskale, Rage & Fire
etc). O Pedro Arsénio fez parte das primeiras bandas onde estive (Needless
God e Sculpture), e depois uma tentativa gorada para o regresso
de banda, começámos a trabalhar juntos, algumas ideias que já tinha para Ethereal
e finalizámos a primeira versão do que mais tarde seria a Betrayal. Na
altura o Pedro Arsénio, residia na Escócia, mas os astros alinharam-se
de forma, que quando os Ethereal decidiram reunir-se, coincidiu com a
mudança do Pedro para Portugal e foi como se ele já tivesse feito parte da
banda desde sempre, até porque já todos eram amigos. Tendo em conta que
compusemos desde o início para três guitarras a sinergia em palco e em estúdio
não podia ter sido melhor.
Desde Towers of Isolation,
em 2006 até Downfall, como descreverias a evolução sonora dos Ethereal?
Sentes que esta nova obra reflete uma maturidade artística ou um foco em novas
direções?
Se fosse para repetir
alguma fórmula nem faria sentido regressar, e nós naturalmente, tanto como
pessoas e músicos estamos diferentes. Mantivemos alguns dos elementos que nos
caraterizaram no passado, mas nunca forçamos nada, e as coisas acabaram por
fluir de forma natural, até porque tínhamos a noção clara do que queríamos
fazer, assim como adicionar alguns elementos novos que nos pudessem levar
noutras direções, sem perder a identidade. Destaco o grande trabalho vocal
tanto do Hugo Soares como da Cristina Lopes, que elevaram a
dimensão musical para outro nível, mas sem exceção, todos os elementos
contribuíram de forma fantástica para que Downfall fosse o registo que
é.
Os temas de Downfall são
totalmente novos, ou decidiram resgatar e retrabalhar composições do passado
que tinham ficado inacabadas?
Todas as músicas do
álbum foram escritas para este trabalho, até porque no passado o processo de
trabalho, passava por compor na sala de ensaio e raras vezes guardávamos ideias
para utilizar mais tarde.
Sentes que houve uma necessidade de reexplorar ideias antigas
para construir uma ponte entre o vosso som original e esta nova fase, ou
preferiram focar-se em material inteiramente novo?
Como referi
anteriormente, o processo de composição foi bastante natural, e mesmo nos
estágios iniciais tínhamos claramente a visão para onde queríamos ir, e
implicava não ficar “amarrado” a nada do que fizemos no passado, contudo não
perdemos algumas das referências que nos caraterizavam, até porque continuamos
a gostar das mesmas bandas que nos influenciaram que vão do rock mais
progressivo ao doom metal. No futuro penso que será da mesma forma e não
iremos tentar replicar nada e vamos seguir o nosso instinto, dessa forma a não
vamos criar barreiras à nossa criatividade.
Os temas abordados em Downfall
focam-se em questões existenciais, como vida e morte. Podes partilhar o que vos
inspirou a essas reflexões mais profundas nas letras e de que forma as
experiências individuais dos membros da banda influenciaram o álbum?
O facto de estarmos a
envelhecer, aliado ao facto de praticamente todos já terem filhos, faz-nos
olhar para o mundo de forma completamente distinta de quando erámos mais
jovens, e penso que de alguma forma, nunca o nosso trabalho foi tão pessoal,
face à inexorável passagem do tempo, dos nossos próprios conflitos e fantasmas
pessoais, que ganham uma dimensão mais crua e emocional na hora de compor ou
escrever as letras. Alguns de nós na altura da composição, estavam a passar por
fases pessoais complicadas e todas essas emoções foram canalizadas para as
músicas, o que de alguma forma acaba por ter aquele efeito de catarse e que dá
um cunho muito pessoal aquilo que ficou registado. Penso que seja algo normal
em qualquer banda, registo artístico ou literário, não somos especiais por
isso, só o fizemos com a nossa visão.
Betrayal
e The Allure Of Daryah foram os singles retirados deste álbum.
Que critérios estiveram na origem da sua escolha?
A Betrayal como
referi foi a primeira música em que trabalhámos e acabou por ter esse peso
simbólico para single. Também porque tinha a energia e abordagem
que mostrava a versatilidade musical daquilo que estaria para vir. Já a The
Allure Of Daryah, já foi propositadamente colocada por ser o oposto: não é
sinfónica e tem mais elementos inspirados no doom anglo sáxonico, (com uma
cadência mais ritmada que foge contudo dessa parte mais tradicional). Quisemos
assim mostrar outra faceta do nosso trabalho.
Downfall
foi produzido por Wilson Silva, dos WRecords Studios. Como foi trabalhar com
ele? Que aspetos do som dos Ethereal ele ajudou a refinar ou destacar durante o
processo de gravação?
Uma das coisas que
definimos no nosso regresso, foi que iriamos sair da nossa zona de conforto e
quisemos trabalhar com alguém que fosse exigente em estúdio e que nos
permitisse ao mesmo tempo chegar ao tipo de sonoridade que tínhamos em mente.
Nos trabalhos anteriores e devido a uma série de fatores, nunca conseguimos de
forma plena chegar aquilo que idealizámos a nível sonoro. Pelas competências
técnicas conhecidas e pela experiência enquanto músico, o Wilson Silva
foi a nossa única escolha para gravar, ainda muito antes de saber se iria
querer trabalhar connosco (e nunca quisemos um plano b neste caso), e como
trabalhámos imenso na pré-produção, tínhamos a ideia muito clara de como as
coisas deveriam soar. O Wilson, além do conhecimento técnico, obrigou-nos
sempre a termos a melhor performance possível.
Houve algum momento durante a produção em que sentiram que o
álbum poderia estar a ganhar uma direção inesperada, talvez influenciada pela
abordagem do Wilson?
Nunca sentimos isso,
até porque como referi fizemos uma pré-produção bastante completa, a nível de
arranjos, orquestrações etc., e tudo já foi muito bem definido, pelo que nada
foi alterado estruturalmente, apenas alguns pormenores técnicos para uma melhor
performance durante as gravações, e a limitação de linhas de guitarra (risos)
tendo em conta a quantidade de ideias que tínhamos. Foi simplesmente fantástico
trabalhar com ele, e não o digo por dizer até porque sou bastante critico da
nossa sonoridade nos discos anteriores.
Olhando para o futuro, que objetivos têm para os Ethereal após o
lançamento de Downfall? Planeiam mais
lançamentos, digressões ou até explorar novas colaborações?
Relativamente ao
futuro passa obrigatoriamente por tocarmos ao vivo, porque é onde nos sentimos
bem e gostamos de estar. Está previsto regressarmos ao estúdio mais tarde, até
porque somos uma banda que trabalha bastante e ainda temos um caminho para percorrer,
e quando regressámos não só idealizámos aquilo que seria o novo álbum como
aquilo que será o nosso trabalho nos próximos anos a nível de edições futuras.
Sendo veteranos na cena do prog-doom metal em Portugal, sentem que têm uma
responsabilidade de inspirar novas gerações de músicos no género? Que conselhos
dariam a bandas emergentes que estão agora a começar?
Tentamos apenas fazer
o melhor que pudermos, e se pelo caminho conseguirmos inspirar alguém é
fantástico, até porque comigo passou-se o mesmo com outras bandas nacionais
como Evisceration, Procyan, Thormenthor, Shrine, Eternal
Suffer (banda de Setúbal) etc. só para mencionar algumas. Mas temos tantas
bandas de grande nível, neste momento em Portugal, que esta tarefa está
assegurada para as novas gerações.
Obrigado pela entrevista, Monteiro. Queres deixar alguma mensagem final?
Quero agradecer o apoio recebido neste nosso regresso porque só assim tudo isto faz sentido. Abraço a todos e apoiem igualmente outras bandas nacionais, que estão com uma qualidade fantástica. Vemo-nos na estrada!
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