Após duas décadas a trilhar o universo da música
portuguesa, Duarte regressa com Venham Mais Vinte (2004-2024), um álbum que, mais
do que olhar para trás, projeta o futuro com uma perspetiva de celebração e
vulnerabilidade. Repleto de colaborações enriquecedoras e uma reflexão profunda
sobre a condição humana, este disco promete surpreender. Nesta conversa com o
músico eborense, Duarte partilha os bastidores de um trabalho ousado e
deixa-nos antever os próximos passos de uma carreira marcada pela
autenticidade.
Olá, Duarte, tudo bem? Como tens passado desde a última vez que
conversámos, em 2021? Venham Mais Vinte, o teu
mais recente disco, celebra 20 anos de carreira, mas, pelo que é dado perceber,
foca-se mais no futuro do que no passado. Qual foi a motivação para adotar esta
perspetiva?
Conversámos sobre empatia No Lugar Dela. Desta
vez é vulnerabilidade neste Venham Mais Vinte. Um trabalho de reflexão e
exposição desse ser ou estar vulnerável. Motivou-me pensar o passado para melhor
projetar um futuro e não pensar o passado para ficar refém dele.
Neste álbum, misturas diferentes estilos musicais, do fado à bossa nova e à folk. Como conseguiste integrar essas influências
mantendo a essência do fado?
O objetivo foi o de juntar amigos de outras áreas
musicais que não só do fado para celebrar um caminho, tentando não perder
aquela que seria a minha autenticidade ou identidade enquanto artista.
Conceptualmente, exploras o tema da vulnerabilidade como uma forma de
coragem. Como surgiu essa ideia central e como foi trabalhar emocionalmente com
esse conceito?
Venham Mais Vinte é um disco sobre um lugar por onde já passaram e
continuam a passar muitas vidas. Aquele que começou por ser um disco de
celebração de um caminho com amigos e que, na sua construção, se transformou
num disco em torno de uma condição. A condição de algo que tende a ser magoado,
derrotado, frágil. A condição de algo que pode ser ferido ou destruído. Um ser
vulnerável. Um desafio aos limites da vulnerabilidade e da coragem.
Foi referida a ideia de "cantar como se fosse a última vez". Este
pensamento influenciou a gravação do álbum?
Quando cantamos, não é sempre essa a última e única
vez?! Lembro-me de uma gravação do Jim Morrison, num take
do Riders On The Storm onde, nessa mesma gravação, refere que aquele
momento será único, assim como deveriam ser todos os outros da nossa vida.
Recuperas dois temas do álbum anterior, sendo que em ReViraVolta acrescentas uma produção eletrónica inovadora e sonoridades
distorcida de guitarra elétrica. Qual foi a inspiração para introduzir esses
elementos e como foi a colaboração com MEMA.?
Conheci a MEMA. numa residência artística em
Évora. Vestimos juntos esta ReViraVolta no Alentejo, tentando manter a
mulher que está no tema embora vestida com outras roupas.
O outro tema recuperado é Maria da Solidão onde
fazes um dueto com Vitorino. Quando surgiu essa possibilidade?
O Vitorino tinha sido o autor da música para a
qual escrevi a letra. Fazia sentido podermos ter os autores desta Maria a
tentar cantar a sua melancolia e vulnerabilidade juntos, com a ajuda do piano
do Filipe Raposo.
Já que falamos de MEMA. e Vitorino, podes fazer uma referência ao trabalho
dos restantes convidados? Como se proporcionaram essas parcerias e de que forma
enriqueceram o projeto?
Foram convidados para celebrar este caminho o Pedro
Amendoeira (guitarra portuguesa), o João Filipe (viola de fado), o Carlos
Menezes (viola baixo e contrabaixo), o Miguel Monteiro (guitarra elétrica),
a Salomé Pais Matos (harpa), o Filipe Raposo (piano), o Luciano
Maia (acordeão), o Mário Lopes (percussões), o João Pita
(violão de sete cordas), o Pedro Segundo (percussões), o Vitorino
(voz), a MEMA. (voz, eletrónica e guitarra elétrica), o Ricardo
Ribeiro (voz), o Pedro Calado (voz) e o Grupo de Cantares de
Évora (vozes). Todos eles trouxeram ingredientes fundamentais para os
pratos a servir.
Entre esses convidados está o Grupo de Cantares de Évora. Sendo um
eborense, de que forma é que o Alentejo e o cante continuam a influenciar a tua música e identidade artística?
Eu canto sobretudo as pessoas e os lugares dessas
pessoas. Não consigo não cantar o Alentejo. Não consigo não viver no Alentejo.
Tematicamente, em Likes, fazes uma crítica
à busca por validação nas redes sociais. O que te levou a abordar este tema e
como vês o impacto das redes na música atual, numa altura em que a IA está aí para
ficar?
Vejo com alguma preocupação o peso que se põe nos
efeitos e numa não importância dos conteúdos. É como viver no imediato de um
efeito, sem que tenha que haver um conteúdo que sustente. Depois do efeito
passado, fica o vazio.
Para além disso, muitas das tuas músicas lidam com temas intensos e
filosóficos. Como é que escolhes os temas das tuas canções e o que te inspira a
escrever?
Procuro um conceito para os discos e depois procuro
pintar cada tema servindo esse mesmo conceito. Assim como se de uma exposição
de pintura se tratasse. Inspiram-me as histórias de vida.
Podemos analisar Venham Mais Vinte como um
ponto de viragem? Que desafios te propões para os próximos anos? Há alguma
surpresa ou projeto futuro que possas partilhar connosco?
Sinto que, passados estes vinte anos, estou num lugar
com qualquer coisa de maturidade, desprendimento, leveza e tranquilidade
relativamente àquilo que faço e ao que outros esperam de mim. Não sei se é um
ponto de viragem, mas sinto que é um à-vontade com o caminho andado até à data
e um à-vontade com o que vier a seguir, seja lá isso o que for.
Depois de 20 anos, que conselhos darias ao Duarte que iniciou a carreira em
2004?
Tenta não morrer aos 27. Tenta não morrer aos 33.
Tenta não morrer naquilo que fazes.
Se pudesses definir a tua carreira até agora apenas numa palavra, qual
seria e porquê?
Gratidão. Aos outros e às suas histórias de vida.
Quanto a palco o que tens previsto para apoio a este álbum?
Um concerto que assenta nos temas mais marcantes dos
meus 6 discos. Uma tentativa de quase cerimónia ou, se quiseres, um jantar com
amigos.
Obrigado pela entrevista, Duarte. Queres deixar alguma mensagem final?
Agradeço esta conversa e este vosso espaço dado à música e às artes. Que não nos esqueçamos de pensar criticamente, por muito que custe ou possa doer.
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