A
espiritualidade sempre esteve no âmago do reggae, servindo como
um meio para transmitir mensagens de união, consciência e transcendência. Na
conversa com Freddy Locks, ao celebrarmos os seus 20 anos de carreira com o
álbum Infinite Roots, exploramos como essa ligação espiritual moldou a
sua trajetória, desde os primeiros acordes em Alvalade até às vibrações
elevadas dos palcos internacionais. A sua música, impregnada de raízes
profundas e uma visão universal, reflete a essência do reggae: uma
jornada contínua de conexão com o infinito e de harmonia com o presente. Que
novas revelações e sons ecoam dessa fusão entre raízes e espiritualidade?
Freddy Locks tem as respostas.
Olá,
Freddy, tudo bem? Obrigado pela disponibilidade. Estás a celebrar 20 anos de
carreira com o lançamento do álbum Infinite Roots. Como olhas para esta
trajetória e quais consideras serem os principais marcos do teu percurso até
agora?
O primeiro álbum Rootsrockstruggeling
de 2004 marca o início e todos os outros álbuns foram os “livros” que marcaram
as várias fases da minha carreira que é somente um reflexo da minha vida, uma
vez que tudo o que toco são desabafos do que vou sentindo. Houve concertos
marcantes como tocar com Toots & The Maytals em 2008 na Casa da Música
do Porto e muitos festivais e salas que me deram oportunidade de tocar com
muitos dos melhores artistas de reggae do mundo. Sinto-me muito feliz
com o que consegui fazer nestes 20 anos, mas sobretudo sinto que ainda me falta
fazer muito mais para espalhar a minha magia.
Sabemos
que começaste a tua carreira em Alvalade, um bairro icónico em Lisboa. De que
forma este ambiente influenciou o teu estilo e a tua abordagem musical?
Eu sou nascido e criado em
Alvalade. O nome Freddy Locks nasceu porque me chamavam assim no Bairro
por ser o único com rasta em 1995/96, havia poucos brancos com rastas e em
Alvalade muito menos. Não só o ambiente do bairro, mas a vivência diária com
bentinhos cheios de dinheiro e ciganos e dreads da Musgueira criava uma
atmosfera muito especial em Alvalade, daí ter tantas bandas punk e ser o
bairro do meu amigo João Ribas e dos Censurados. Comecei muito
cedo a ter uma visão muito aberta e um sentido de justiça e liberdade que me
fizeram ser punk e anarquista como os meus companheiros e apesar de
ouvir muito punk e ter muitos amigos punks a minha música é o reggae,
mas a mensagem é a mesma de sempre da música de intervenção e ainda hoje estou
muito perto do movimento punk. Enfim, Alvalade influenciou totalmente a
minha música pois eu sou completamente Alvalade.
O reggae foi a banda
sonora de uma revelação espiritual para ti nos anos 90. De que forma essa
ligação continua a influenciar as tuas composições?
A revelação espiritual que
tive é permanente, é um caminho continuo que nunca abranda nem muda de rumo. As
minhas composições são sempre gritos muito naturais que revelam o mesmo caminho
e o groove do roots reggae é e sempre será uma das gavetas onde
as pessoas metem a minha música, mas para mim é apenas a revelação da minha
alma.
O que
te motivou a revisitar os teus maiores sucessos para este álbum? Há algo em
especial que queiras transmitir com estas novas versões?
Senti que devia fazer para
mostrar as canções de outra forma e sobretudo revelar a magia que eu e minha
banda conseguimos fazer a tocar live and direct. As bases (bateria, baixo,
pianos e guitarra) deste álbum foram gravadas em one take no estúdio e
tudo o resto teve de ser gravado por cima, sem metrónomo, o que sempre queria
fazer pois fica muito mais real e humano. Escolhi as canções não por serem os
maiores êxitos, mas porque de uma forma ou de outra das 50 canções que gravei,
estas 10 faziam sentido neste momento, escolhi 2 de cada álbum e por isso faz
10. Este álbum serve para comemorar os 20 anos, mas também para me apresentar
ao mercado internacional uma vez que só agora posso viajar por todo o mundo a
tocar.
Como
foi trabalhar com o Mighty Drop e o Jori Collignon na produção do álbum? Que
novos elementos trouxeram às músicas?
O Mighty Drop é o Pedro
Queiroz, meu baterista deste 2005, é meu amigo e um grande produtor de reggae
com quem trabalhei em quase todos os meus álbuns. O Jori foi a primeira pessoa
em quem confiei para produzir um disco meu e ele não sendo do reggae tem
uma vibração maravilhosa de vida e groove, tem um talento incrível e uma
grande paixão pela música africana, trouxe uma nova visão das minhas músicas e
enriqueceu muito o álbum. Foi dele a ideia de usar coros femininos e foi
maravilhoso ter a participação da Anastácia e da Loki, foi algo que nunca tinha
feito, foi maravilhoso trabalhar com ele.
Quais
foram os maiores desafios ao regravar temas tão marcantes para a tua carreira?
Alguma destas músicas ganhou um significado novo para ti durante este processo?
Deu muito prazer fazer as
novas versões das músicas, principalmente as mais antigas como o Pure Smile
e Living In The City, ambas de 2004, que ganharam uma nova vida e o Freedom
Is My God que só existia em formato acústico. Não diria que se alterou o
significado que lhes dou, mas fiquei muito feliz pelo resultado final que a
nova vida lhes deu.
As
tuas músicas carregam frequentemente mensagens de positividade e união. Como
vês o papel do reggae na sociedade atual?
A música e a arte no geral
têm um papel fundamental para a sociedade, embora tenha sido mais e mais
“aprisionada” pelo capitalismo e ser usada como instrumento materialista, a música
e arte sempre serão o coração da vida em harmonia. A verdadeira música e arte
livres mostram o caminho da harmonia e sempre serão as armas mais potentes no
subconsciente das pessoas. O reggae por isto tem um papel fundamental na
luta interminável entre o medo e o amor, o mal e o bem; a Luz do reggae
está lá e sempre mais forte mesmo que a propaganda capitalista diga o
contrário, o reggae cada vez será mais forte e terá um papel muito
importante para as mudanças de consciência que se avizinham.
Qual o
significado do título Infinite Roots? Uma ligação com as tuas origens musicais e
espirituais?
Infinite Roots é uma filosofia, um pensamento que
tenho há muitos anos e que luto para o viver o mais possível, é sentir que
vimos do infinito e vamos para o infinito, ao sentir as nossas raízes sentimos
que somos mesmo do infinito e que o viver verdadeiramente o presente é viver o
infinito. A morte só existe em consciência e podemos conseguir ter a
consciência de que a morte não existe…só as nossas raízes e o infinito.
Depois
do sucesso no festival Le Guess Who? no ano passado, como está a ser regressar à
estrada em 2024 com este álbum? Há algum local ou atuação que aguardes com
especial expetativa?
Foi muito boa tour,
passou pela Holanda, Alemanha, Suíça, Barcelos, Lisboa, Alentejo, Algarve, foi
muito bom. Todos os concertos têm um significado especial, sentimos sempre a vibe
muito elevada, não dá para destacar um pois foram todos mágicos para mim.
Muitas
das tuas músicas foram elogiadas pela crítica internacional, como Earth e Overstand.
Sentes diferença ao compor para um público global em comparação com o público
português?
Eu nunca componho para
nenhum publico, componho para mim e para as mentes e almas da minha tribo.
Sempre sinto que quando gravo uma canção ela deixa de ser minha e passa a ser
de quem a abraçar, eu sou apenas um meio que a música encontrou para sair para
o mundo. Quase todas as minhas canções foram criadas de repente, vieram ter
comigo já feitas, sei que parece estranho, mas é mesmo assim. A razão pela qual
tenho mais ou menos aceitação em Portugal ou no estrangeiro tem apenas a ver
com o fator “promoção”, quando tens dinheiro ou meios para promover a tua música
ela chega a mais pessoas e a minha música é como erva daninha a crescer no
asfalto do capitalismo e da música comercial. Lá fora há mais gente a ouvir reggae
e a perceber a minha mensagem por isso é que cada vez vou tocar mais lá fora
porque tenho de ir ao encontro de quem quer realmente ouvir a minha música.
Quais
são os teus planos para o futuro além de Infinite Roots? Tens
já em mente algum novo projeto ou colaboração?
Sim, 2025 será um ano para
revelar novas músicas e parcerias e espero ter muitos mais concertos.
Obrigado pela entrevista, Freddy. Queres deixar alguma mensagem final?
Obrigado pelo vosso trabalho na divulgação da música. “O Presente é uma dádiva…por isso é que se chama Presente”! One Love!
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