MOTOCULTOR FESTIVAL ACROSS EUROPE TOUR
10/dezembro/2024
Sala 2, Hard Club, Porto
Foi com um ano de atraso e algumas
mudanças no line-up que a Motocultor Festival Across Europe Tour
chegou finalmente a Portugal e à cidade invicta, naquela que foi uma noite
cheia de memórias e de emoção. Acompanhados pelos Royal Rage, Ring Of
Gyges, Strale e Dirty Shirt, os cabeças de cartaz Orphaned
Land proporcionaram uma experiência sensorial de elevadíssimo nível a todos
aqueles que se deslocaram à Sala 2 do Hard Club no Porto, na passada
noite de 10 de dezembro.
Devido ao elevado número de bandas
envolvidas nesta tour, as portas do recinto abriram quando passavam
apenas 30 minutos das 18h00, e convidaram todos os presentes a entrar para assistirem
ao primeiro concerto da noite. Vindos do Brasil, os Royal Rage, são uma
banda que pratica thrash metal seguindo as regras criadas pelos irmãos
Cavalera, inclusive inserindo alguns elementos do folclore brasileiro. E talvez
tenha sido esse o motivo por detrás da terceira maior audiência da noite
(superada apenas pelos Dirty Shirt e pelos Orphaned Land), apesar
de serem a primeira a subir ao palco. Com elaborados riffs, vocais
berrados e, quase sempre, com uma velocidade alucinante, os Royal Rage
mostraram o que valem e não desiludiram nenhum dos mais dedicados que se
deslocaram mais cedo ao Hard Club. Não fora este o primeiro concerto da
noite e certamente haveria mosh-pit ao som dos agressivos riffs
do coletivo brasileiro.
A segunda banda a subir ao palco
foram os Ring Of Gyges. Vindos das paisagens gélidas da Islândia, o
coletivo não foi capaz de estabelecer a mesma conexão com a audiência que os
seus antecessores, o que acabou por ser o maior ponto negativo da sua atuação.
Tecnicamente muito evoluído, o seu setlist foi composto apenas por
quatro faixas de progressive metal nórdico ao estilo de Leprous.
Soube a pouco e ficou no ar a sensação de que os islandeses tinham muito mais
para oferecer do que aquilo que mostraram nos 30 minutos a que tiveram direito.
Também vindos do norte da Europa, os
Strale foram o absoluto oposto dos Ring Of Gyges. Com temas
curtos, pouco desenvolvidos e pouco evoluídos tecnicamente, mas extremamente catchy
e mainstream, os finlandeses mostraram-se ao seu melhor nível e
beneficiaram do facto de subirem a palco depois dos islandeses. Mas se para os Ring
Of Gyges, 30 minutos souberam a pouco, para os Strale, os 30 minutos
pareceram arrastarem-se eternamente numa sequência de temas que pareciam ser iguais
aos anteriores. O concerto terminaria com o seu mais recente single, uma
versão de Blinding Lights de The Weeknd, uma escolha que fraturou
a audiência em duas grandes metades e que concretizou uma tendência que se
tinha vindo a verificar ao longo do concerto. Foi entre caras de desaprovação e
afirmações de que a versão está mais bem conseguida que a original (o que não
deixa de ser verdade) que os Strale terminaram o concerto mais divisivo
da noite. Ainda assim, independentemente de qual dos lados da barricada se
encontravam, uma questão parecia unânime entre os fãs dos Orphaned Land
que, por esta altura, começavam a chegar em massa à sala: o que faz uma banda
tão superficial (tanto musical como liricamente como em termos de imagem e
postura em palco) nesta tour liderada por uma das bandas mais
emocionalmente evoluídas da atualidade?
Vindos da Roménia, os Dirty Shirt
eram a última banda a subir a palco antes dos Orphaned Land e, por isso,
tiveram direito a tocar mais tempo do que as bandas que os antecederam.
Conhecidos por cruzarem modern metal e influências do folclore da
Transilvânia, sua região de origem, os romenos começaram o seu concerto 5
minutos antes da hora prevista e surpreenderam toda a audiência com a sua
energia contagiante. Com 7 elementos em palco (2 vocalistas, 2 guitarristas, 1
baixista, 1 baterista e 1 violinista) a energia que os Dirty Shirt
deixaram em palco teria feito qualquer paraplégico dançar com eles. A dualidade
vocal foi muito bem conseguida, assim como a interação com o público e, apesar
dos temas não serem tecnicamente evoluídos, os romenos fizeram uma festa em
palco, que se estendeu até à audiência. Foi um bom concerto? Foi um mau
concerto? É difícil responder. Mas foi divertido, energético e foi a escolha
ideal para fazer a transição dos Strale para os Orphaned Land.
Eram 22h15 quando se começou a ouvir
a música que os Orphaned Land elegeram para aquecer as hostes enquanto
eles faziam os últimos preparativos antes de subirem a palco. E, para surpresa
de todos os presentes, a música que começou a tocar era o Grândola Vila
Morena de Zeca Afonso, uma escolha que Kobi Farhi viria a
justificar durante o concerto como sendo um resultado da sua admiração pessoal
pelo povo português e pela Revolução de 25 de Abril, sentimento que o mesmo já
tinha expressado em entrevista exclusiva feita ao Via Nocturna no final
do ano passado.
Apesar da recente contestação que os
israelitas sofreram em Barcelona, a plateia portuense decidiu deixar as guerras
no Médio Oriente do lado de fora das portas da sala 2 do Hard Club e apreciar
o concerto. E que concerto!
Com um setlist dividido entre
todos os seus álbuns (apenas o debut Sahara foi esquecido), os Orphaned
Land apresentaram-se, como sempre, na sua melhor forma. De The Simple
Man a Norra El Norra, o único ponto negativo que pode ser
apresentado a esta performance é ter sido curta demais. A 1h15min de espetáculo
foi dividida por 12 temas extremamente variados, que viajaram desde o death metal
de We Do Not Resist até à acústica In Thy Never Ending Way, mas
que sempre estiveram interligados por um sentido superior de melodia, calma e
serenidade. Sim, pois essa é a melhor maneira de descrever este concerto. Um
espetáculo sereno, apaziguador e capaz de restaurar a paz interior de todos os
indivíduos presentes na plateia. O constante sorriso de Chen Balbus e a
presença serena e etérea de Kobi Farhi (sempre com vestes judaicas e
descalço, como já nos habituou) muito contribuíram para esse resultado. Sempre
com uma backing track muito presente (tanto para coros, como para
orquestrações ou até mesmo para o dueto em Sapari), os Orphaned Land
apresentaram uma história do Médio Oriente. Não uma história de guerra e
sangue, mas de harmonia e de coexistência, tal como pregaram durante toda a sua
carreira.
No fundo, tratou-se de uma
experiência sensorial que transcendeu a música e que alimentou as almas de
todos os presentes. O concerto (pré encore) terminaria com duas semi
baladas, onde Auria Sapir pendurou a guitarra e assumiu o bouzouki,
aumentando ainda mais a emotividade e beleza do momento.
Em suma, os Royal Rage trouxeram a agressividade, os Ring of Gyges destacaram-se pelas progressões complexas e ritmos polifónicos, os Strale cativaram com melodias envolventes e memoráveis e os Dirty Shirt adicionaram as influências étnicas. Por fim, os Orphaned Land uniram todos esses elementos, enriqueceram-nos com o toque singular que só eles conseguem oferecer e apresentaram um concerto épico que, certamente, ficará na memória de todos os presentes.
Agradecimento
especial: Nuno Reis e Caminhos Metálicos (reportagem fotográfica)
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