Entrevista: My Enchantment

 

Os My Enchantment são um dos nomes mais resilientes e apaixonados do metal nacional, trilhando um percurso onde o peso e a melodia se cruzam com uma forte componente conceptual. Com Illuminare, a banda encerra a trilogia inspirada na Divina Comédia de Dante, um projeto ambicioso que consolidou a sua identidade sonora e narrativa. Entre desafios de produção, uma abordagem autónoma ao processo criativo e as indecisões criadas pela falta de um baterista, o coletivo nacional fala-nos abertamente sobre o caminho percorrido e o futuro que se avizinha.

 

Olá, pessoal, é um prazer voltar a conversar convosco. Desde a nossa última entrevista em 2023, como tem sido a vida da banda?

Olá, Via Nocturna, temos sempre todo o gosto em voltar a falar convosco. O ano passado trabalhámos afincadamente em gravar e lançar o nosso álbum Illuminare Quisemos fazer as coisas à nossa maneira e, como tal, fizemos de tudo, desde uma boa pré-produção, a captação e gravação do álbum, e toda a pós-produção e masterização. Foi muito duro, porque foi um processo moroso, muito intrincado e detalhado. Tudo isto levou o seu tempo e desgastou-nos muito, mas estamos muito orgulhosos do resultado final, porque foi exatamente aquilo que idealizámos.

 

Illuminare marca o culminar da vossa trilogia baseada na Divina Comédia de Dante. Como descreveriam a evolução sonora e lírica desde Saligia até este novo álbum?

Pensamos que conseguimos refinar o nosso som ainda mais, e fomos mais exigentes connosco no momento de compor músicas mais complexas, até porque liricamente a história assim o exigia. Foi um desafio muito bom para nós como músicos podermos explorar mais em detalhe o mundo que criámos em volta deste novo álbum, e conseguirmos transpor para as composições os conceitos e emoções que pretendíamos transmitir. O lançamento deste terceiro e último capítulo deu-nos um objectivo muito claro, na direção musical e lírica, mas houve também um processo de organização das músicas e das letras em prol do álbum coletivamente, no sentido de termos bem presente a viagem com um começo e fim bem definidos. Liricamente, construímos o álbum com o conceito de redenção em mente, mas ao longo da escrita, o processo acabou por se ir modificando um pouco. A vertente humana que queríamos incutir também se prende muito com as lutas pessoais, de ultrapassar certos fantasmas que temos, do passado ou do presente, e que não é assim tão fácil existir redenção nas nossas vidas, em última análise que exista uma certa catarse que nos faça finalmente estarmos em perfeita sintonia com o que nos rodeia. Quisemos demostrar esta luta constante connosco próprios, que nos faz melhorar como seres humanos, mas também nos pode levar a cair na decadência e gerar mais problemas para nós e para os que nos rodeiam.

 

Illuminare marca o culminar da vossa trilogia baseada na Divina Comédia de Dante. Como descreveriam a evolução sonora e lírica desde Saligia até este novo álbum?

Fizemos, de facto, o lançamento a 31 de outubro de 2024, mas apenas em formato digital. Tivemos algumas hesitações porque já tínhamos avançado a data anteriormente, mas o formato físico não esteve disponível, devido a algumas situações a que nós e a Ethereal Sound Records somos alheios. Imprevistos que acontecem, mas não por falta de comunicação ou outro tipo de impedimento. Como referimos, foi um ano muito intenso de pré-produção, gravação e pós-produção, e como tal preferimos fazer desta maneira em vez de adiarmos o lançamento sem data prevista. Contamos este ano (re)lançar o álbum com a certeza de que temos tudo pronto a tempo de podermos efetuar uma festa e concerto de lançamento, e de termos o álbum físico e outro tipo de merchandising prontos e sem mais obstáculos.

 

O que vos levou a escolher Illuminare como título para este álbum? Qual o significado por detrás deste nome?

O álbum fala-nos deste conceito de redenção, de conseguirmos efetivamente um momento de clareza consciente, ou de cairmos na escuridão novamente. Nesse sentido, e uma vez que temos utilizado o latim durante todo o conceito destes três últimos trabalhos, escolhemos Illuminare ou iluminação como título do álbum. Significou para nós, em particular, a luz ao fundo do túnel para finalizarmos o conceito dos três álbuns, a conclusão da nossa redenção pessoal. Mas só saberão exatamente se a conseguimos quando ouvirem o Illuminare, porque esse é justamente um dos objetivos, deixar que cada ouvinte possa sentir a sua própria viagem e tirar as suas conclusões.

 

Podem partilhar connosco algum desafio particular que enfrentaram durante o processo de gravação ou produção deste álbum e, no geral, ao longo de toda a trilogia?

O nosso maior desafio foi, sem dúvida, o trabalho que tivemos em preparar e finalizar o disco. Em retrospetiva, o facto de termos escolhido fazermos nós tudo foi a maior fonte de riqueza para compor e gravar este álbum, mas também a fonte de todas as nossas lutas. Por um lado, não tivemos desgaste em termos de deslocações a um estúdio de gravação, de estarmos pressionados e restringidos em termos de tempo e dinheiro, de estarmos expostos a horários e também aos eventuais retrocessos de trabalhar com um produtor, fizemos tudo como pretendíamos, individualmente para cada instrumento. Por outro lado, foi muito mais intenso do que qualquer outro processo de gravação de álbum que já tenhamos passado, porque o ónus estava todo sobre nós, não houve períodos de descanso até finalizarmos, e isso acabou por nos desgastar muito e, obviamente, por nos dar muito mais trabalho em todas as fases do processo, desgaste esse que veio muito a título pessoal para cada um de nós. Mas foi ótimo ver que muitos pormenores que captámos foram conseguidos já na gravação, na dobragem das guitarras, em muitos leads e harmonizações, mas também nas orquestrações das músicas, sobretudo na Intro e na Outro. E todos estes extras trouxeram muito mais detalhe que acabou por enriquecer muito o álbum na nossa opinião. E dentro do conceito global dos três trabalhos, queríamos sem dúvida voltar a temas musicais contidos nos outros dois trabalhos anteriores, para dar um conceito de continuidade, ter aqui e ali uma chamada a músicas ou temas musicais e líricos dos outros dois álbuns, e isso também levou o seu tempo a desenvolver, a colocar nas novas músicas de maneira que fizesse sentido. Valeu muito a pena, estamos extremamente satisfeitos e orgulhosos com este disco, mas foi de facto fruto de muito trabalho e desgaste imenso durante largos meses.

 

Por que razão optaram por dividir o álbum em 9 partes (excluindo o Intro e o Outro) batizados com o título Sphaera?

Quisemos ser um pouco mais fiéis à obra da Divina Comédia e à história que queríamos contar, sendo que esta divisão fazia logo à partida muito sentido para nós. Ajudou-nos a criar o esqueleto do álbum e das músicas, deu-lhes corpo e ajudou também na parte lírica. Tínhamos uma divisão clara de cada parte de um todo, com um início definido, e um final que tínhamos já idealizado. A questão das esferas é também parte integrante da obra literária de Dante, tudo se passa nesta esfera etérea no caminho para a redenção. A criação deste pré-conceito, da estrutura, das letras, da história, foi primordial para nos dar espaço para criar a vertente musical e nos ajudar a separar cada música e a sua história no cômputo global, não só desta obra, mas também das outras duas anteriores. Desde a elaboração do Saligia que tínhamos um conceito muito bem definido, mas depois como o articular com a música? Isso fez toda a diferença quando conseguimos perceber que a estrutura em si podia ser predeterminada, o que nos ajudou a ter um fio condutor bem delineado do princípio ao fim.

 

Com o encerramento desta trilogia, que lições ou experiências retiraram que irão influenciar os vossos projetos futuros?

Fazer um álbum conceptual, ou neste caso três, foi uma experiência única em termos de composição musical e lírica. Vamos como que descobrindo cada uma das fases que passamos e quase que a vivemos em particular quando estamos na sala de ensaios a desenvolver os temas, ou a falar sobre como melhor desenvolver a ideia, dá-nos foco e as coisas vão como que acontecendo naturalmente. Mas também nos restringe um pouco em darmos asas à imaginação e não estarmos restringidos por algo que possa eventualmente fugir do conceito que queremos apresentar. Somos todos bastante adeptos e defensores que a música em geral, e em particular as nossas composições novas, têm de fluir naturalmente, e isso é algo que por vezes nos pode ter um pouco de mãos atadas. Somos um pouco old school se calhar nesse sentido, mas acreditamos que o heavy metal em particular sempre foi um pouco (se não muito) contra os trâmites do habitual e muito fora da caixa, rebelde e que não liga a convenções, e quando se faz um álbum conceptual isso pode ficar até um pouco comprometido, porque temos de trabalhar para um objetivo final de contar uma determinada história de uma determinada maneira. Mas acreditamos tê-lo conseguido de uma forma natural, sem quaisquer amarras.

 

E já há ideias para uma nova trilogia ou, a partir de agora, irão caminhar noutras direções?

Vamos ver, vamos ver. Como já referimos, estes últimos anos foram muito intensos, trabalhámos muito para concluir estes três álbuns conceptuais. Já começámos a trabalhar em novos temas, mas ainda não temos nada definido. Talvez nos saiba bem, como dissemos, trabalhar sem obedecer a uma estrutura pré-definida, sem amarras, e dar largas à criatividade. Sempre tivemos uma química muito grande na sala de ensaios, adoramos entrar e sentir que estamos a começar um novo capítulo e pegar em algo novo e dar-lhe forma, criar um tema do nada dá-nos uma satisfação imensa e o período de composição é aquele que mais gostamos, estamos sem pressão e por isso fazemos o que queremos. Sempre nos fez bem trabalhar assim, e sempre tivemos muita confiança neste processo, nesse sentido a criatividade nunca nos faltou e continuamos a gostar imenso de pegar numa ideia, numa malha, num riff, e transformá-la numa música, em algo onde conseguimos pôr a nossa alma, desfrutar desse momento. Criar algo novo é paradoxalmente terapêutico, relaxante e entusiasmante, revitaliza-nos e continuamos a querer criar mais e mais.

 

Neste álbum o Fernando Barroso assume a bateria, para além do seu tradicional baixo, não tendo um baterista no álbum. Porque aconteceu assim?

É verdade, foi mais uma coisa que nos deu imenso trabalho, no meio de tudo o resto. A tal questão da escolha de fazermos tudo nós próprios também se prendeu com esse facto, de termos de trabalhar sem baterista. Pensámos muito seriamente em várias opções, com e sem baterista, em contratar alguém para gravar as baterias, pesámos prós e contras, mas acabámos por decidir que, se queríamos ter total controlo sobre todo o processo de gravação e masterização, mistura, produção, iríamos avançar também sem baterista. Foi um risco que assumimos, mas seria também um risco arranjar alguém à última da hora para assumir esse peso, e já tínhamos tudo preparado para começar a gravar. O Fernando assumiu ele próprio a programação de todas as baterias e teve um trabalho gigantesco, mas com um magnífico resultado e estamos enormemente satisfeitos por isso.

 

Já têm um baterista permanente?

Ainda não, pensamos ter novidades para breve, porque felizmente temos algumas opções, e porque queremos voltar a tocar ao vivo com a maior brevidade e regularidade, por isso precisamos mesmo de ter alguém que pegue nas baquetas a tempo inteiro, por assim dizer.

 

Com o lançamento de Illuminare, existem planos para uma digressão ou concertos de apresentação?

Sim, claro, queremos lançar o álbum devidamente e marcar esse lançamento com um concerto mais especial, e estamos também a marcar outros concertos para 2025. Pretendemos tocar o Illuminare na íntegra ao vivo, e talvez quem sabe algo um pouco mais arrojado, como tocar os três álbuns de seguida, mas é uma tarefa que implica muito trabalho de sala de ensaios e preparação, mas vamos ver.

 

Obrigado pela entrevista, pessoal. Que mensagem gostariam de transmitir aos fãs que têm acompanhado a vossa jornada e apoiado o vosso trabalho?

Queremos agradecer a todos os que continuam, e bem, a ir aos concertos de metal do nosso underground, especialmente aos que nos acompanham mais de perto e há mais tempo, que continuem assim. Tocar ao vivo continua a ser uma grande parte daquilo que somos, continua a ser uma das coisas que mais gostamos de fazer e queremos continuar por muitos mais anos a fazê-lo, tantos quanto nos for possível. Obrigado a vocês, Via Nocturna, por mais esta oportunidade de conversarmos.

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