Entrevista: Ailen

 

Liane Silva, agora conhecida no mundo da música como Ailen, é um daqueles casos em que a arte e a vida se entrelaçam de forma profunda e corajosa. Atualmente a viver em Londres, a artista tem traçado um percurso singular que a levou da técnica vocal ao doutoramento em composição para multimédia, sempre com uma paixão inabalável pela música e pelas suas causas. Nesta entrevista, Liane fala-nos da mudança para o Reino Unido e de como essa decisão influenciou radicalmente a sua carreira e identidade musical. Com um novo EP já lançado e um álbum a caminho, esta conversa revela uma artista incansável que continua a questionar, investigar e criar.

 

Olá, Liane, tudo bem? Obrigado, mais uma vez, pela disponibilidade. Antes de mais, porque a mudança para Londres? Que novos desafios e oportunidades te trouxe esta mudança?

Olá, Pedro, como estás? Obrigada, mais uma vez por me receberes aqui no Via Nocturna e pelas tuas palavras na crítica do EP! A mudança para Londres foi algo que decidi já em 2017, e desde essa altura que moro no Reino Unido. Foi uma mudança que surgiu do desejo de expandir os meus horizontes, tanto culturais como criativos, e estudar música mais aprofundadamente numa indústria mais globalizada, e Londres é uma cidade ideal para isso. Trouxe imensos desafios, a começar pelas dificuldades em estabelecer uma vida nova num país estrangeiro e a acabar nas saudades que se tem de casa e da família, dos amigos, etc. Mas foram desafios que também me permitiram licenciar-me em técnica vocal, e depois prosseguir estudos, tirando mestrado em composição de música para filme. Agora, estou a fazer doutoramento na área de música para multimédia, com especialização no género de ficção científica – um desvio e tanto desde as minhas origens, mas também uma viagem que estou a adorar!

 

Essa mudança, de alguma forma, influenciou a tua carreira musical e a sonoridade da Ailen?

Sim, imenso! O trabalho que lancei recentemente, Hummingbird, é no fundo um revisitar de Colibri, aquele álbum que lancei já em 2016. Contudo, Hummingbird contém também abordagens musicais diferentes, presentes nas duas últimas faixas, sobretudo na Catharsis. Para além disso, há ainda muita música por lançar (incluindo para o próximo álbum planeado) que foi escrita em Portugal, mas que foi parte da minha motivação para vir para Londres. Na altura, escrevi muita música que sentia que não tinha ainda conhecimentos suficientes para concretizar, e Londres apresentou-se como uma cidade ideal para aprender mais sobre composição musical e também para seguir nas passadas dos gigantes que me influenciam, como Pink Floyd, Queen, Steven Wilson, entre outros. Por outro lado, à medida que fui aprendendo mais sobre composição musical, senti também a necessidade de adotar mais seriamente um instrumento musical para além da voz – neste caso, o baixo! Foi um desafio, porque embora tenha cantado e tocado guitarra ou piano em simultâneo durante muitos anos, em contexto de música para casamentos, hotéis, etc., confesso que tocar baixo e cantar ao mesmo tempo foi bastante difícil de aprender! Há diferenças rítmicas e a nível de groove que se manifestam nos diferentes papéis que o baixo e a voz principal têm, que não se manifestam (pelo menos de forma tão marcada) em outros instrumentos como a guitarra ou o piano. Mas foi um desafio que me fez crescer imenso musicalmente, e pelo qual sinto orgulho – foi essa decisão que mais moldou a sonoridade de Ailen, permitindo que o projeto avançasse criativamente!

 

Quais foram as principais diferenças que encontraste entre a cena musical portuguesa e a londrina?

A maior diferença que encontrei (e falo apenas da minha experiência) foi a enorme multiculturalidade que Londres apresenta. É um dos meus aspetos favoritos desta cidade, e é também algo que permite a criação e manutenção da cena musical londrina. A música independente é baseada numa economia em que os fãs apoiam os seus artistas favoritos, indo a concertos, comprando merch, etc. Por outro lado, o circuito independente está repleto de sítios onde grandes lendas musicais tocaram em tempos de outrora – este EP foi lançado no mítico Cart & Horses, onde os Iron Maiden (!!!!) tocaram bastante frequentemente! Não digo isto com intenção ou ar de “gabarolice”, mas apenas para ilustrar um dos aspetos mais inacreditáveis desta cidade: está repleta de sítios como este que abrem as portas a músicos e bandas independentes, e proporcionam assim oportunidades únicas para atuar ao vivo!

 

Depois, porque a mudança para Ailen, que, no fundo, é um anagrama de Liane?

A mudança de nome artístico está relacionada com o meu percurso académico após ter chegado a Londres. Após ter feito a licenciatura em técnica e performance vocal, concluí o meu trabalho de final de curso especializando-me em música instrumental para cinema e lancei o EP Laura sob o nome Liane. Sempre tive um fascínio com o cinema e com videojogos, e decidi continuar a estudar, mudando o foco dos meus estudos. Foi aí que fiz o meu mestrado em composição de música para cinema, e eventualmente iniciei o programa doutoral que estou a fazer neste momento, na área de composição para multimédia. No meio disto tudo, apercebi-me de que se calhar, seria melhor separar o meu projeto musical rock do meu trabalho enquanto compositora – devido a algoritmos e outros fatores que influenciam a forma como os músicos independentes têm acesso a oportunidades de marketing etc. Devido a regulamentações das distribuidoras de música independentemente, especificamente para trabalhos de bandas sonoras ou dentro do género neoclássico, os artistas têm de submeter os seus álbuns sob o seu nome próprio. Por isso, decidi que o nome Liane ficaria então reservado para a as minhas aventuras nas indústrias de multimédia audiovisual. Mas o meu projeto rock não é menor reflexo de mim e da minha filosofia de vida e identidade – daí o anagrama.

 

Algumas faixas do teu novo EP Hummingbird são reinterpretações de músicas do álbum Colibri, lançado em 2016. O que motivou a decisão de revisitar estas canções e que novidades podemos encontrar nestas novas versões?

A primeira motivação foi devido à mudança de nome artístico: embora o álbum Colibri tenha já sido lançado em 2016, foi esse o trabalho que introduziu esta música ao mundo, e não conseguia, em boa consciência, “abandoná-lo”. Ao mesmo tempo, as músicas que escolhi para figurar no EP Hummingbird foram as que prevaleceram ao teste do tempo, não só musicalmente, mas sobretudo tematicamente. Oxygen Tax e Heal, por exemplo, são duas faixas que têm continuadamente demonstrado a existência de duas “feridas” na sociedade contemporânea a nível universal: o classismo e o conflito humano. Por isso, são músicas que representaram uma oportunidade única para não só relançar o projeto sob um novo nome, mas também expandir o horizonte criativo destas músicas, através de reflexões escritas e pesquisa literária que esteve e está sempre por detrás da minha música (o que chamo de Research Hub). Foram estas as músicas que considerei ideais para partilhar o que motivou a existência deste projeto, já desde há muitos anos: a desigualdade socioeconómica, o conflito humano, e todas as nuances que habitam os vales entre estas duas problemáticas.

 

Ailen é composto por músicos de diferentes origens. Como é que estas diversas influências culturais e musicais contribuem para a identidade sonora da banda?

Lá está, essa multiculturalidade é algo que me fascina em Londres, e é algo que existe em todas as atmosferas da cidade! A banda que me acompanha traz todas estas diferenças culturais, que incluem diferentes abordagens musicais, para esta música. Tenho muita sorte nas pessoas que encontrei aqui para me acompanharem, não só pela sua riqueza e talento musical, mas também por todo o apoio que me têm vindo a dar ao longo destes anos! O baterista Louis é brilhante na forma como acompanha o que toco no baixo, e é uma fundação sólida que é muito necessária, sobretudo ao cantar e tocar baixo ao mesmo tempo. O teclista Gonçalo é português, como eu, mas tem uma formação muito diferente da minha, e traz um talento incrível nos teclados, sintetizadores e segundas vozes também. E os guitarristas Thomas e Lisa são os que tocam comigo há mais tempo, já desde 2017, e são grande parte para que o projeto tenha sobrevivido a uma pandemia e a inúmeras dificuldades e montanhas que temos vindo a ultrapassar.

 

Quanto a música nova,  há algum coisa em preparação que nos possas adiantar?

Sim, embora não queira adiantar demasiado para não estragar a surpresa, o próximo álbum já está escrito e está neste momento em processo de gravação, com lançamento previsto para finais deste ano ou inícios do próximo!

 

E quanto a palco? O que tens previsto?

Neste momento, estou a focar-me em promover o Hummingbird mas também em terminar as gravações do próximo álbum! Fizemos algumas atuações entre novembro do ano passado e fevereiro deste ano, e agora pausamos um pouco as atuações para nós focarmos em gravar.

 

A terminar, um regresso a Portugal está nos teus planos?

Sim, embora não tenha uma data concreta prevista, se tudo correr bem, o próximo álbum poderá vir a ter algumas atuações em Portugal!

 

Que mensagem gostarias de deixar aos fãs que acompanham a tua música, tanto os que estão contigo desde o início como aqueles que te descobriram recentemente?

Gostaria de deixar uma mensagem de esperança e perseverança, e dizer também que espero estar à altura das expetativas daqueles que me têm acompanhado e apoiado ao longo de todo o meu percurso! No fundo, espero trazer algo de novo e inesperado, sobretudo com o próximo álbum, mas também algo que seja fiel àquilo que sempre alicerçou esta música. Esta sempre foi uma música de cariz altamente pessoal, mas também altamente político, e isso permanecerá. Para aqueles que se interessam pelo teor mais político deste tipo de música (e de outros semelhantes), quero por último deixar aqui a sugestão da tal Research Hub que criei. Lancei a Research Hub recentemente com o vídeo clipe oficial da música Heal, que trata de temas de discriminação, genocídio étnico e conflito bélico. Foi devido ao “peso” e complexidade destes temas que decidi criar a Research Hub, que é no fundo o sítio onde partilho toda a pesquisa que está por detrás de cada canção e respetivos videoclipes. A ideia aqui não é “prescrever” uma interpretação para as músicas, mas antes expandir o seu contexto e divulgar algumas das realidades e factos que as inspiraram – algo que é cada vez mais importante nos tempos de desinformação que correm. Podem aceder à página da Research Hub a partir do website Ailen, que é iamailen.com. 


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