Machine Dialectics (MITOCHONDRIAL SUN)
(2025,
Inertial Music)
Membro fundador e ex-guitarrista dos melodic
death metallers Dark Tranquillity, Niklas Sundin, a solo, tem
trabalhado na criação de paisagens sonoras cinematográficas. Em Machine Dialectics,
volta a reinventar-se e mergulha de cabeça num universo lo-fi que soa
nostálgico e futurista, com um trabalho que se afasta da grandiosidade
orquestral para explorar os recantos silenciosos e imprevisíveis da composição
eletrónica minimalista. A estética é intencionalmente difusa: muitas faixas são
construídas apenas por uma única linha melódica, acompanhada de subtis
pulsações rítmicas ou atmosferas ambientais flutuantes. Mesmo que em Machine
Dialectics, a melancolia e o mistério se apresentam com nova roupagem,
apenas em To Those That Dared To Dream e The Fate Of Animals, se
podem notar apontamentos do espírito sombrio e contemplativo de outros momentos
do projeto. A apesar da intenção ser a máxima “menos é mais”, aqui o resultado fica
muito longe do “mais”. Até porque não se percebe porque é que um exímio
guitarrista como Lundin não chega a fazer uso do seu instrumento que,
certamente, traria uma outra dimensão se bem conjugado com tanta maquinaria e
tecnologia. [68%]
Canto Sagrado (ATMAEN)
(2025,
Inertial Music)
Canto
Sagrado é uma obra
profundamente introspetiva e espiritual criada por Atmaen, o projeto da
vocalista Valentina Buroni (também conhecida pelo seu trabalho com Iridio
e Val, e pela personagem Leanan Sidhe, dos Beholder,
projeto milanês que esteve ativo entre 1999 e 2005 e com os quais lançou três demos
e três longa-duração). O álbum é construído sobre uma base minimalista,
onde predominam os vocais, teclados, sintetizadores e percussões subtis,
evocando uma atmosfera sacra de recolhimento. Inspirado pelo imaginário
religioso e espiritual do Tibete, o disco guia o ouvinte numa viagem de
elevação, com a presença do violino num dos temas a intensificar esse carácter
etéreo da obra, numa opção que deveria ter sido mais explorada. Os temas
são marcados por uma expressividade delicada, com destaque para a faixa Goccia
Goccia, cantada em italiano, que se revela particularmente emotiva, e Il
Canto del Tempo, onde o spoken word na sua língua nativa aprofunda o
sentido ritualista do álbum. Canto Sagrado termina com três remixes
de temas antes apresentados, e, embora essa abordagem introduza algum ritmo que
se revelava ausente nas versões originais, perde parte da personalidade e da
pureza meditativa que define o disco. No todo, Canto Sagrado é
uma peça sincera, sensorial e intimista, ideal para quem procura um refúgio
espiritual através da música. [71%]
Fusing Your Synapses (DOCTORS OF SPACE)
(2025, Space Rock Productions)
No novo álbum Fusing Your Synapses, o
duo Doctors Of Space (Scott Heller e Martin Weaver)
mergulha de forma feroz nas possibilidades tecnológicas dos seus instrumentos,
criando uma experiência sonora tão intensa que parece literalmente fundir
sinapses. Gravado entre 2022 e 2024, o disco é um laboratório vivo de
sintetizadores modulados, guitarras hipnóticas e ritmos instáveis, desafiando a
perceção e arrastando o ouvinte para um transe caótico. A agressividade
criativa que atravessa temas como Fusing Your Synapses ou Pinned
Codes marca um ponto de evolução para o projeto, numa linha que até
contraria um pouco os mais recentes trabalhos solo de Scott Heller, nomeadamente
o projeto Quasars Of Destiny. Naturalmente, mantem-se o foco na
componente de sintetizadores analógicos, mas aqui nota-se a intencionalidade em
levar cada um deles (MOOG modular, Nord Lead 2, Yamaha CS-10,
entre muitos outros) até aos seus limites físicos e emocionais. [70%]
Ward White Is The Matador (WARD WHITE)
(2025, Think
Like A Music)
Ward White, músico já descrito como o elo perdido entre Scott
Walker e David Bowie, lançou, em2014, Ward White Is The Matador,
uma obra ousada que, ao longo de 14 temas, desafiava géneros e expetativas. Na
altura, para dar vida ao disco, Ward White contou com a produção de Bryan
Scary e Graham Norwood, figuras fundamentais da cena psych-pop
de Nova Iorque. O resultado foi um disco considerado em publicações importantes
como a New York Magazine, a MAGNET e a CMJ, um dos álbuns
mais ousados do ano. Um disco que se move com elegância entre o noir crooner
inspirado em Scott Walker, o glam rock mais cintilante e o pop
orquestral de construção meticulosa. O resultado é um álbum grandioso e
multifacetado, que desafia qualquer tentativa fácil de catalogação. O destaque
maior vai inevitavelmente para The Olde Days, a épica faixa de 21
minutos que encerra o álbum — uma combinação improvável de Federico García
Lorca, festas tradicionais espanholas e... uma obsessão com narrativas
fragmentadas! Celebrando uma década desde o seu lançamento original, Ward
White Is The Matador regressa numa edição especial que promete fazer as
delícias dos fãs e curiosos. Esta reedição marca a primeira vez que o disco é
disponibilizado em CD, num elegante digipak mais cintilante do que o
próprio traje de luces de um toureiro. A nova edição apresenta ainda um booklet
de 20 páginas, com ensaios inéditos de Ward White e Bryan Scary,
fotografias raras e as letras completas. Passados dez anos, este duelo
artístico de Ward White continua a soar tão vibrante e imprevisível como
em 2014. E, tal como um bom vinho Rioja — outra referência espanhola que
encaixa perfeitamente neste universo taurino de metáforas — Ward White Is
The Matador envelheceu com distinção. Agora, com uma edição física à altura
da sua ambição estética. [86%]
Trouble With Women (BRITISH LIONS)
(2025, Think Like A Music)
Após o fim dos British Lions em 1979,
poucos teriam adivinhado que o seu segundo álbum, Trouble With Women, se
tornaria uma espécie de culto adiado. Gravado em 1978 com a mira apontada ao
mercado norte-americano, o disco foi recusado por editoras nos Estados Unidos (RSO)
e Reino Unido (Vertigo), o que precipitou o fim da banda. Só em 1980,
através da Cherry Red Records, o álbum viu finalmente a luz do dia,
embora de forma discreta e praticamente sem impacto comercial. Agora, naquela
que é a segunda reedição deste disco depois da da Angel Air Records, de
2002, a Think Like A Key Music devolve-nos esta pérola esquecida numa
edição de luxo: digipak requintado, masterização cuidada a cargo de Prof.
Stoned, e nove faixas de bónus, incluindo demos raras, gravações ao
vivo e a gloriosa promoção de rádio americana, que enriquecem o contexto do
álbum. Musicalmente, Trouble With Women mistura um hard rock
musculado com lampejos de eletrónica inesperados — graças à mestria de Morgan
Fisher nos sintetizadores — e um sentido melódico que o aproxima de nomes
como Mott The Hoople (de onde alguns membros provinham), Thin Lizzy
ou até Queen. É verdade que, à época, houve quem considerasse o disco
demasiado frio e duro para o mercado americano — uma crítica que, hoje, mais
parece um elogio disfarçado: Trouble With Women soa autêntico, vibrante
e sem concessões. Se em 1978 o mundo não estava preparado para os British
Lions, em 2025 talvez o esteja. E que rugidos magníficos ainda conseguem
soltar! [87%]
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