Entrevista: aBAND'onados

 

Chegou, finalmente, o trabalho de estreia dos aBAND’onados que traz um título que carrega a essência da banda: resistência, inconformismo e a recusa em desistir perante as adversidades. Baixar os Braços (Não), revela-se um manifesto musical de ação e esperança, onde a crítica social convive com o apelo à transformação pessoal e coletiva. Voltamos a conversar com Ricardo Serra, explorando as raízes e intenções do álbum e a forma como a banda encara o presente e o futuro.

 

Viva, Ricardo, tudo bem? Obrigado pela disponibilidade. Baixar os Braços (Não) é o vosso álbum com um título que, por si só, transmite uma mensagem de resistência e de recusa em desistir. Como nasceu esta ideia e de que forma se reflete no conjunto das músicas do álbum?

Tudo ótimo, obrigado, eu pelo convite, Pedro! O título Baixar os Braços (Não) surgiu de forma natural porque resume aquilo que somos como banda e como pessoas. É um grito de resistência contra a rotina, contra a inércia e contra tudo o que nos tenta travar. Grande parte das músicas do disco acaba por refletir isso — umas de forma mais crítica, outras mais emotiva ou motivadora, mas todas com a mesma base: não desistir e continuar a lutar.

 

E, de certa forma, também soa a desafio. Sentes que este álbum é um apelo à ação dirigido aos vossos ouvintes?

Sem dúvida. Este álbum é um desafio para nós próprios e também um convite aos nossos ouvintes para se questionarem, mexerem-se e acreditarem que é possível mudar alguma coisa. É uma forma de dizer: “Não fiquem parados, o futuro constrói-se em movimento.”

 

A sonoridade do álbum conjuga influências de diversas abordagens ao rock e ao ska. Como definirias a vossa identidade musical neste trabalho?

A nossa identidade é rock, sem dúvida, mas não queremos ser uma banda que se prende a rótulos. Misturamos ska, punk rock, funk rock e até alguns toques de pop-rock porque cada tema pede uma energia diferente. A meu ver, a identidade está na forma como juntamos tudo isso com letras diretas e mensagens fortes.

 

Liricamente, o disco apresenta uma forte componente crítica, mas também um lado motivador e positivo. Como equilibraram esta mescla entre a denúncia social e a transmissão de esperança ou incentivo à ação?

Esse equilíbrio é fundamental para nós. Não queremos ser só críticos, nem só motivacionais. Vivemos todos os dias entre problemas e conquistas, e as letras refletem isso. A crítica está lá porque há muita coisa que não podemos ignorar, mas ao mesmo tempo queremos deixar sempre uma chama de esperança acesa.

 

Ainda nesse campo, muitas das letras têm uma abordagem muito direta, quase de manifesto, mas ainda assim deixam espaço para interpretação pessoal. É algo pensado para provocar diferentes leituras ou resulta naturalmente da vossa forma de compor?

É um pouco dos dois. Gosto de escrever de forma direta, mas também deixo espaço para que cada pessoa possa fazer a sua própria leitura. No fundo, dou o primeiro passo e permito que o ouvinte complete o caminho com a sua experiência pessoal.

 

Há também uma dimensão muito humana e quotidiana nas letras, com temas que parecem falar tanto do coletivo como do individual. Esta ligação entre o “eu” e o “nós” é algo que procuram conscientemente?

Sim. Porque a vida não se divide: aquilo que sentimos como indivíduos está ligado ao que vivemos como sociedade. O “eu” só faz sentido dentro de um “nós”, e vice-versa. É essa ponte que queremos construir nas nossas músicas.

 

No tema Vai Lá existe uma referência direta a Salazar, algo que não é muito comum no rock português atual. Qual foi a motivação para incluir essa alusão e o que pretendem que o ouvinte retire dessa menção?

Vai Lá é uma música sobre avós e netos, sobre herança cultural e memórias. Quando falamos de Salazar, não é para enaltecer nada, mas sim porque faz parte das histórias que os mais velhos nos contam. Queremos que essa referência funcione como um espelho de um tempo passado, para não esquecer e para perceber de onde viemos.

 

Ao longo do álbum surgem várias referências a “Zé Ninguém”, distribuídas por mais de um tema. Quem é, afinal, este “Zé Ninguém” no universo dos aBAND’onados e qual a sua importância para a mensagem global do disco?

O Zé Ninguém é a personificação de alguém que desistiu da vida, que perdeu o rumo e deixou de acreditar em si próprio. É aquela figura que anda à deriva, sem forças nem motivação para seguir em frente. Ao mesmo tempo, é quase um aviso: mostra-nos o que acontece quando baixamos os braços e deixamos que a vida nos ultrapasse. Dentro do álbum, o Zé Ninguém funciona como o contraste direto da mensagem que queremos passar — não ser ele, não cair nesse estado, mas sim lutar para encontrar um caminho.

 

No formato “letra primeiro, depois música”, como evoluiu esse processo para este álbum? Houve mudanças na dinâmica de criação desde os primeiros singles até aos temas novos?

O processo manteve-se praticamente o mesmo: começo sempre pela letra. Para mim, a mensagem é a base de tudo e só depois surge a música que a envolve e dá corpo àquilo que queremos transmitir. Desde os primeiros singles até às músicas mais recentes do álbum, essa dinâmica não mudou. O que evoluiu foi a maturidade da banda — hoje temos mais cuidado nos arranjos e na forma de fazer a letra e a música encaixarem de maneira natural, mas a essência continua a ser “primeiro a palavra, depois o som”.

 

Numa entrevista anterior mencionaste que conciliar outros projetos com os aBAND’onados era uma prática presente. Ainda é? Como equilibram essas diferentes identidades musicais, e de que forma isso influenciou a sonoridade ou atitude do álbum Baixar os Braços (Não)?

Neste momento, a banda está muito mais focada neste projeto. Decidimos canalizar a nossa energia e tempo para os aBAND’onados, porque sentimos que é aqui que podemos crescer e afirmar a nossa identidade. Os outros projetos foram importantes no passado e trouxeram experiência, mas agora o objetivo é continuar a trabalhar para o crescimento da banda, dar mais concertos e levar a nossa música cada vez mais longe. Essa dedicação reflete-se no álbum — nota-se uma maior coesão e vontade de afirmar quem somos.

 

Como imaginas o percurso dos aBAND’onados após este lançamento? Plano de digressão, festivais, possíveis colaborações?

O nosso grande objetivo é tocar o máximo possível. Ao longo do próximo ano queremos tocar por vários pontos do país, queremos estar em festivais e também em concentrações motards, que fazem parte do nosso ADN. Quanto a colaborações, estamos abertos e até já foi abordada essa possibilidade dentro da banda. O importante é manter a energia viva e partilhar a nossa música com o maior número de pessoas possível.

 

Para terminar, que mensagem gostariam de transmitir aos vossos fãs e aos nossos leitores?

Que nunca baixem os braços. Que acreditem na sua própria força e na música como forma de resistência e união. Este álbum é nosso, mas também é de todos aqueles que se reveem nele. Obrigado a quem nos acompanha e esperamos ver-vos nos concertos para vivermos esta viagem juntos. Muito obrigado, Pedro, e parabéns pelo trabalho desenvolvido no Via Nocturna 2000, que é fantástico para quem respira música.

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